Fraude ou bioterrorismo?

O que pode estar por trás do envio de sementes misteriosas da China

Autoridades suspeitam da prática de "brushing", uma fraude para aumentar a reputação de lojas e produtos online com avaliações falsas

Hellen Leite
postado em 08/10/2020 13:25 / atualizado em 08/10/2020 13:47
 (crédito: Gabriel Zapella/Cidasc/Divulgação)
(crédito: Gabriel Zapella/Cidasc/Divulgação)

A exemplo de vários países no mundo, o Distrito Federal e mais 24 estados brasileiros já registraram a chegada de encomendas com "sementes misteriosas" vindas da China e outros países asiáticos, desde que os pacotes não identificados começaram a chegar ao redor do globo, no final de julho. Ainda não há evidências exatas de quando os envios começaram, nem o volume distribuído, mas autoridades já levantam a suspeita de que pode se tratar de um tipo de golpe.

Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (do inglês, USDA), o envio das sementes pode estar ligado a um esquema de fraude virtual chamada de brushing (algo como "varrer" ou "espalhar", neste contexto, em inglês). Ele funciona por meio de contas falsas criadas em sites de vendas internacionais com dados furtados de usuários ao redor do mundo.

O especialista em segurança da internet e professor da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Fabrício Bortoluzzi explica que nesse tipo de fraude os golpistas usam dados de usuários para fazer compras em suas próprias lojas. Eles utilizam as contas fantasmas para escrever boas avaliações pós-venda e assim aumentar a classificação positiva dos seus produtos em sites de e-commerce.

"É importante dizer que sites de comercio eletrônico do tipo marketplace (Como Mercado Livre, E-bay e Alibaba, por exemplo) não são uma única empresa responsável pela venda ao consumidor. Então, quando a gente vai em um site desses fazer uma compra, os primeiros resultados a aparecer não são necessariamente os que mostram os itens mais baratos, mas aqueles que a plataforma mais confia. E essa confiança é montada ao longo do tempo, com base em um sucesso histórico de vendas", detalha o professor.

O professor explica que a prática de criar perfis fantasmas para avaliar compras em sites não é nova. No entanto, os fraudadores só passaram a enviar os produtos depois que as plataformas de marketplace começaram a conferir se as mercadorias eram realmente entregues ao consumidor.

"Para evitar o mau uso do serviço, as plataformas passaram a conferir os códigos de rastreamento postal antes de decidir se uma compra é verdadeira ou não, então os fraudadores incluíram o despacho real desses produtos. Assim, os Correios marcam a mercadoria como entregue e só assim a compra pode ser qualificada e estrelada", explica.

Sementes misteriosas da China
Sementes misteriosas da China (foto: Mapa/Divulgação)

Por que enviar sementes?

A semente, no caso, apenas cumpre a finalidade de não deixar o pacote vazio. Elas são leves, o que diminui o valor do frete. Isso explicaria por que as autoridades até agora não encontraram sinais de tentativas de bioterrorismo. Mesmo assim, as sementes ainda são consideradas perigosas pelas autoridades brasileiras, que recomendam que elas não devem ser manuseadas, plantadas ou descartadas em lixo comum.

Na última terça-feira (6/10), as Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) divulgou o primeiro resultado das análises laboratoriais dos pacotes misteriosos. As análises, realizadas no Laboratório Federal de Defesa Agropecuária em Goiás, identificaram a presença de três fungos diferentes em 25 amostras, de possibilidade de pragas que não existem no Brasil em quatro amostras e bactéria em duas amostras. Os resultados mais detalhados devem ser divulgados em 30 dias.

Após a divulgação de todos os estudos, o governo deve entrar em contato com as autoridades fitossanitárias dos países que supostamente foram os remetentes das sementes. Caso necessário, policiais e outros órgãos deverão ser acionados para solucionar o caso.

Sementes misteriosas no Brasil

Até o momento, foram confirmadas 258 pacotes de sementes misteriosas em 24 estados e no Distrito Federal. Maranhão e Amazonas foram os únicos estados que ainda não registraram nenhum recebimento. O primeiro pacote de que se tem notícia chegou a um morador da cidade de Jaraguá do Sul, norte do estado de Santa Catarina. A pessoa realizou a compra de um objeto de decoração por meio da internet e, ao receber a encomenda, recebeu também outro pacote contendo duas embalagens com as sementes.

No Distrito Federal, ao menos seis moradores receberam as sementes, segundo o Mapa, dois deles foram entregues à Secretaria de Agricultura do DF. Em todo o país, do ano passado para este ano, houve um aumento de cerca de 150% (passando de 2 mil por mês para 5 mil por mês) no número de apreensões desse tipo de material na central de distribuições dos Correios em Curitiba, onde é centralizada a inspeção de pacotes de menor peso (até 2 kg).

No primeiro semestre deste ano, a fiscalização interceptou 33.734 caixas ou envelopes contendo partes de vegetais (folha, flores e caules), material de propagação vegetal (mudas, bulbos), produtos vegetais que apresentam risco, sementes e outros na central em Curitiba. Do total, 26.111 foram destruídos, 2.383 foram devolvidos ao local de origem e 5.240 liberados após checagem da documentação.

Quais espécies foram identificadas?

No balanço preliminar do Ministério da Agricultura, foram identificadas sementes de suculentas, rosas, orquídeas, limão, cerejeiras e duas espécies ainda não identificadas. Todos os pacotes recolhidos pelas autoridades brasileiras estão sendo catalogadas e a intenção é saber se as sementes oferecem risco à saúde e agricultura. O trabalho laboratorial não tem data para acabar, mas os resultados mais detalhados do estudo devem ser divulgados em novembro.

De acordo com a USDA, dos Estados Unidos, as sementes recebidas no país também incluíam repolho, rosas, mostarda e menta. Em tese, as espécies não ofereceriam perigo, mas há o temor de que elas carreguem pragas que possam se alastrar em novo território.

Recebi um pacote misterioso da China, o que devo fazer?

As pessoas que receberem os pacotes devem mantê-los fechados e entrar em contato com o Mapa ou entidade estadual de agricultura. No Distrito Federal, também é possível contatar a Secretaria de Agricultura por meio do telefone (61) 3051-6300 ou e-mail ouvidoria@seagri.df.gov.br. O órgão fica localizado no Parque Estação Biológica, na Asa Norte.

Alguém já plantou as sementes?

A curiosidade do fazendeiro Doyle Crenshaw, da cidade de Booneville, no Arkansas (EUA), falou mais alto que o apelo das autoridades. Ao receber o pacote com as sementes, ele as plantou em uma horta em sua propriedade. Após fertilizá-las por algumas semanas, as sementes se transformaram em uma planta que "cresce loucamente".

Preocupadas, as autoridades sanitárias do Akansas ficaram em alerta decidiram remover as plantas da propriedade por medidas de segurança.

Por que é perigoso plantar ou jogar as sementes no lixo comum?

Plantar sementes exóticas implica em riscos biológicos, econômicos e até sociais para o país. O Ministério da Agricultura ressalta que inserir as espécies no bioma pode afetar a produtividade agrícola, dificultar o controle de plantas daninhas, atrair insetos e pragas, e contaminar o solo com fungos e bactérias. No lixo comum ou em corpos d'água, é possível que as sementes, com o tempo, encontrem condições ideais de desenvolvimento e cresçam sem qualquer notificação ou controle das autoridades.


 

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