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Bolsonaro derrapa ao comentar dados sobre racismo e sistema prisional

Apesar das falhas, o presidente da República acertou, em entrevista a Luciana Gimenez, informações sobre o código penal dos EUA e educação

Da Equipe Holofote
postado em 09/05/2019 16:00
Jair Bolsonaro e Luciana Gimenez no Palácio do PlanaltoO presidente da República, Jair Bolsonaro, concedeu, na quarta-feira (7/5), entrevista de quase 55 minutos à apresentadora Luciana Gimenez. Transmitido do Palácio do Planalto, o programa Luciana By Night, da Rede TV, ficou marcado pela descontração, com perguntas pessoais e presentes a Bolsonaro, como uma camisa do Palmeiras. A entrevista, porém, também tratou de temas sensíveis ao Brasil, como a reforma da Previdência e a relação com os Estados Unidos. O presidente só elevou o tom ao citar a gestão petista no governo federal e ao comentar o atentado sofrido na campanha eleitoral.

Confira a checagem feita pelo Holofote:

"Eu comecei a me preparar (para ser presidente da República) no fim de 2014, quando acabaram as eleições, e eu fui o (deputado federal) mais votado do Rio de Janeiro. Como sempre, sem gastar, porque não tinha nem eu pedi dinheiro para ninguém"

NA MOSCA

De fato, Jair Bolsonaro elegeu-se, em 2014, como o deputado federal mais bem votado do Rio de Janeiro. Pelo PP, ele recebeu 464 mil votos. Além disso, à época, o futuro presidente da República fazia planos para alcançar o Palácio do Planalto. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, logo após as eleições de 2014, ele declarou:

"Sou de direita mesmo e não tenho vergonha de dizer. Vou disputar o Planalto. Se meu partido não me apoiar, mudo de legenda para concorrer."

Bolsonaro foi eleito pelo PSL. E, realmente, elegeu-se com recursos próprios e verba do Fundo Partidário. Segundo a Prestação de Contas Eleitorais, disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o então candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro contou com R$ 405.224 em receitas. O recurso saiu das direções estadual e nacional do PP ; R$ 400.724 ; e do próprio bolso (R$ 4,5 mil).

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"Eu conheci o Exército em 1970, quando o guerrilheiro Lamarca, que integrava o mesmo grupo terrorista da Dilma Rousseff, passou em Eldorado paulista. Quando passou por lá, ele fez refém um tenente, e o Exército brasileiro acampou por lá e ficou uma semana lá"

NA MOSCA

Nesse caso, o Holofote não entrará no mérito dos adjetivos "guerrilheiro" e "terrorista" usados por Bolsonaro para definir o Carlos Lamarca, desertor do Exército brasileiro e um dos principais personagens da luta armada contra a ditadura brasileira, e a ex-presidente da República Dilma Rousseff. Como se trata de uma opinião ; confira em Como checamos ;, o nosso núcleo de checagem de fatos se aterá à informação do Exército brasileiro em busca de Lamarca em Eldorado (SP).

De fato, um dos episódios marcantes de Lamarca na resistência ao regime militar aconteceu em Eldorado em 8 de maio de 1970, quando um policial morreu durante o refúgio do ex-capitão no município paulista. Reportagem do site do El País detalha o caso:

"Houve um tiroteio. Um policial morto. Estradas fechadas pela polícia, revistas generalizadas. Ao final, o guerrilheiro conseguiu fugir e levou sua luta para outro lugar. Mas aquela sexta-feira ficou na memória dos habitantes da cidade como um dos mais emocionantes na história de Eldorado Paulista. Impressionou a todos seus habitantes, sobretudo as crianças. Mais do que a ninguém, a um adolescente teimoso, ambicioso e desengonçado chamado Jair Bolsonaro."

O episódio determinou a busca de Bolsonaro pela carreira militar.

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"Só para controle: ele (Adélio Bispo) foi filiado ao PSol até 2014. Ele tinha cartões de crédito, até internacional. Uma pessoa tentou entrar na Câmara aqui usando o seu documento, ou seja, se ele foge depois daquela ação, ele teria um álibi aqui em Brasília. Duas pessoas morreram na pensão onde ele estava morando lá"

CALMA AÍ
Três das quatro afirmações de Bolsonaro merecem ressalvas. Realmente, Adélio Bispo de Oliveira foi filiado ao PSol entre 2007 e 2014. Mas, nesse caso, essa é única informação 100% correta do presidente da República na resposta dada a Luciana Gimenez. As demais exigem explicações mais detalhadas.

De fato, quando foi preso logo após o ataque a facadas a Bolsonaro, ainda na corrida eleitoral de 2018, Adélio portava cartões de crédito, um deles internacional. Mas, segundo a Polícia Federal, o cartão, jamais utilizado, foi emitido automaticamente pelo banco do agressor.

Além disso, a informação dada pelo presidente da República de que uma pessoa tentou entrar na Câmara dos Deputados identificada como Adélio Bispo de Oliveira não é correta. Investigação da Polícia Legislativa da Casa concluiu que um funcionário apenas acessou o sistema da Casa para verificar se o acusado havia visitado o Congresso antes do atentado.

Quanto à última afirmação de Bolsonaro, realmente, duas pessoas morreram na pensão de Juiz de Fora (MG) onde Adélio ficou hospedado antes do ataque a facadas. Ambas, no entanto, morreram em decorrência de problemas de saúde, como cardíacos ou câncer.

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"Lá (Estados Unidos), cada estado tem um código penal. Aqui, eu gostaria de fazer a mesma coisa, mas parece que tem um impedimento"

NA MOSCA

O advogado criminalista Danilo Bomfim explica que a declaração do presidente está correta. "Lá nos EUA, diferentemente daqui, os crimes são divididos em federais e estaduais. Ou seja, os estados têm certa competência para legislar sobre determinados crime", afirma o especialista. Segundo Bomfim, o mesmo não acontece no Brasil, porque o presidente da República não tem essa prerrogativa. "A competência para legislar em matéria penal é privativa da União, em obediência ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal", detalha o advogado.

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"Tinha um deputado do PT do Maranhão, há questão de nove, 10 anos, ele apresentou um projeto chamado Estatuto do Encarcerado, onde ele dizia na lei que cada preso tinha direito à sua cela individual. Ou seja, para colocar na rua 90% dos presidiários"

PISOU NA BOLA

Em 2011, o deputado Domingos Dutra (então no PT), do Maranhão, apresentou um projeto sobre o sistema prisional, mas com outro nome: Estatuto Penitenciário Nacional. Além de errar a identificação do PL, o presidente se enganou quanto ao conteúdo. Apesar de a proposta apresentar várias medidas relativas ao tamanho das celas e à quantidade de presos em cada uma delas, não há indicação para que ;cada preso tenha direito à sua cela individual;. O texto assegura isso apenas para presos provisórios, que teriam celas individuais ;sempre que possível;. Detentos identificados como membros de facção, obrigatoriamente, ficariam ;na solitária;, como escreveu o parlamentar. O projeto foi arquivado.

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"Quando eu falo, o IBGE me critica. São muito mais de 13 milhões de desempregados, infelizmente. A pesquisa não pega quem está há mais de um ano sem procurar emprego, não pega quem recebe Bolsa Família também. Então, eu calculo mais de 25 milhões de desempregados"

Apesar das falhas, o presidente da República acertou, em entrevista a Luciana Gimenez, informações sobre o código penal dos EUA e educação

O Holofote entrou em contato com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e aguarda resposta para que a checagem fique completa.

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"A filosofia dele (Paulo Freire) está aí, e a garotada cada vez está se formando com menos conhecimento. Basta ver as provas do tal do Pisa, que faz a pesquisa de dois em dois anos no Brasil. Geralmente, são 65 países. A gente está ali ocupando da 59; posição para as últimas posições o tempo todo. Não deu certo"

NA MOSCA

O Holofote não entrará no mérito quanto a crítica do presidente Jair Bolsonaro sobre a eficiência do método de ensino criado por Paulo Freire. A afirmação dada na entrevista à apresentadora Luciana Gimenez está correta no que tange ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o Pisa. Os exames são aplicados a cada três anos, e o mais recente foi realizado em 2018. Esses resultados, no entanto, só serão divulgados em 3 de dezembro deste ano. O diagnóstico da avaliação de 2015 mostra que o Brasil ocupa as últimas posições em leitura, matemática e ciências. Os resultados completos podem ser conferidos no site do Pisa.

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"No Brasil, é uma coisa rara o racismo. O tempo todo tentam jogar o negro contra o branco"

PISOU NA BOLA

Embora seja difícil precisar quantos casos de racismo ocorrem no Brasil a cada ano, dizer que é algo "raro" também não tem sustentação. No DF, por exemplo, o número de ocorrências do crime de injúria racial aumentou 45,48% entre 2014 e 2018. Em São Paulo, em 2018, a quantidade de ocorrências por racismo e injúria racial aumentou 29% entre janeiro e maio. Dados do Ministério da Justiça mostram que, entre 2014 e 2015, denúncias desse tipo de crime registraram alta de 4.333,33% no Disque 100.

Outra pesquisa, da Rede Nossa SP, revela que 70% dos paulistanos acreditam que a discriminação racial contra a população negra se manteve igual ou cresceu nos últimos 10 anos.

Em 2016, segundo o Atlas da Violência, a taxa de homicídio de homens não negros era de 30,36 para cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto a de homens negros era de 76,19. No mesmo período, a taxa era de 3,05 para não negras e de 5,26 para negras.

Em relação à renda, a população negra também encontra mais dificuldades do que a branca. De acordo com o relatório "A distância que nos une", da instituição Oxfam, em 2015, brancos ganhavam o dobro dos negros (considerando todas a média de todas as faixas de renda): R$ 1.589 em comparação com R$ 898 por mês. Ainda segundo a pesquisa, se mantido o atual ritmo de inclusão, a equiparação de rendas médias entre brancos e negros só acontecerá em 2089. Além disso, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) revelou, em 2019, uma média de R$ 1.144,76 mensais para brancos contra R$ 580,79 para negros.

Enquanto isso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE, divulgada em fevereiro deste ano em relação ao quarto trimestre do ano anterior, indica que o desemprego subiu entre pretos e pardos e diminuiu entre brancos no período de 2012 a 2018.

Uma pesquisa da professora Regina Dalcastagné, da Universidade de Brasília (UnB), aponta disparidades também na literatura: dos escritores publicados entre 2005 e 2014, 97,5% eram brancos. Entre personagens, 76% são brancos. O estudo analisou 692 romances nos períodos de 1965 a 1979, de 1990 a 2004 e de 2005 a 2014.

Todos esses indicadores apontam que o racismo, além de não ser raro, cresceu entre a população brasileira.


Checagem de Ana Carolina Fonseca, Guilherme Goulart, Igor Silveira e Leonardo Meireles

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