Entrevista

Átila Iamarino: Pandemia não acabou e situação ainda preocupa

Pesquisador diz que menor agressividade da variante ômicron, apesar da alta taxa de transmissão, pode indicar que a covid estaria se transformando numa espécie de gripe, mas adverte que hospitalização ainda é alta e que novas cepas podem surgir

Gabriela Bernardes*
Tainá Andrade
postado em 30/01/2022 06:00
Átila ressaltou que é fundamental a redução nos números de hospitalizações, de internações e de mortes, mas para isso ainda precisa ser reduzida a desigualdade na cobertura vacinal brasileira -  (crédito: Reprodução)
Átila ressaltou que é fundamental a redução nos números de hospitalizações, de internações e de mortes, mas para isso ainda precisa ser reduzida a desigualdade na cobertura vacinal brasileira - (crédito: Reprodução)

O pesquisador Átila Iamarino desenvolve notório trabalho de divulgação científica e utiliza canal no YouTube para popularizar os temas aos quais se dedica, entre eles a pandemia. Doutor em microbiologia, ele falou ao Correio sobre a sua visão do andamento do enfrentamento ao coronavírus no Brasil. Segundo ele, a variante ômicron pode não ser a última que teremos. "Não temos controle sobre o vírus e como serão as próximas variantes", disse. Para ele, se o governo não tivesse politizado um problema de saúde pública, atrasando a chegada das vacinas, muitas vidas poderiam ter sido salvas. "Segundo um trabalho feito por epidemiologistas, o atraso da vacinação pela relutância do governo federal em comprar e distribuir as vacinas, deixou de salvar por volta de 40 a 50 mil pessoas", disse. Ele ressaltou que é fundamental a redução nos números de hospitalizações, de internações e de mortes, mas para isso ainda precisa ser reduzida a desigualdade na cobertura vacinal brasileira.

O que é preciso para se dizer que a pandemia do novo coronavírus acabou?

Reduzir o número de hospitalizações, de internações e de mortes a um ponto em que a vida possa voltar a funcionar. Por enquanto, a debilitação que a covid-19 causa, mesmo que a ômicron seja "mais leve entre vacinados", ainda é muito alta. Então, a gente não tem uma previsão de quando vai deixar de ter casos. Tudo depende dos próximos vírus. A gente não sabe como vai ser daqui para a frente.

Chegamos à marca de 78,7% da população vacinada com ao menos uma dose e 69,5% com duas doses no Brasil. Como avalia a situação em que o país está? Ainda é preocupante?

Sim, é muito preocupante. Por trás desse número fantástico há muita desigualdade. Ao contrário de países menores, que podem ter 78% de vacinação pelo território todo, no Brasil nós temos uma alta cobertura nos estados do Sul, do Sudeste e em alguns do Centro-Oeste, e uma cobertura menor em vários estados do Nordeste e, principalmente, da região Norte. Essas regiões com sistema de saúde mais precário também têm menos leitos de UTI e menos condições de atender as pessoas. Antes da ômicron chegar, nós já víamos isso com a variante delta. É muito preocupante, principalmente porque não vemos uma ação focada do governo federal — Exército e Ministério da Saúde — para elevar o número de vacinados e garantir uma boa vacinação no interior do país. No país, ainda há grandes buracos de cobertura vacinal, que geram bastante preocupação.

Podemos dizer que a vacinação pediátrica é a etapa final do processo pandêmico no Brasil?

A vacinação pediátrica é uma etapa fundamental para o fim do processo pandêmico no Brasil, mas isso ainda depende de outras faixas etárias se vacinarem. Outro "porém" é: por quanto tempo a imunidade das pessoas vai durar? A gente tem que acompanhar se será preciso vacinar as pessoas com mais doses. A gente ainda não viu por quanto tempo a imunidade das pessoas pós-terceira dose vai durar e se elas vão precisar de outra dose de reforço. A gente não está vendo uma campanha forte no Brasil nem para a dose de reforço nem para a terceira dose. A adesão a elas nem de longe é a mesma que foi vista para a primeira e a segunda doses. Em Israel, já estão começando a vacinar as pessoas com a quarta dose, mas lá é pra tentar segurar o vírus na base dos anticorpos. Não necessariamente essa é uma estratégia que todo país pode ou deve seguir.

Saímos da etapa do medo e entramos em uma fase de sensação de mais protegidos em função da vacina. O que é importante observar daqui por diante?

Mesmo se a covid ficar como algo mais próximo de uma gripe, que escapa um pouco das vacinas, mas nem tanto, a gente também terá que acompanhar como vai ser a relação de hospitalização e morte entre as pessoas já vacinadas. Porque a gripe já tem um grande peso nos sistemas de saúde, já lota hospitais, leitos, UTIs todos os anos, quando temos a onda de inverno. Se a covid se somar a essa onda e gerar complicações piores do que as da gripe — o que é muito possível, mesmo depois de as pessoas serem vacinadas, porque é uma doença muito séria — a gente pode ainda precisar de atenção, pelo menos nesses períodos de volta do vírus. Então, o processo de segurar o vírus na base da vacina e não ter tanta complicação parece estar caminhando, dependendo do que vai aparecer daqui para a frente.

Em sua opinião, o processo de politização na vacinação e na pandemia do coronavírus no Brasil é um agravante para a incerteza?

Certamente, o que foi demonstrado por trabalhos como o da pesquisadora Deisy Ventura, que levantou os projetos de lei, os pronunciamentos e as atitudes do governo brasileiro a respeito da pandemia. Ela demonstra como vários projetos de lei, normas e regras favoreceram o contágio pelo vírus e agravaram a situação. Segundo um trabalho feito por epidemiologistas, o atraso da vacinação pela relutância do governo federal em comprar e distribuir os imunizantes deixou de salvar de 40 a 50 mil vidas, a depender de quando a gente considera que a vacinação poderia ter começado.

Se, desde janeiro ou do começo de fevereiro (de 2021), a gente tivesse mais doses de vacina para distribuir, teríamos salvo bem mais vidas na onda da variante gama, no ano passado. A gente está tendo esse atraso sem precedentes, e sem motivo técnico científico, da vacinação infantil agora, porque ainda tem agentes do governo e figuras de autoridade defendendo o tratamento precoce e a promoção de contágio.

Quais os riscos dos posicionamentos do Ministério da Saúde diante da vacinação, tanto de adultos, quanto de crianças?

O ministério fez uma audiência, recentemente, sobre vacinação infantil, em que deram palco para negacionista dizer que "a ômicron é um presente de Deus", que tem que deixar o vírus circular. Isso, certamente, contribui muito para agravar a pandemia no país. Vai continuar sendo um problema a gente ter atraso na vacinação infantil. Além disso, a postura do Ministro da Saúde de atacar as vacinas, gerar medo, vai prejudicar também a vacinação contra outras doenças, como sarampo, poliomielite, coqueluche e outras enfermidades infantis que estavam sob controle no Brasil. O índice de cobertura vacinal tem caído há cinco ou sete anos, pelo menos, e deve cair ainda mais com a campanha que o ministro faz.

Qual o efeito dessa postura a longo prazo?

Vamos continuar pagando esse preço por muito tempo no Brasil. Não só pelas vidas perdidas, mas pelos brasileiros que sofreram ou sofrerão sequelas. Há uma proporção de até 30% que tiveram covid, mesmo leve, com fadiga por tempo indefinido. Temos 10 a 20% que desenvolveram problemas neurológicos — pensamento lento, dificuldade de concentração, problema de memória. Além dos profissionais de saúde, que não sabemos como vão sair dessa pandemia. Certamente tem muita gente traumatizada, abandonando o emprego e despreparada para o que pode vir pela frente. Então, o preço é alto — e não precisava ser assim, dado o sistema de saúde e a educação sanitária que temos Brasil e o sucesso anterior de programas de vacinação. Muitos países não tinham muito como evitar o que ocorreu, mas o Brasil não é um desses. A gente podia ter feito muito mais, podia estar enfrentando bem menos problemas nessa pandemia, dada a história de saúde pública fantástica que temos no país.

Muitos cientistas pelo mundo tem comentado que chegamos ao fim da pandemia e logo entraremos em endemia. Em qual base se apoia essa teoria?

Eu não me incluo entre esses cientistas. Acho que ainda não temos uma base para afirmar isso de fato. A possibilidade de a gente entrar em endemia depende de algo de que não temos controle: como serão as próximas variantes. Se as próximas conseguirem infectar as pessoas e circular, mas não escapar o suficiente da imunidade para causar casos graves de novo; se elas não anularem as vacinas e a proteção para hospitalização, principalmente, a gente pode entrar, sim, em processo de endemia. Mas isso depende da evolução do vírus e da transmissão dele daqui para a frente.

* Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo

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