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Por coronavírus, Berlim fecha todas as creches e escolas por cinco semanas

Com todas as instituições de educação básica, bares, clubes e academias fechados, a capital da Alemanha parece estar numa contagem regressiva antes que um lockdown se instale

Correio Braziliense
postado em 16/03/2020 11:44
Escolas de Berlim entraram em recesso por cinco semanasBerlim, Alemanha - A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a Europa é o novo epicentro da pandemia do novo coronavírus. Assim como outras áreas, a educação também é afetada pela crise. Esta segunda-feira (16/3) marca o último dia de aulas dos alunos de nível primário na capital alemã. Os estudantes de nível secundário finalizaram atividades na última semana. Em comparação com outras cidades e estados do país, Berlim até demorou para suspender o funcionamento das escolas. Agora, a educação básica entra em um recesso obrigatório até 19 de abril. 

Essa é a previsão inicial, mas o período pode ser estendido caso a crise do coronavírus não melhore na Alemanha. Os casos de infectados no país escalam rapidamente: no domingo, o Instituto Robert-Koch divulgou que há 4.838 pessoas com o novo coronavírus no país, das quais 265 estão em Berlim. Com estudantes do jardim de infância ao ensino médio precisando ficar em casa, isso muda também a rotina dos pais. Os que tiverem essa possibilidade passam a trabalhar em home office. O que pode diminuir o fluxo de pessoas nas ruas: o transporte público em Berlim faz estudos para reduzir seu funcionamento de acordo com isso.

Vida cotidiana em suspensão

Em acordo publicado nesta segunda-feira (16/3), o governo federal da Alemanha e os governos estaduais determinaram que ficam proibidos encontros em igrejas, sinagogas, mesquitas e templos de qualquer outra fé. Cursos (incluindo livres, de música e para adultos), excursões e outros tipos de reuniões também se tornam proibidas a partir desta segunda-feira (16/3). Clubes noturnos, bares, museus, teatros e cinemas, que já estavam fechados em Berlim, também param de funcionar em todo o país. Bordeis, cassinos, brinquedotecas entre outros tipos de estabelecimento passam a ter funcionamento suspenso. Outra recomendação é que os restaurantes tenham horário de funcionamento restrito: podem abrir a partir das 6h e devem fechar até as 18h.

Bar avisa aos clientes que fechou por causa do coronavírusNos supermercados, muita gente continua a comprar desenfreadamente, fazendo estoque para caso haja necessidade. O comportamento não foi estimulado pelo governo, mas acaba sendo influenciado pela desinformação: circularam por grupos de WhatsApp e redes sociais notícias falsas dizendo que os mercados ficariam fechados por três dias.

Apesar de aumentar o número de pessoas que tem ficado em casa, neste último fim de semana, foi possível ver muitos moradores de Berlim aproveitando o que poderia ser a última chance de sair livremente antes que o país entre em lockdown, como o imposto em Itália e Espanha. Assim, parques e restaurantes continuaram cheios, apesar de o movimento ser menor que o habitual. 

A fim de reforçar as medidas de segurança, foi disponibilizada uma força policial adicional de 200 oficiais nas ruas de Berlim. São funcionários que, desde a noite de sábado, fiscalizam se as pessoas estão cumprindo as restrições impostas pelo governo. Quem descumprir as medidas estará cometendo crime ao violar a “Lei de Proteção contra Infecções”, válida em toda a Alemanha, e poderá ser multado (em até 25 mil euros) ou ser submetido a pena de reclusão de até cinco anos.
Moradores de Berlim, temendo um lockdown, aproveitaram o fim de semana para sair e ir a restaurantes e parques enquanto ainda podem

Escolas fechadas

Irena Bender, 57 anos, é professora da Johannes-Schule-Berlin, escola da pedagogia Waldorf que tem cerca de 250 alunos e funciona no bairro de Schöneberg na capital alemã. Nesta segunda-feira (16/3), docentes da instituição encontraram os estudantes do primário pela última vez antes de entrarem num período de recesso, de pelo menos cinco semanas, forçado pela crise do coronavírus. Os alunos do secundário já não tiveram aulas nesta semana. As comunidades escolares começam a pensar nas consequências que isso trará, especialmente para os que terminarão agora o ensino médio. 

A educadora alemã Irena Bender enviará livros por via postal para não deixar alunos sem atividades durante a pausaSe o ano acadêmico terminar mais tarde, espera-se que as faculdades mudem as datas de seus processos seletivos. Professores como Irena também temem prejuízos educacionais também em outras séries. “Eu compreendo a situação, mas me frustro. Cinco semanas é muito tempo”, reflete. Ela dá aulas para uma classe de 31 alunos na faixa dos 8 anos de idade. O ensino no colégio se baseia em projetos, executados a cada quatro semanas e integrando todas as matérias de modo multidisciplinar. 

Engenheira agrônoma e mestre em ciências, ela lamenta que o recém-iniciado projeto sobre “ofícios antigos” seja interrompido. Dentro dele, as crianças visitaram um ferreiro, um carpinteiro, uma vila-museu e estavam prestes a visitar uma padaria, a fim de mostrar como são feitos os pães, quando as visitas foram suspensas com o agravamento do Covid-19.  Antes de a escola fechar, a rotina já tinha sido afetada pela doença. Tradicionalmente, os professores cumprimentavam cada aluno com um aperto de mão. 

Há duas semanas, esse tipo de gesto foi proibido. Irena explica que cada educador encontrou um modo alternativo de cumprimentar os estudantes: ela, por exemplo, passou a encostar cotovelo com cotovelo. Ao chegar à sala de aula, cada aluno era orientado a lavar as mãos. Professores e outros colegas de trabalho não ousam se aproximar uns dos outros: conversam de longe, a pelo menos 1,5 metro de distância. “As crianças se mostraram muito nervosas com o vírus. Todos só pensam nisso. O corona virou até tema de brincadeira: um aluno dizia que era o corona e corria atrás dos outros, que fugiam.”

Irena compreende os motivos do recesso, mas lamenta a situação e se preocupa com prejuízos educacionaisCom o passar dos dias, as turmas começaram a esvaziar. Pais preocupados passaram a não levar os filhos para a escola antes mesmo da determinação do governo local. “Eu recebia e-mails explicando que não iam trazer determinado estudante porque ele tinha alguma condição, ou porque tem contato com uma avó de 85 anos”, relata Irena, que trabalha no colégio há uma década. Para não deixar os estudantes sem atividade durante o período de recesso, a professora separou um livro literário e uma apostila de exercícios para enviar a cada um por via postal. “Se o período sem aulas for estendido, posso enviar mais material”, planeja. Nas próximas cinco semanas, a diretoria da escola continuará funcionando. 

A instituição precisará oferecer aulas para um grupo de emergência, formado por filhos de pais que trabalham em áreas consideradas fundamentais, incluindo saúde, bombeiros e polícia. Haverá um revezamento entre os professores para que, a cada dia, um venha e lecione. Irena não participará do rodízio porque tem asma, portanto, faz parte de um grupo de risco. Durante as próximas semanas, a professora se isolará numa casa de campo. Para ela, que viveu numa Alemanha dividida durante muito tempo, ver o país fechar fronteiras faz lembrar a época da Guerra Fria e pré-queda do muro de Berlim.

*A jornalista é bolsista do Internationale Journalisten-Programme (IJP)

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  • Foto: Ana Paula Lisboa/CB/D.A Press
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