A Câmara dos Deputados aprovou, por 291 votos a 148, um projeto de lei que prevê a redução de penas de pessoas condenadas pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 e pela tentativa de golpe de Estado, alcançando inclusive figuras como o ex-presidente Jair Bolsonaro, já sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal.
O texto, um substitutivo do relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) ao PL 2162/23, de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e outros, foi aprovado em plenário na madrugada desta quarta-feira (10) e seguirá agora para análise do Senado. A proposta altera principalmente a forma de cálculo das penas e as regras de progressão de regime, com efeitos imediatos em execuções penais assim que virar lei, e pode provocar uma reconfiguração relevante do cenário jurídico em torno desses crimes.
O ponto central da iniciativa é a revisão da forma como são calculadas as penas dos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado quando praticados no mesmo contexto. Em vez da soma de sanções para cada crime, passa a valer apenas a aplicação da punição mais grave, com possibilidade de redução no tempo de encarceramento em regime fechado
O que muda para os crimes ligados à tentativa de golpe de Estado?
A nova redação proposta determina que, quando a tentativa de golpe de Estado e o crime de tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito forem cometidos de forma conjunta, a Justiça deverá aplicar apenas a pena maior entre eles. Na prática, isso significa abandonar a lógica de somar as condenações pelos dois tipos penais, reduzindo o total de anos de reclusão. A pena-base mais alta, prevista hoje para a tentativa de golpe de Estado, passa a ser o parâmetro principal. Portanto, advogados e réus tendem a focar sua estratégia justamente na definição e na eventual revisão dessa pena mais elevada.
Como as decisões criminais podem ser revistas quando uma lei posterior é mais benéfica ao réu, condenados por esses delitos podem solicitar a readequação das sentenças. Entre os atingidos estão integrantes do chamado grupo principal, que inclui ex-autoridades civis e militares envolvidas na tentativa de ruptura institucional. Especialistas em direito penal apontam que a revisão pode reduzir de forma relevante o tempo de regime fechado, embora o cálculo final dependa da execução penal e de eventuais benefícios legais, como estudo e trabalho. Em suma, o sistema passa a admitir, de maneira mais clara, um encurtamento real da prisão em regime fechado, desde que o condenado comprove bom comportamento e participação em atividades ressocializadoras. Entretanto, cada caso continuará sujeito à interpretação individual do juiz da execução.
Debate jurídico e críticas de constitucionalidade
Setores do Ministério Público e de associações de magistrados avaliam se o projeto respeita os limites constitucionais de anistia indireta e de separação de Poderes. Parte da comunidade jurídica sustenta que o Congresso tem competência para definir políticas criminais e ajustar penas, enquanto outra parcela teme um precedente de flexibilização ampla para crimes contra o Estado Democrático de Direito. Também surgem debates sobre eventual violação ao princípio da proporcionalidade, já que as condutas de tentativa de golpe e de abolição do Estado Democrático de Direito carregam gravidade institucional elevada. Ainda assim, o entendimento predominante indica que, desde que a lei não elimine a punibilidade nem intervenha em casos concretos de modo individualizado, permanece válida a atuação do Legislativo para modular o rigor das penas.
Redução de penas dos atos antidemocráticos afeta quem?
A mudança atinge diretamente os condenados pelos eventos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, e pelos desdobramentos da tentativa de golpe de Estado. Entre eles, aparecem pessoas envolvidas na articulação, na execução e no apoio logístico aos atos. Integrantes do grupo principal, com penas hoje entre 16 e 24 anos de reclusão, podem pleitear a aplicação da regra da pena única mais grave, em vez da soma de condenações pelos dois crimes previstos na legislação democrática. Portanto, lideranças políticas e operadores logísticos dos atos observam com atenção o andamento da proposta.
A expectativa de parte da oposição é que a nova fórmula de cálculo reduza de maneira expressiva o período em regime fechado, especialmente para réus primários. Projeções realizadas por parlamentares sugerem, em alguns casos, que o tempo inicial em prisão fechada poderia cair para pouco mais de dois anos, dependendo ainda da interpretação do Judiciário sobre a utilização de atividades de estudo e trabalho, inclusive em eventual regime domiciliar, para abatimento de pena. Então, defensores públicos e advogados privados já se preparam para revisar execuções penais em massa, caso o projeto vire lei. Em suma, a combinação entre pena única, progressão facilitada e remição por estudo e trabalho tende a criar um cenário bem diferente daquele inicialmente projetado quando as sentenças começaram a ser proferidas pelo Supremo.
Posição do governo e reação da sociedade civil
Integrantes do governo federal adotam cautela pública ao comentar o projeto, porque a sanção presidencial ainda dependerá do texto final que o Senado aprovar. Movimentos em defesa da democracia e entidades de direitos humanos dividem opiniões: alguns grupos defendem a manutenção de penas mais rigorosas para desestimular novos ataques às instituições, enquanto outros valorizam o foco em ressocialização e na diferenciação entre lideranças e participantes de baixa relevância. Organizações de vítimas dos atos de 8 de janeiro também acompanham o debate, cobrando garantias de reparação de danos ao patrimônio público e responsabilização civil e administrativa, além da esfera criminal.
Como fica a progressão de regime e a execução da pena?
Outro eixo relevante do projeto é a alteração das regras de progressão de regime. A legislação atual prevê percentuais diferentes de cumprimento de pena em regime fechado, a depender do tipo de crime e da existência de violência ou grave ameaça. O texto aprovado na Câmara flexibiliza esse critério para a maioria dos delitos que não são considerados hediondos, inclusive os relacionados à tentativa de golpe de Estado, ao permitir progressão com 16% da pena cumprida para réus primários, mesmo quando houver violência ou grave ameaça. Portanto, o acesso ao regime semiaberto torna-se mais rápido para quem não possui antecedentes criminais.
Para reincidentes, o percentual exigido passa de 30% para 20% da pena em regime fechado, em vários casos. Permanecem com exigências mais altas apenas os crimes contra a vida e contra o patrimônio cometidos com violência ou grave ameaça, que seguem com regra de progressão própria. Já para crimes enquadrados em outros títulos do Código Penal, como alguns relacionados à administração pública ou à liberdade sexual, a alteração implica acesso mais rápido ao regime semiaberto, desde que não sejam classificados como hediondos. Em suma, o projeto busca harmonizar a execução da pena com uma visão mais voltada à ressocialização, sem afastar a responsabilização pelos delitos.
Execução penal na prática e desafios de fiscalização
Na prática, juízes das varas de execução penal terão de reavaliar cálculos de pena, atualizar fichas de apenados e verificar quem alcança os novos percentuais para mudança de regime. Órgãos gestores de sistemas prisionais tendem a enfrentar aumento de demandas administrativas, com pedidos de progressão e de remição apresentados em massa. Ao mesmo tempo, a fiscalização de critérios como bom comportamento, participação real em cursos e cumprimento de jornadas de trabalho ganha peso, sob pena de o modelo perder credibilidade. Tribunais de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça deverão unificar entendimentos para reduzir divergências regionais na aplicação das novas regras.
O projeto também amplia, de forma expressa em lei, a possibilidade de abatimento de pena com estudo e trabalho realizados em prisão domiciliar. Decisões judiciais, principalmente no Superior Tribunal de Justiça, já vinham reconhecendo essa prática, desde que comprovadas as atividades e assegurada alguma forma de fiscalização. A proposta transforma esse entendimento em norma geral, abrindo espaço para maior utilização de estudo à distância, cursos profissionalizantes e atividades laborais remotas no cálculo de remição de pena. Portanto, quem estiver em regime domiciliar poderá, em tese, organizar uma rotina diária de estudos e trabalho para acelerar a chegada ao regime aberto ou ao fim da pena. Entretanto, juízes continuarão avaliando a seriedade das atividades apresentadas, para evitar fraudes.
Quais são os impactos para a multidão dos atos de 8 de janeiro?
Um ponto específico da proposta trata da participação em atos antidemocráticos em contexto de multidão, como ocorreu nas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Para esses casos, o texto prevê uma redução de pena que pode variar de um terço a dois terços, desde que a pessoa condenada não tenha exercido papel de comando, atuação de liderança ou função de financiamento da mobilização. A regra mira participantes de base, considerados sem protagonismo na organização dos atos. Portanto, manifestantes que apenas seguiram o fluxo da multidão, sem exercer coordenação, podem ter impacto direto em suas penas, caso a norma seja aprovada.
A diferenciação entre organizadores e participantes comuns tende a impactar centenas de condenados que responderam pelos mesmos tipos penais, mas com graus distintos de envolvimento. A redução de um terço a dois terços, somada à aplicação da pena mais grave em vez da soma das condenações e às novas regras de progressão, pode encurtar de forma significativa o tempo de permanência em regime fechado para quem não teve posição de destaque. Ainda assim, a reanálise de cada caso dependerá do entendimento individual dos juízes da execução penal. Em suma, o Judiciário precisará avaliar, com mais detalhes, o grau de participação de cada réu, analisando provas sobre liderança, comando ou financiamento. Então, relatórios, vídeos e depoimentos passam a ter peso ainda maior nessa classificação.
Critérios probatórios para distinguir liderança e participação
Na definição de quem atuou como liderança, a Justiça costuma considerar elementos como participação em grupos de coordenação, presença em reuniões preparatórias, registros de mensagens em aplicativos, comando direto de ações e vínculo com estruturas de financiamento ou logística. Já para enquadrar alguém como participante comum, juízes tendem a observar se a pessoa apenas aderiu à movimentação, sem influenciar decisões estratégicas ou mobilizar recursos. A qualidade e a quantidade de provas produzidas em inquéritos e ações penais, como imagens de câmeras, geolocalização de celulares e quebras de sigilo de comunicações, terão papel decisivo na aplicação da redução de pena prevista para o contexto de multidão.
O que pode acontecer a partir da análise no Senado?
Com a aprovação na Câmara, o projeto segue para o Senado Federal, que poderá confirmar, alterar ou rejeitar as mudanças. Senadores podem apresentar emendas, suprimir trechos ou propor ajustes nas regras sobre progressão de regime, remição de pena em prisão domiciliar e critérios de redução para crimes cometidos em multidão. Caso o texto passe sem modificações, será enviado à sanção presidencial. Em caso de mudanças, retorna à Câmara para nova apreciação. Portanto, o processo legislativo ainda oferece espaço para negociações políticas, pressão de entidades da sociedade civil e manifestações de associações de magistrados e membros do Ministério Público.
Enquanto isso, condenados e suas defesas acompanham o andamento legislativo, já que qualquer alteração mais benéfica pode ser invocada para pedido de revisão de pena. A discussão também envolve atores do sistema de Justiça, que avaliariam os efeitos concretos da nova lei sobre a população carcerária e sobre processos em curso. A partir da definição do texto final, caberá ao Supremo Tribunal Federal e às varas de execução penal aplicar os novos parâmetros aos casos relacionados à tentativa de golpe de Estado e aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Em suma, o desfecho no Senado e, posteriormente, na sanção presidencial determinará se o país caminhará para uma política punitiva mais rígida ou relativamente mais branda para esse tipo de crime, sempre dentro dos limites constitucionais.
FAQ – Perguntas adicionais sobre o projeto e seus efeitos
1. Quando as novas regras começam a valer, se o projeto for aprovado?
As novas regras passam a valer a partir da publicação da lei no Diário Oficial da União, após a sanção presidencial. Então, a partir dessa data, condenados e seus advogados podem requerer imediatamente a revisão das penas, desde que a mudança se mostre mais benéfica ao réu.
2. Quem ainda responde a processos pode se beneficiar desde já?
Não. Entretanto, assim que a lei entrar em vigor, juízes e tribunais deverão aplicar as novas regras já nos processos em andamento. Portanto, réus que ainda não têm sentença definitiva podem ser julgados diretamente com base nos novos critérios de cálculo de pena e progressão de regime.
3. As mudanças valem só para crimes ligados ao golpe de Estado?
Não. Em suma, embora o debate público se concentre nos atos de 8 de janeiro e na tentativa de golpe, parte das alterações, especialmente sobre progressão de regime e remição em prisão domiciliar, alcança diversos outros crimes que não são hediondos. Portanto, a população carcerária em geral também pode sentir reflexos relevantes.
4. O projeto altera a definição de crime hediondo ou de terrorismo?
Não. O texto não mexe diretamente na lista de crimes hediondos nem no tipo penal de terrorismo. Então, os critérios mais rigorosos de progressão para esses delitos continuam em vigor, tal como já previsto na legislação especial.
5. Como a defesa comprova estudo e trabalho em prisão domiciliar?
A defesa precisa apresentar documentos, certificados, relatórios de atividades, contratos ou registros de frequência em cursos e trabalhos. Portanto, quanto mais detalhada e verificável for a documentação, maior a chance de o juiz reconhecer a remição. Entretanto, o magistrado pode exigir meios adicionais de fiscalização, como visitas, relatórios de órgãos de execução penal ou comprovação eletrônica de participação em atividades remotas.









