Ensino_EducacaoBasica

'Vontade de chamar a atenção', diz alemão sobre saudação nazista em escola

Essa é a análise do pesquisador Peter Carrier sobre o caso de adolescentes de um colégio particular em Recife (PE). Confira a entrevista completa

Correio Braziliense
postado em 10/03/2020 10:48
Berlim — “O incidente provavelmente está relacionado à ignorância dos alunos ou ao desejo de chocar e chamar a atenção”, avalia o pesquisador alemão Peter Carrier sobre os estudantes de um colégio particular de Recife (PE) que fizeram a saudação nazista em sala de aula na última semana. A análise vai no mesmo sentido da feita pela historiadora alemã Juliane Wetzel

Trata-se de mais um caso de antissemitismo a gerar polêmica em ambientes educacionais no Brasil, mas houve outros, como situações de símbolos nazistas pintados em paredes e muros de colégios. A fim de evitar episódios como esses, a educação é uma grande ferramenta, indica Peter Carrier, pesquisador do Georg Eckert Institut (GEI), voltado ao estudo de livros didáticos.

O pesquisador Peter Carrier

Saiba Mais

“Numa aula sobre genocídio, talvez o mais importante seja que cada um de nós perceba e corrija suas inclinações. Se os professores puderem despertar em si essa capacidade, terão feito muito para que os alunos e todos nós estejamos protegidos e armados contra o autoritarismo e seu simbolismo”, afirma ele, que atuou em projeto de pesquisa para mapear o modo como o Holocausto é ensinado em diferentes países (confira em Saiba mais).

Seu trabalho de doutorado, pela Universidade Livre de Berlim, abordou os monumentos do Holocausto e as culturas nacionais da memória na França e na Alemanha. Peter Carrier, que já deu aulas de filologia, estudos culturais, história e ciência política em universidades na Alemanha, na França, na Hungria e no Canadá, atualmente, pesquisa a retórica da memória na comunicação política e nos preceitos éticos do discurso contemporâneo sobre o Holocausto.

Qual a gravidade do fato de estudantes brasileiros terem feito uma saudação nazista em sala de aula? Quais seriam as consequências de tal gesto na Alemanha?

É muito grave. Mostrar a saudação de Hitler em público é um crime na Alemanha. No entanto, nas escolas, os diretores precisam decidir como reagir. Um exemplo foi o caso de uma escola em Neuperlach há quatro anos, onde estudantes também fizeram o mesmo gesto. Depois disso, os alunos tiveram que fazer apresentações sobre as experiências das pessoas durante a era nazista — o que certamente faz mais sentido do que a suspensão, pois, assim, precisam escutar e entender por que alunos são atraídos pelo simbolismo de Hitler. Aprender o que o nazismo realmente significa pode ser educativo tanto para professores quanto para alunos.

Por que o senhor acha que ainda existem casos assim no Brasil?

Se esse incidente em uma escola está relacionado ao estilo de liderança autoritária e nacionalista de Jair Bolsonaro ou às opiniões conhecidamente apologéticas de seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, isso é difícil dizer. No entanto, o incidente provavelmente está relacionado à ignorância dos alunos, que se sentiram atraídos por um estilo de liderança carismático, ou à vontade de chocar e chamar a atenção.

O fato de o Brasil estar passando por um momento de crescimento de extrema direita pode ser perigoso?

Claro! O carinho por receitas políticas simples, a glorificação do autoritarismo e a tentativa de usar o simbolismo e os rituais que os regimes autoritários usavam na época para vincular as pessoas a esta forma de governo atual não deveriam ser revividos, mas reconhecidos, entendidos e evitados.

Os romances escritos por Primo Levi (1919-1987) podem ser boa opção para aprender sobre o Holocausto em sala de aula

Qual é a importância de ensinar aos estudantes de todo o mundo sobre os reais eventos do nazismo, a fim de aumentar a conscientização sobre o problema e combater a discriminação contra qualquer tipo de grupo?

Muito importante! Desde que, além dos fatos históricos (datas, pessoas e eventos), os educadores tragam para a sala de aula fontes e materiais ao falar com os alunos, de modo que eles aprendem sobre os crimes, os assassinatos e as formas de exclusão e humilhação do passado fazendo uma conexão com o presente, fazendo um link com as próprias experiências dos jovens. Isso inclui aprender também com fontes literárias — como os romances de Primo Levi (judeu sobrevivente de Auschwitz) —, monumentos e testemunhos de vítimas, além de aprender a identificar e lidar com a visão de mundo dos autores desses crimes. No entanto, a escola é apenas uma instância do ensino da história, ou seja, ela não pode, sozinha, garantir uma atitude ética em relação ao passado e ao presente. É preciso mais do que aprender na escola para isso.

Como as escolas alemãs ensinam sobre o nazismo e abordam o assunto? Sempre existem visitas a campos de concentração?

A maioria dos estudantes têm aulas sobre esse tópico várias vezes em diferentes disciplinas. Nas aulas de história, isso é feito a partir da 9ª série (faixa etária de 14 a 15 anos) e de modo mais aprofundado a partir da 11ª série (faixa etária de 16 a 17 anos). Embora o assunto não esteja prescrito no currículo da escola primária, também é abordado não oficialmente nessa fase. Livros escolares, sites, viagens escolares... Tudo pode ser usado para isso. Mas, também e acima de tudo, os alunos se deparam com esse tópico fora da sala de aula, e o aprendizado informal é central. Músicas e videogames, muitas vezes, carregam simbolismo da era nazista, o que costuma ocorrer sem comentários e sem qualquer indicação da origem de tal simbolismo e linguagem. 

Quais recomendações você daria para escolas e professores brasileiros que precisam ensinar seus alunos sobre o nazismo? Como fazer isso de maneira responsável?

Existem muitas técnicas que os professores podem tentar. Há educadores que, por exemplo, dividem a turma em duas. Pedem para os alunos de olhos azuis (ou pele clara) se sentarem no lado esquerdo da sala e para aqueles com olhos castanhos (ou pele mais escura) ficarem do lado direito. A partir disso, o professor simplesmente precisa perguntar por que isso aconteceu, para que os alunos possam começar a pensar sobre que tipo de abuso de poder foi usado durante o tempo do nazismo. É claro que essas técnicas lúdicas devem ocorrer em conexão com lições de história baseadas em fontes confiáveis, como livros didáticas, possivelmente também conectada a trabalhos independentes e visitas a locais memoriais do Holocausto, se disponíveis. Muito depende da idade e experiência dos alunos; as técnicas apropriadas devem ser cuidadosamente avaliadas pelos professores, possivelmente em consulta com seus colegas.
 
Estudo mapeou como currículos e livros didáticos de diferentes países abordam o Holocausto 

Saiba mais

Peter Carrier foi o pesquisador principal do estudo “The Holocaust and Genocide in Contemporary Education. Curricula, Textbooks and Pupils”, produzido em parceria entre o GEI e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). O projeto mapeou o estado da educação formal sobre o Holocausto internacionalmente. Pesquisadores documentaram e compararam entendimentos históricos do Holocausto encontrados em 272 currículos de 135 países e em 89 livros didáticos de 26 nacionalidades.

O relatório permite fazer comparações entre países e deixa claro como cada um seleciona as informações a transmitir e o significado atribuído ao nazismo de acordo com seus interesses. “Como os resultados do relatório estão disponíveis publicamente na forma de um livro, professores, autores e consultores também podem acessar livremente as informações nele contidas. Se pessoas da Europa, por exemplo, estão lidando com professores brasileiros, podem obter uma visão dos currículos brasileiros com relação à temática do Holocausto de forma relativamente rápida e vice-versa”, diz Carrier. Acesse o estudo aqui.

Sobre a situação do Brasil, a pesquisa observa que o MEC (Ministério da Educação) emite diretrizes nacionais que estipulam o ensino sobre o Holocausto. No entanto, elas funcionam apenas como recomendações, e conteúdo pode ser adaptado e aplicado localmente. Após ataques a sinagogas e cemitérios judeus, Porto Alegre foi o primeiro município a introduzir educação obrigatória sobre o Holocausto para todas as escolas públicas em 2010.

 

*A jornalista é bolsista do Internationale Journalisten-Programme (IJP)

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Foto: Unesco/GEI
  • Foto: Wikimedia Commons

Tags