Em entrevista ao Correio, Mourad Belaciano, diretor do Grupo de Estudos do Oriente Médio da Acib, diz que as referências nazistas em um pronunciamento feito por um integrante do governo federal é "inadmissível" e causa de grande indignação. Ele também diz que a comunidade judaica "vai fazer de tudo para que essa ideologia não prospere no país".
Ainda segundo Belaciano, o país ainda tem muitos defensores da democracia. A demissão de Alvim e a rápida reação de autoridades e da imprensa ao episódio, argumenta, são sinais de que "a nossa democracia, que passa por problemas, é capaz de resistir a aventureiros que deponham contra a própria democracia".
Como o discurso do agora ex-secretário de Cultura repercutiu entre a comunidade judaica?
As pessoas estão indignadas e consideram inadmissível que um agente público de tão alto nível, ocupando cargo federal, se manifeste plagiando um ministro de Hitler. Joseph Goebbels atuou durante todo o período nazista. Ele era um dos homens de confiança de Hitler, da linha de frente da ideologia. Se o Estado alemão se nazificou, foi por força de três grandes esteios: a força política do Estado, com normas e leis; a policial, com a Gestapo e a SS; e a propaganda e as ideias. E ele (Goebbels) é um dos esteios desse projeto.
Foi um dos maiores desastres que a humanidade já conheceu. É indignante ver homens públicos, em pleno século 21, repetindo e vangloriando a era nazista, que aconteceu há mais de 80 anos. É preciso expor, chamar a atenção da população. Essa história não pode ser repetir. E não pode se repetir com brasileiros. A ideologia que ele defendia, e ele usou a arte para defendê-la, claramente segrega e classifica os indivíduos conforme características sociais, culturais. É uma ideologia nefasta. A comunidade judaica vai fazer de tudo para que essa ideologia não prospere no país.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou, na quinta-feira, que Rodrigo Alvim era o melhor secretário de Cultura da história do Brasil. Na sexta-feira, o exonerou. Como o senhor enxerga a postura do presidente?
Após a repercussão dos fatos, o próprio presidente declarou o desligamento do secretário em função do posicionamento infeliz. O ato de sexta-feira é muito mais concreto. É um fato. É um desligamento. E ele repudia as formas de totalitarismo, se colocando como amigo da comunidade judaica.
O senhor considera que o episódio revela traços de um governo com viés autoritário?
Eu torço para que não seja isso. Se for, alguma nuvem pode estar se formando. Essas declarações negam a caminhada da história. Uma união de forças nos anos 1980 resultou em um novo Estado democrático de direito. E essa história não tem que ser apagada. Se existem forças que querem fazer retroagir a história, vão se deparar com a própria história. Ainda que a política esteja muito mal tratada pelos próprios políticos, existem forças democráticas que têm feito manifestações importantes. Em poucas horas, o secretário de Cultura estava demitido. Seja a imprensa de um modo geral, a pequena comunidade judaica ou (o presidente da Câmara) Rodrigo Maia, foram reações imediatas. Isso é uma garantia que a nossa democracia, que passa por problemas, é capaz de resistir a aventureiros que deponham contra a própria democracia.