Correio Braziliense
postado em 17/05/2020 09:00
Escrevo neste sábado nublado sob uma perspectiva sombria. Nunca fomos tão reféns de decisões políticas. Sabemos todos que, em uma democracia, pessoas votam para eleger seus governantes e isso é um bem inquestionável. O problema é que, em plena pandemia, não há margem para erros. Não é uma eleição ou reeleição que está em jogo – são vidas humanas. Por muitas razões, entre elas o luto de tantas famílias, é importante que políticos saibam: não é possível exumar votos. Entre todos os culpados, sobrará para os governantes o peso de não proteger sua gente.O coronavírus trouxe, além de tragédias em série, uma incerteza nunca vista. Nenhum político do mundo pode tomar decisões com 100% de chances de acerto. Todos os políticos do mundo estão vivendo pressões absurdas e de todos os lados. Faz parte. Não há dúvida de que é um teste de fogo. Terão, em muitos casos, que arriscar a solidez econômica, os planos de governo, os programas que tinham em mente e o rol de prioridades que construíram para os seus mandatos. Desta vez, poderiam nos fazer uma promessa apenas: a de que farão o possível e o impossível para a defesa da vida. O sentimento de empatia e de humanidade precisa prevalecer se os políticos não quiserem carregar no lombo o peso de terem contribuído para aumentar o número de mortes.
Abrir ou fechar comércio; manter ou paralisar obras; decretar a volta ou não das aulas são decisões difíceis, nós sabemos. E todas têm impacto relevante. Mas a única consideração possível para fazer essas escolhas é a defesa da vida humana. Delegar essa atitude para médicos que precisam escolher quem salvar é de uma covardia ímpar.
Nós todos já vimos governadores entregarem um Estado endividado; nós todos já vimos presidentes ajudarem, com suas decisões, a detonar a imagem do Brasil e favorecer a corrupção, o desmatamento, a desordem; todos nós já vimos gastos estratosféricos com o nada, obras paradas por anos a fio, anistia a dívidas milionárias de empresas ricas, subsídios incríveis para setores falidos, socorro a bancos. Por que, agora, em tempos de coronavírus, a preocupação com a economia deve prevalecer sobre a proteção à vida?
Há algo muito errado quando se exige nome limpo de um microempreendedor para conceder um empréstimo neste momento ou quando se nega um auxílio de R$ 600 a um trabalhador autônomo. Com o coronavírus, estamos enterrando idosos que sustentavam suas famílias e jovens que seriam a força de trabalho do futuro. Isso, prezados políticos, também custa caríssimo à economia de um país.
Por tudo isso, os políticos devem ter humildade e sabedoria. Que entrem em cena os que têm capacidade para enfrentar uma guerra sanitária sem precedentes com prudência e humanidade. A única certeza que terão neste cenário é de que estão agindo com a consciência de proteger vidas. Todo o resto é secundário. Ninguém suporta mais chiliques sustentados por narrativas tresloucadas e discursos pautados pelo obscurantismo. O exemplo deve vir de cima. Que os governantes governem de verdade e que aqueles mais exaltados abandonem a pirotecnia. Ou terão de carregar o fardo de ter contribuído para matar inocentes em série. A vida é feita de escolhas, disse Nelson Teich na despedida. Está na hora de o presidente Jair Bolsonaro escolher de que lado está: do país ou de seu projeto de poder. Teich escolheu sair do governo. E quando o governo Bolsonaro escolherá salvar o Brasil do maior inimigo que já enfrentou?
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