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Transportes: Para andar nos trilhos do século 21, Brasil precisa apostar em malha ferroviária

Dependente do caminhão, o Brasil precisa expandir a malha ferroviária se quiser andar nos trilhos do século 21. Além dos ganhos para a economia, com a geração de emprego, modais de transporte mais eficientes baixam a emissão de poluentes e diminuem congestionamentos

Olhar para os modais de transporte e logística mais eficientes e menos poluentes é olhar para o futuro. E enquanto o Brasil não for capaz de expandir a malha ferroviária e integrá-la com os modais hidroviário e ferroviário, ainda estará com um dos pés na década de 1950. O país tem uma dependência enorme de caminhões para o deslocamento de cargas, meio responsável por mais de 60% da matriz de transportes, enquanto as ferrovias correspondem a 20%.

Um dos principais motivos para essa limitação diz respeito à densidade da malha ferroviária brasileira, que gira em torno de 30 mil km — o equivalente a meros 3,61km a cada mil km² do país. Por outro lado, um trem para traslado de grãos com 84 vagões é capaz de transportar 7.875 toneladas. Comparado com uma carreta de três eixos com capacidade útil de 25 toneladas, o trem tira de circulação das rodovias o equivalente a 315 carretas.

No quesito emissão de CO2 por toneladas por quilômetro útil (TKU), o modal ferroviário também sai na frente. Emite, em média, 48,1g de CO2 por TKU, enquanto o rodoviário é responsável por 164 g, três vezes mais. Com a expansão da malha ferroviária do país, além dos ganhos para o meio ambiente e para a economia, com a geração de mais emprego e renda, a modernização das ferrovias reduz conflitos urbanos — como a baixa emissão de poluentes e a diminuição de congestionamentos.

“Quaisquer projetos de transporte, principalmente os ferroviários, são altamente estruturadores em termos sociais e econômicos. Foi isso o que aconteceu no desbravamento do Brasil, com a abertura de rodovias e estradas para que fosse possível chegar no interior e, com isso, permitir o seu crescimento. Uma ferrovia leva progresso, investimento e desenvolvimento. Na hora em que se constrói uma ferrovia, criamos possibilidades além das que já existem naquelas regiões”, observa Marcus Quintella, diretor do Centro de Estudos em Transportes, Logística e Mobilidade Urbana da Fundação Getulio Vargas.

Segundo o secretário nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura, Marcello Costa, o principal desafio para o governo é o equilíbrio da matriz de transportes. “A gente entende que investir em ferrovias e cabotagem é uma estratégia interessante para um país de dimensões continentais, grandes distâncias de transporte de cargas e com vocação de importação de commodities que, transportada em grandes distâncias, é muito melhor com alternativas ao modal rodoviário”, destaca.

Marcelo Costa aponta que o ministério tem buscado soluções para melhorar o transporte ferroviário, mesmo com um orçamento de R$ 6 bilhões, o menor em 20 anos. “Temos que inventar alternativas à falta de recursos, que será um cenário permanente. Trabalhamos em três grandes frentes. Uma é renovar os contratos existentes de concessões de ferrovia com as concessionárias fazendo investimentos nas linhas, outra é ampliar as concessões, e a terceira, que talvez dê o maior resultado no aumento da malha, é o PLS 261/2018, que dá autorização para a iniciativa privada construir e operar malhas”, pontua.

Novas tecnologias
O governo estuda uma medida provisória que possa antecipar os efeitos do projeto de lei. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, ressalta que, com as novas tecnologias, os trens têm capacidade de se tornarem ainda mais limpos. “Já temos uma emissão de gases particulados muito menor do que o rodoviário, perdendo apenas para o hidroviário. As locomotivas atuais também misturam biodiesel e diesel, o que reduz a emissão de gás. Essa mistura está em 11% de adição no rodoviário, mas no ferroviário está 20% com testes para 25%”, conta.

Ele explica que a eletricidade também pode sobrepujar os combustíveis fósseis no setor. “No Brasil, o uso de energias renováveis é forte. E no transporte de passageiro, a alternativa já se sobrepõe ao transporte por ônibus. E temos uma fronteira tecnológica que vai chegar no país, que é a tração a hidrogênio, que já está na Europa e Ásia”, afirma. De acordo com Abate, já existem, nos Estados Unidos, locomotivas de manobra a bateria, além de testes para usar os equipamentos como motor para locomotivas de linha.

Investimento foi comprometido

A partir das obras da primeira ferrovia do Brasil, empreendimento de Irineu Evangelista de Souza, mais conhecido como Barão de Mauá, em meados de 1870, no Rio de Janeiro, o país caminharia para ser uma potência ferroviária na América pelo menos até a crise de 1929. Segundo conta o professor de logística da Faculdades de Tecnologia do Estado (Fatecs) Guarulhos, Mogi das Cruzes e Zona Leste, Marcos José Correa Bueno, a Grande Depressão atingiu em cheio a economia cafeeira, derrubando preços e comprometendo o investimento nas linhas.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Potência ferroviária décadas atrás, país deixou estações à própria sorte

Outro golpe que viria a atingir o setor, lembra o especialista, foi a interiorização do Brasil. As malhas que atendiam os produtores de café do Sudeste não contemplariam a produção de soja, milho, arroz e minério em Mato Grosso, Goiás, Pará e outros estados. E o uso das linhas do país só voltaria a crescer em 1997, com a privatização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), ainda que sem expansão da malha.

“O transporte de carga cresceu 95% de 1997 para cá, muito acima do PIB. E o número de acidentes depois da privatização caiu 85%. Tivemos um hiato da quebra da Bolsa até a abertura do mercado, e uma melhora mais recente que deu-se com as privatizações”, detalha Bueno. O especialista lembra, ainda, que a derrocada das ferrovias também ocorreu pela opção de políticos pelas rodovias na década de 1950.

Setor automotivo

O Brasil sofreu forte industrialização durante a II Guerra Mundial e investiria esse potencial no setor automotivo. “Antes da II Guerra, a indústria era limitada à produção têxtil, madeireira e de alimentos. Então, era interessante receber (produção) automobilística, de valor agregado e com um salário muito mais alto do que nas indústrias que tínhamos.

Foi uma congeminação de interesses. Juscelino Kubitschek construiu estradas. E, depois, a indústria vende pneu, acessórios, vidros. E a indústria ferroviária? Você não troca pneu de locomotiva, não coloca som, não coloca vidro, não faz funilaria. A cadeia automobilística traria cadeias agregadas e interessantes, com venda de pneu, som e acessórios”, elenca. (LC, RS e AF)

 

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Investimento foi comprometido

A partir das obras da primeira ferrovia do Brasil, empreendimento de Irineu Evangelista de Souza, mais conhecido como Barão de Mauá, em meados de 1870, no Rio de Janeiro, o país caminharia para ser uma potência ferroviária na América pelo menos até a crise de 1929. Segundo conta o professor de logística da Faculdades de Tecnologia do Estado (Fatecs) Guarulhos, Mogi das Cruzes e Zona Leste, Marcos José Correa Bueno, a Grande Depressão atingiu em cheio a economia cafeeira, derrubando preços e comprometendo o investimento nas linhas.

Outro golpe que viria a atingir o setor, lembra o especialista, foi a interiorização do Brasil. As malhas que atendiam os produtores de café do Sudeste não contemplariam a produção de soja, milho, arroz e minério em Mato Grosso, Goiás, Pará e outros estados. E o uso das linhas do país só voltaria a crescer em 1997, com a privatização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), ainda que sem expansão da malha.

“O transporte de carga cresceu 95% de 1997 para cá, muito acima do PIB. E o número de acidentes depois da privatização caiu 85%. Tivemos um hiato da quebra da Bolsa até a abertura do mercado, e uma melhora mais recente que deu-se com as privatizações”, detalha Bueno. O especialista lembra, ainda, que a derrocada das ferrovias também ocorreu pela opção de políticos pelas rodovias na década de 1950.

Setor automotivo
O Brasil sofreu forte industrialização durante a II Guerra Mundial e investiria esse potencial no setor automotivo. “Antes da II Guerra, a indústria era limitada à produção têxtil, madeireira e de alimentos. Então, era interessante receber (produção) automobilística, de valor agregado e com um salário muito mais alto do que nas indústrias que tínhamos. Foi uma congeminação de interesses. Juscelino Kubitschek construiu estradas. E, depois, a indústria vende pneu, acessórios, vidros. E a indústria ferroviária? Você não troca pneu de locomotiva, não coloca som, não coloca vidro, não faz funilaria. A cadeia automobilística traria cadeias agregadas e interessantes, com venda de pneu, som e acessórios”, elenca. (LC, RS e AF)