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OAB pedirá que Bolsonaro se explique ao STF sobre morte de Santa Cruz

Interpelação para que Bolsonaro apresente as provas que eventualmente tenha sobre o desparecimento do pai do presidente da OAB deve ser protocolada nesta quarta-feira

Jorge Vasconcellos
postado em 30/07/2019 21:52
Bolsonaro falou sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz enquanto tinha o cabelo cortado ao vivo na internetO presidente Jair Bolsonaro deve ser chamado a prestar esclarecimentos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República por ter dito que o estudante e militante Fernando Augusto de Santa Cruz, pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, foi morto durante a ditadura militar por membros do movimento de esquerda Ação Popular, do qual fazia parte, por suspeita de traição. A declaração do presidente contraria as conclusões da Comissão Nacional da Verdade e documentos do seu próprio governo, que atestam que Fernando foi preso e assassinado por agentes do Estado brasileiro, à época do regime de exceção.

Felipe Santa Cruz, segundo confirmou a OAB, vai protocolar, nesta quarta-feira (31/7), no STF, uma interpelação para que Bolsonaro apresente as provas que eventualmente tenha sobre o assunto. Para o advogado, porém, o chefe do governo não têm qualquer informação verdadeira sobre o caso e apenas demonstrou mais um "gesto de irresponsabilidade". Na sua opinião, o caso em questão pode envolver o cometimento de uma lista de crimes. ;(A começar pela) falsidade, a dar declaração falsa, provavelmente num arroubo verbal", disse Felipe Santa Cruz.

Em solidariedade a ele, vários ex-presidentes da OAB vão assinar também a interpelação e atuarão em sua defesa. O grupo inclui os advogados Cezar Britto, Marcus Vinicius Coelho, Ophir Cavalcante, Marcelo Lavenére, Roberto Busato, Reginaldo Oscar de Castro e Roberto Batochio. Segundo um deles, o presidente da República pode ter cometido crime de responsabilidade.

Bolsonaro foi criticado também pelo ministro Marco Aurélio Mello, do (STF), que se mostrou indignado com os ataques à memória de Fernando Augusto de Santa Cruz. ;No mais, apenas criando um aparelho de mordaça;, disse o ministro ao blog do jornalista Tales Faria, ao responder sobre como o ímpeto verbal do presidente poderia ser contido. ;Tempos estranhos. Aonde vamos parar?;, questionou o ministro do STF.

Ministério Público

Em outra repercussão do caso, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), divulgou, nesta terça-feira (30/7), uma nota afirmando que ;qualquer autoridade pública, civil ou militar, e especialmente o Presidente da República, é obrigada a revelar quaisquer informações que possua sobre as circunstâncias de um desaparecimento forçado ou o paradeiro da vítima;. No comunicado, a PFDC destaca que ;Toda pessoa que tenha conhecimento do destino ou paradeiro da vítima e intencionalmente não o revele à Justiça pode ser, inclusive, considerada partícipe do delito;.

As afirmações de Bolsonaro também foram objeto de uma representação protocolada na segunda-feira pelo líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), na Procuradoria-Geral da República (PGR). Segundo o documento, o presidente violou o princípio da dignidade humana.

"A fala do presidente viola a Constituição Federal, em especial o princípio da dignidade humana, os Tratados Internacionais assumidos pelo Brasil e a legislação brasileira, configurando um grave atentado ao estado democrático de direito", diz a representação. Ainda segundo o documento, a declaração de Bolsonaro, "da maneira mais vil, atingiu os familiares de vítimas da ditadura militar".

Conclusões da Comissão

De acordo com a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira desapareceu em 1974, foi "preso e morto por agentes do Estado brasileiro" e "permanece desaparecido, sem que os seus restos mortais tenham sido entregues à sua família". A Comissão disponibiliza, na internet, um documento do antigo Ministério da Aeronáutica segundo o qual Fernando foi preso em 22 de fevereiro de 1974, um dia antes da data em que, segundo o atestado de óbito, ele morreu.

Durante as investigações do grupo, o ex-delegado Cláudio Guerra, do antigo DOPS (Departamento de Operações Políticas e Sociais), confessou ter incinerado o corpo de Fernando Santa Cruz e de outros nove presos políticos no forno de um engenho de cana-de-açúcar em Campos, cidade do norte do estado do Rio de Janeiro.

No último dia 24, a Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos emitiu uma certidão de óbito afirmando que Santa Cruz ;faleceu provavelmente; em fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, ;em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985;. Ao ser questionado sobre todas essas conclusões, Bolsonaro chamou o trabalho da Comissão da Verdade de "balela".

Críticas à OAB

Essa nova turbulência política teve início na segunda-feira, quando Bolsonaro, durante entrevista, criticou a atuação da OAB durante as investigações do atentado a faca que sofreu em Juiz de Fora, em Minas Gerais, durante a campanha presidencial. A Ordem havia se posicionado contra operações de busca e apreensão e outras violações das prerrogativas do advogado que defendia o autor do crime, Adélio Bispo.

Ao falar sobre o assunto, Bolsonaro disse que ;se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar eu conto para ele;. Horas depois, durante uma live na internet, enquanto cortava o cabelo, o presidente acrescentou que o pai de Felipe Santa Cruz foi morto pelo "grupo terrorista" Ação Popular do Rio de Janeiro, e não pelos militares.

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