Coronavírus

Tratamento em casa: lei que visa proteger pacientes com câncer ganha força na pandemia

Lei da quimio oral, que visa proteger pacientes oncológicos em meio à pandemia, ganhou força nas últimas semanas no Congresso Nacional. Conquista para grupo de risco, contudo, pode custar caro no bolso do beneficiário de plano de saúde

Bruna Lima
postado em 04/10/2020 07:00 / atualizado em 04/10/2020 17:54
 (crédito: TelmoXimenes/Divulgação)
(crédito: TelmoXimenes/Divulgação)

Em meio à pandemia, pacientes com câncer estão no grupo de risco da doença e, pela necessidade rotineira de frequentar ambientes hospitalares, aumentam ainda mais as chances de contrair o novo coronavírus. Pensando nisso, um projeto de lei que visa facilitar o acesso à quimioterapia oral ganhou força nas últimas semanas no Congresso Nacional. O que parece indicar uma conquista necessária, no entanto, abre margem para derrubar aprovação da Agência Nacional de Saúde (ANS) que impede que impactos financeiros sejam repassados diretamente aos beneficiários dos planos de saúde. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), garante que combaterá qualquer vantagem lucrativa do setor em detrimento ao consumidor.

De autoria do Senado, o PL nº 6330/19 altera a Lei dos Planos de Saúde (9.656/98), para ampliar o acesso a tratamentos oncológicos domiciliares de uso oral pelos usuários de convênio médico. O texto já foi aprovado na Casa e a pressão é para que se vote a proposta o quanto antes na Câmara, sob o contexto da urgência da pandemia. Os esforços para facilitar a inclusão desta etapa do tratamento oncológico, contudo, é pauta defendida por entidades da sociedade civil desde 2008.

“O coronavírus representa um maior risco aos pacientes oncológicos em situações específicas. Uma parte destes pacientes usuários de planos de saúde poderia evitar a ida a hospitais e ambulatórios se os quimioterápicos ou drogas anticâncer orais, como os agentes alvo-dirigidos, fossem disponibilizados e entregues em suas residências”, afirmou, ao Correio, o oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer.

O debate foi iniciado pelo instituto com a idealização do projeto Sim Para Quimio Oral, que visa assegurar que os remédios oncológicos orais estejam disponíveis para os usuários de plano de saúde assim que o medicamento receber o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Quando é aprovado pela Anvisa, o remédio endovenoso imediatamente é disponibilizado para os pacientes que têm o convênio médico. Já para o remédio oral existe uma burocracia que exige uma segunda avaliação, pela ANS, que não tem sentido biológico ou técnico. Em vários casos, por não ter um substituto intravenoso, a quimio oral apresenta maiores chances de cura, de controle da doença e dos sintomas, e uma melhora da qualidade de vida”, defendeu Maluf.

O texto, da maneira com que está, abre margem para retirar da ANS a análise de inclusão dos medicamentos no rol de cobertura dos planos de saúde, processo que é, atualmente, um dos principais gargalos na atualização das tecnologias de oncológicos orais. O tempo médio de espera para uma avaliação tem sido de dois anos, o que, muitas vezes, inviabiliza a oferta do melhor tratamento, já que o paciente com câncer pode ter a situação agravada com a demora no tratamento.

Efeito colateral

“É evidente que dois, três anos para uma tecnologia ser incorporada é muito tempo, quando se deveria ter uma resposta rápida”, pontuou o oncologista Stephen Doral Stefani, presidente do Capítulo Brasil da Sociedade Internacional de Farmacoeconomia e Estudos de Desfechos. No entanto, o que o PL prevê, para o especialista, é arriscado, por tirar o regulador da situação. “Já que ninguém está conseguindo dar a celeridade que deveria dar, a proposta para que se acelere as análises é não ter mais nenhuma. Não me parece a solução mais acertada ”, ponderou.

O oncologista destaca que a proposta “desconsidera a necessidade de também atender o paciente do sistema público e, com isso, aumenta-se esse abismo”. Para Stephen, trata-se de um movimento para beneficiar os 25% da população que têm plano de saúde, o que, além de aumentar a disparidade, ainda pode inviabilizar os pagamentos daqueles que já fazem parte dessa parcela privilegiada, sobretudo em tempos de crise financeira.

Para a advogada do Instituto Vencer o Câncer Andrea Bento, o papel da ANS caduca no momento em que não consegue avaliar novos medicamentos com agilidade. “Acostumamo-nos a ver a chegada dos tratamentos inovadores como uma ameaça à sustentabilidade do sistema de saúde, público ou privado. Precisamos pensar em modelos de gestão”.

Outro ponto levantado por Andrea é a judicialização. “Muitos dos medicamentos aprovados não chegam aos pacientes. A judicialização da saúde cresceu 130% entre 2008 e 2017. No mesmo período, o número total de processos aumentou 50%”, exemplifica.

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  • Fernando Maluf, oncologista: medicamentos evitam ida a hospitais
    Fernando Maluf, oncologista: medicamentos evitam ida a hospitais Foto: TelmoXimenes/Divulgação - 17/3/17
  • Saúde
    Saúde Foto: TelmoXimenes/Divulgação

Entenda

O que são os medicamentos oncológicos orais?

São os fármacos administrados oralmente para o tratamento do câncer, podendo ser em forma de comprimido, cápsula ou líquido. Pela forma de administração, o paciente pode se medicar em casa, sem precisar ir a unidades de saúde.

Quem se beneficia?

Pacientes com câncer cujo melhor tratamento foi estabelecido com o uso do medicamento via oral, sempre com assistência e acompanhamento médico. Na maioria dos casos, a quimioterapia oral acaba sendo associada com outros tipos de tratamento.

No que consiste o PL 6.330/2019?

O projeto de lei busca garantir que, após o registro na Anvisa, os medicamentos antineoplásicos orais sejam automaticamente oferecidos pelos planos de saúde, assim como já é feito com os medicamentos de aplicação intravenosa.

Por que há polêmica?

O PL prevê que os planos de saúde sejam obrigados a cobrir custos de medicamentos, que são altos, o que acabará sendo repassado para os consumidores. A proposta retira, ainda, da ANS o papel regulador.

Comissão contra o reajuste

Por conta dos entraves do projeto de lei (PL) nº 6330/19, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), montou uma comissão de deputados para acompanhar e debater o assunto junto à ANS. Por meio das redes sociais, ele deixou claro que atuará contra qualquer intenção de ampliação de margens de lucro do setor de planos de saúde em detrimento do consumidor.

“O que elevou o preço ao consumidor foi o vergonhoso aumento de alguns planos de saúde no meio da pandemia. Em alguns planos, o reajuste chegou a 25%”, afirmou Maia, nesta semana, fazendo referência a um estudo feito pela Confederação Nacional da Saúde (CNSaúde) que aponta que a reforma tributária proposta pelo governo encarecerá os planos em pelo menos 5,2%.

Em meio aos ataques, a ANS suspendeu os reajustes de 25% anunciados pelos planos por quatro meses, de setembro a dezembro deste mês. A proposta dos oncológicos orais, no entanto, pode ser mais uma justificativa fundamentada para os aumentos dos planos aos consumidores e abre margem para eliminar o papel regulamentador da ANS para tomar decisões como esta.

Por isso, nas últimas semanas, a discussão do PL nº 6330/19 foi ampliada na Câmara de Saúde Suplementar (Camss). “A agência tem demonstrado a importância de se cumprir esse processo, da avaliação tecnológica de saúde, o que não podemos abrir mão. A competência e a responsabilidade têm que ser preservadas sob pena de que, no futuro, a gente vai sofrer e os beneficiários, também. O sistema de saúde perde, é uma involução caminhar com esse projeto da forma que está sendo construído”, declarou o diretor da ANS, Paulo Rebello, na ocasião.

A agência pretende elaborar uma proposta por meio de um texto substitutivo. “Se não for pela redução do prazo tão longo como tem sido reclamado, vamos encontrar um meio termo que possa preservar avaliação tecnológico de saúde. Isso que tem que ser construir dentro do possível”, disse Rebello.

Parecer

Uma das propostas debatidas na ocasião é baseada na reestruturação das análises tendo como base os procedimentos da Comissão Nacional de incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Contando com uma equipe especializada, a pasta tem método científico aprovado mundialmente e funciona com objetivo de garantir tratamentos isonômico para diferentes tecnologias, cujo prazo de resposta é aceitável e há previsão de participação social.

Os membros da Camss devem enviar à Agência Reguladora propostas de contribuições para o tema. Ao final desta rodada de debates, a ANS deverá formalizar parecer para ser enviado aos participantes da Camss e ao parlamento.

Em nota, a ANS afirmou procurar seguir “critérios científicos comprovados de segurança, eficiência e efetividade, assegurando que os procedimentos incorporados são aqueles nos quais os ganhos coletivos e os resultados clínicos são mais relevantes para os pacientes”. Disse, ainda, buscar garantir, “através da avaliação econômica e de impacto orçamentário, que os custos decorrentes dessas incorporações poderão ser suportados pelo sistema de saúde suplementar”.

No entendimento da ANS, “qualquer proposta que vise alterar a legislação deve levar em consideração essas preocupações e ser amplamente discutida com o conjunto do setor e com a sociedade de maneira geral”. Atualmente os beneficiários de planos de saúde contam com 43 medicamentos antineoplásicos de uso oral. Outras 41 sugestões estão em processo de análise.

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