A procura por ocupação no mercado de trabalho chinês ganhou uma nova faceta nos últimos anos. Em especial, diante das dificuldades econômicas enfrentadas por jovens adultos. Em meio ao desemprego juvenil elevado, acima de 14% em 2025, muitos passaram a buscar alternativas criativas para sair do isolamento e retomar uma rotina próxima da vida profissional, ainda que sem um vínculo formal de emprego.
Ao invés de permanecer em casa, um número crescente de jovens opta por pagar para trabalhar em escritórios fictícios. Nessas empresas especializadas, o ambiente simula um local de trabalho convencional. Afinal, há computadores, salas de reuniões, acesso à internet e áreas de convivência. Dessa forma, o fenômeno reflete não apenas uma resposta às adversidades do mercado, mas também uma estratégia de adaptação diante das transformações da economia chinesa. Observa-se que, em algumas dessas estruturas, há sessões de mentoria em grupo, palestras motivacionais e até counseling psicológico para apoiar os frequentadores durante o período de transição profissional.
Como funcionam os escritórios falsos na China?
O modelo dos chamados escritórios fake se disseminou em grandes cidades como Xangai, Shenzhen, Chengdu e Dongguan. O funcionamento é semelhante ao de um coworking, mas o foco principal não está na produtividade corporativa, mas sim na sensação de pertencimento e disciplina. Os clientes pagam diárias que variam entre 30 e 50 yuan — cerca de R$22 a R$38. Assim, podem acessar as dependências durante o dia todo, havendo opções inclusive com refeições e lanches incluídos.
Essa experiência tem sido buscada por diferentes perfis de usuários. Entre eles, estão estudantes recém-formados que buscam comprovar estágios, freelancers, nômades digitais e profissionais interessados em manter uma rotina produtiva enquanto procuram emprego. Muitos utilizam o espaço para se dedicar a cursos online, desenvolver projetos próprios ou simplesmente manter o hábito de acordar cedo e interagir em grupo, simulando situações típicas do convívio profissional. Em alguns escritórios, existem áreas designadas para trabalhos colaborativos em projetos fictícios, facilitando a formação de equipes e o desenvolvimento de soft skills, como liderança e comunicação.
Por que jovens chineses estão pagando para fingir que trabalham?
Além do benefício prático de utilizar um ambiente profissional, frequentar escritórios fictícios responde a necessidades emocionais e sociais. O isolamento provocado pelo desemprego pode causar ansiedade e afetar a autoestima de jovens adultos. A presença em um espaço coletivo contribui para a construção de uma rotina mais estável e para o alívio de pressões familiares, muitas vezes relacionadas à expectativa de realização financeira e prestígio social.
Neste contexto, também entra em cena a questão da dignidade. Para muitos usuários, frequentar um escritório fake permite manter uma imagem de engajamento profissional perante a sociedade e a família. Em alguns casos, estudantes utilizam fotos do ambiente para comprovar experiência de estágio exigida por universidades. Outros afirmam que a convivência proporciona uma sensação de colaboração, ainda que a atividade exercida não corresponda a um trabalho formal. Estudos acadêmicos chineses recentes apontam que a prática também apresenta efeitos positivos na saúde mental dos jovens, ao provocar uma redução da sensação de fracasso ou estagnação durante a espera por oportunidades reais de emprego.
Quais funções e impactos esses espaços têm?
Os escritórios simulados oferecem diferentes vantagens para pessoas em transição de carreira ou em busca de novas oportunidades. Entre as principais funções desses locais, destacam-se:
- Ambiente controlado: Proporciona disciplina e distanciamento do ambiente doméstico, favorecendo o foco e a rotina;
- Rede de contatos: Estimula a integração com outros frequentadores, o que pode levar à troca de experiências e até mesmo oportunidades de trabalho verdadeiro;
- Preparação profissional: Facilita o acesso a recursos tecnológicos e a um ambiente semelhante ao corporativo, útil para treinamentos e atualização de habilidades.
Além de desempenhar um papel direto na vida dos jovens desempregados, esses espaços têm sido vistos por especialistas como uma solução transitória durante um período de reestruturação do mercado de trabalho. Em tempos de incerteza econômica e mudanças rápidas nas demandas profissionais, como a busca por competências em inteligência artificial, os escritórios fake representam uma resposta temporária, mas significativa, à lacuna existente entre a formação acadêmica e as oportunidades disponíveis. Em uma pesquisa publicada pela Universidade de Pequim em 2024, 62% dos usuários desses escritórios relataram aumento do sentimento de propósito e menores níveis de procrastinação, indicando benefícios para a autogestão, especialmente em ambientes urbanos competitivos. Especialistas em recursos humanos afirmam ainda que a experiência em escritórios fake pode ser citada em entrevistas como exemplo de iniciativa e dedicação contínua ao desenvolvimento profissional.
Qual o futuro dos escritórios fake e dos profissionais flexíveis?
O futuro dos escritórios falsos na China segue incerto, acompanhando as oscilações da economia e do mercado de trabalho. Por ora, esses ambientes funcionam como um experimento social, promovendo a adaptação de jovens adultos a novos desafios profissionais. Muitos dos usuários buscam aperfeiçoamento, foco em habilidades emergentes e até a transição para empregos mais estáveis no longo prazo.
Oficialmente, os frequentadores desses ambientes são classificados como “profissionais de emprego flexível”, um grupo que inclui freelancers, motoristas de aplicativos e autônomos de diversas áreas. À medida que as exigências do mercado se transformam, a presença nesses espaços pode se tornar uma etapa de preparação para inserção em novas áreas de atuação, especialmente nos setores de tecnologia e inovação. Mesmo que a sustentabilidade econômica desses estabelecimentos ainda seja objeto de debate entre empresários e estudiosos, a tendência dos escritórios fake reflete uma busca constante por adaptação e reinvenção diante das mudanças contemporâneas. Com o avanço de plataformas de networking virtual e inteligência artificial para conexão de “job seekers”, é possível que os escritórios fake evoluam futuramente, direcionando os usuários para oportunidades remotas ou de treinamento corporativo real, criando um elo mais forte entre o universo simulado e o mercado de trabalho tradicional.
