Rodrigo Craveiro
postado em 27/04/2018 06:44
O conflito militar deixou 2,5 milhões de mortos, separou mais de 60 mil famílias, instilou o ódio entre vizinhos e terminou sem um acordo de paz. Sessenta e cinco anos depois, a Guerra da Coreia ; ainda tecnicamente em vigor ; pode estar prestes a ser encerrada. Às 9h29 de hoje (21h29 de ontem em Brasília), o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, atravessou a pé a linha de concreto que demarca a fronteira e entrou no território da Coreia do Sul, no vilarejo de Panmunjon, na Zona Desmilitarizada (DMZ). Vestido com um traje de cor escura, foi recebido com um sorriso pelo presidente sul-coreano, Moon Jae-in. ;Estou feliz em conhecê-lo;, disse o anfitrião.
Moon e o vizinho apertaram as mãos, um de cada lado da demarcação da fronteira. Depois se deram as mãos novamente, o norte-coreano avançou rumo à Coreia do Sul e ambos trocaram outro cumprimento. Sob iniciativa de Kim, Moon andou até o Norte e houve novo aperto de mãos, antes de voltarem ao Sul. Os dois se dirigiram até a Casa da Paz, onde foi firmado o armistício de 1953.
Ao som de arirang, típico estilo de música coreana apreciado nos dois países, Kim recebeu flores de duas crianças, moradoras do vilarejo de Deaseong-dong, situado na DMZ. Acompanhado de Moon, passou as tropas sul-coreanas em revista. Depois, apresentou, um a um, os integrantes da comitiva de Pyongyang. Surpreendeu, uma vez mais, ao sugerir uma foto improvisada das duas delegações reunidas. O ditador estava acompanhado de oito assessores, entre eles a irmã, Kim Yo-jong, que mais tarde ocupou o lado esquerdo da mesa, na Casa da Paz, centro de conferência em Panmunjon.
Minutos depois, Kim assinou um livro de convidados. ;Uma nova história começa agora ; no ponto inicial da história e na era da paz;, escreveu. Depois de ele se tornar o primeiro líder da Coreia do Norte a cruzar a fronteira, a pé, desde o fim da Guerra da Coreia (1950-1953), tinha início uma histórica cúpula que pode viabilizar um tratado de paz entre os países. As primeiras palavras durante a reunião foram de otimismo. ;Eu vim determinado a enviar um sinal de começo no limiar de uma nova história;, afirmou Kim, ao prometer ;uma mentalidade franca e séria;. ;As expectativas são altas. (...) Espero que sejamos capazes de fazer um novo começo, e é com tal compromisso que vim a este encontro;, acrescentou.
[SAIBAMAIS]Moon lembrou que a visita torna Panmunjon símbolo de paz, não de divisão, e disse que ;a primavera está se espalhando pela Coreia do Sul;. ;Espero que nos envolvamos em conversas francas e cheguemos a um acordo ousado, para que possamos dar um grande presente a todo o povo coreano e às pessoas que querem a paz.; O sul-coreano destacou a ;decisão corajosa e audaciosa; de Kim de cruzar a fronteira.
A Casa Branca divulgou nota repleta de esperança. ;Por ocasião do encontro histórico (;), nós desejamos o bem ao povo coreano. Nós estamos esperançosos de que as conversas alcancem progresso rumo a um futuro de paz e de prosperidade a toda a Península Coreana. Os Estados Unidos (...) anseiam em continuar com discussões robustas em preparação para o encontro planejado entre o presidente Donald Trump e Kim Jong-un nas próximas semanas.;
Boa vontade
No começo da noite de ontem (pelo horário de Brasília), logo após Kim deixar Pyongyang para uma viagem de pouco menos de 300km até Panmunjon, a agência estatal de notícias KCNA divulgou nota em que informou a boa vontade do líder norte-coreano em obter progresso nas negociações. ;Kim Jong-un discutirá honestamente com Moon Jae-in sobre todas as questões que surgirem para melhorar as relações intercoreanas e para se obter a paz, a prosperidade e a reunificação da Península da Coreia;, anunciou. O tema ;desnuclearização; não foi citado. Moon chegou a Panmunjon pouco antes das 9h e, no trajeto, desceu do carro para cumprimentar simpatizantes. A rodovia que liga a capital estava enfeitada com pequenas bandeiras da Unificação.
Para Scott Snyder, diretor do Programa sobre Política Estados Unidos-Coreia do Norte do Conselho de Relações Exteriores (CFR), em Washington, Kim e Moon deverão concordar com uma aspiração comum pela paz. ;Não creio em um tratado de paz, mas algo nessa direção. Será um imenso passo adiante, mas apenas se acompanhado de distensão;, afirmou ao Correio. Mas ele disse não ver evidências de compromisso de Kim com a desnuclearização. ;A reunião, simbolicamente, deve abrir um novo caminho em direção à paz.;
Três ou quatro datas no papel
Em entrevista por telefone ao canal Fox News, o presidente norte-americano, Donald Trump, mencionou ontem a possibilidade de três ou quatro datas possíveis para o esperado encontro com Kim Jong-un. ;Temos que tomar uma decisão. Temos três ou quatro datas, e isso inclui cinco possíveis sedes;, revelou. ;Agora, temos que ajustar isso;, acrescentou. Mais cedo, a Casa Branca indicou que a reunião deve ocorrer em julho.
Quem é quem
Kim, impiedoso e polêmico
Nascido em 8 de janeiro de 1983 ou 1984, assumiu o posto de líder supremo da Coreia do Norte após a morte do pai, Kim Jong-il, em dezembro de 2011. Para se aferrar ao poder, mostrou-se impiedoso: expurgou o influente tio e teria ordenado o assassinato do meio-irmão, Kim Jong Nam, morto com agente nervoso VX no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, em 13 de fevereiro de 2017. Dois anos antes, exigiu a execução do ministro da Defesa, general Hyon Yong-Chol, com um tiro de bateria antiaérea, sob a justificativa de que ele teria dormido em um evento. Filho da cantora de ópera Ko Young-hee, foi educado na Suíça, antes de ingressar na Universidade Militar Kim Il-sung, em Pyongyang. Durante o regime, realizou quatro dos seis testes nucleares.Moon, o artífice da cúpula
Nascido em 24 de janeiro de 1953, o 19; presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, tomou posse em 10 de maio de 2017. Durante a campanha, deixou claro que não toleraria a posse de armas atômicas por parte do vizinho. Entusiasta de um acordo de paz com Pyongyang, é adepto da ;política do brilho do sol; ; estratégia de expansão da cooperação intercoreana criada pelo ex-presidente liberal Kim Dae-jung. Formado em direito pela Universidade Kyunghee, em Seul, foi eleito para o parlamento em 2012. É casado desde 1981 com a cantora Kim Jung-sook, com quem tem dois filhos.