Pandemia

Enquanto médicos cobram Angotti sobre "kit covid", país passa das 630 mil mortes

Dados levantados pelo Conass não incluem os registros de Rio, São Paulo e Ceará, o que indica que número de óbitos pode ser maior. Uma variante da ômicron, mais agressiva, preocupa pesquisadores e ameaça atrasar o recuo das infecções

Fábio Grecchi
Maria Eduarda Cardim
Gabriela Bernardes*
postado em 05/02/2022 06:00
 (crédito: Getty Images)
(crédito: Getty Images)

Com mais 493 mortes por covid-19 registradas ontem, o Brasil alcançou a marca de 630.494 vidas perdidas para a doença. O número de óbitos, porém, pode ser ainda maior, pois o balanço do Ministério da Saúde não contabilizou casos e mortes no Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará, que têm grande peso nos dados nacionais da covid-19. O país registrou mais 184.311 infecções pelo vírus e contabiliza 26,2 milhões de casos positivos conhecidos. Os dados são do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Isso ajuda a explicar por que os hospitais privados chegaram a quase 95% de ocupação das alas destinadas a pacientes do coronavírus durante a última semana de janeiro. A taxa para leitos de UTI foi de 85% no mesmo período, segundo levantamento da Associação Nacional de Hospitais Privados, divulgado ontem.

vacina brasil fim
vacina brasil fim (foto: thiago fagundes)

Ao todo, o levantamento reuniu dados de 45 hospitais particulares. Juntos, tinham 9,8 mil leitos destinados ao tratamento do coronavírus entre 22 e 28 de janeiro. Um mês antes, quando 47 instituições privadas responderam à pesquisa — com um total de 5,1 mil vagas para infectados pelo coronavírus —, a taxa de ocupação era de menos da metade para ambas as modalidades: 47,31% em alas covid e 40,84% em vagas de UTI destinadas à pandemia.

Linhagem BA.2

O domínio da variante ômicron no cenário da covid-19 no Brasil pode ser a porta para um cenário que assusta os pesquisadores: a lentidão no declínio das infecções. Isso porque já circula no país a linhagem BA.2, que de acordo com um estudo dinamarquês se mostrou mais transmissível do que as demais.

Os especialistas trabalham com um cenário pessimista para a BA.2. Creem que a disseminação pode causar uma disparada de infecções em locais que ainda não atingiram o ápice da onda da linhagem BA.1. Isso representa uma redução mais lenta na queda de casos nos países que já atingiram o ápice da infecção. No caso do Brasil, devido às desigualdades e o desestímulo das autoridades à vacinação e às medidas de proteção, esse quadro tende a se complicar.

Segundo relatório divulgado, ontem, pela Rede Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) — que estuda as linhagens e variantes do vírus causador da covid-19 no Brasil, a partir dos resultados da vigilância genômica —, haviam sido identificadas as cepas BA.1 (2.382 genomas), BA.1.1 (226 genomas) e BA.2 (1 genoma) — esta última vem despertando preocupação entre os cientistas. No momento, a ômicron é classificada em quatro linhagens: BA.1, BA.1.1, BA.2 e BA.3.

Dominação

Os primeiros genomas da ômicron no Brasil são de amostras do fim de novembro. Mas, ao término de dezembro, a variante era a mais frequente nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul. De acordo com a Rede, enquanto no último mês de 2021 a cepa representou 39,4% de todos os genomas sequenciados, em janeiro passado esse índice saltou para 95,9% e em todo o país.

Na semana de 14 a 27 de janeiro, quando foram coletados os dados pela Rede, 3.739 genomas foram desenvolvidos no Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e nas unidades da fundação no Amazonas, no Ceará, em Pernambuco, no Paraná, na Bahia e em Minas Gerais.

Hoje estão identificadas mais de mil linhagens do vírus SARS-CoV-2, mas cinco estão classificadas como variantes de preocupação — com maior capacidade de transmissão e infecção, maior capacidade de escape de anticorpos ou a junção dos dois fatores.

Médicos cobram Angotti sobre kit covid

Um grupo de médicos impetrou, ontem, um recurso contra a nota técnica do Ministério da Saúde que defende o uso do kit covid — composto por medicamentos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus — e levanta dúvidas sobre os efeitos benéficos da vacina. A nota foi assinada pelo secretário de Ciência e Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, que deve se justificar para o grupo de especialistas em até cinco dias.

O Ministério Público Federal também recomendou, na última quarta-feira, a revogação de dois documentos publicados pela secretaria. Segundo o MPF, mesmo depois de alterações feitas pela pasta — que retirou do documento uma tabela que apontava efetividade para hidroxicloroquina, mas não para vacinas contra a covid — a nota técnica continuou rejeitando as Diretrizes Brasileiras para Tratamento Medicamentoso da doença, elaborado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).

"O dispositivo lançou dúvidas sobre os procedimentos que possibilitaram a formulação das diretrizes e ainda abriu espaço para que o Ministério da Saúde continue recomendando fármacos como a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento do paciente com coronavírus", salientou o MPF.

O Ministério Público apontou, ainda, que diversas entidades da área da saúde no Brasil emitiram notas de repúdio contra o documento elaborado por Hélio Angotti Neto, destacando que o secretário não pode ignorar alertas técnicos, podendo cometer falha ética ou mesmo improbidade administrativa. O recurso também destaca que não há mais dúvidas entre a comunidade científica internacional a respeito da ineficácia de remédios como cloroquina e ivermectina para pacientes com covid-19.

Resposta ao STF

Em justificativa remetida à ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF) — que dera cinco dias para que o secretário explicasse as razões da defesa do kit covid —, Angotti afirmou que, na época em que elaborou a nota técnica, tinha apenas "informações preliminares" sobre a eficiência da vacina. Porém, o documento que assinou é datado de janeiro passado, quando o Brasil e outros países imunizavam sua população há mais de um ano.

"Ao dispor na tabela a resposta 'não', ao se referir a vacinas, deve-se compreender que, à época, somente estavam disponíveis resultados de publicações interinas em termos de eficácia e segurança, conforme se depreende da leitura do próprio relatório que serviu de base para a decisão do Plenário da Conitec", justificou-se o secretário.

Angotti ainda afirmou que a população deve, sim, se vacinar, mas que é preciso acompanhar casos de reações adversas "para a efetiva definição da segurança das vacinas avaliadas".

A resposta do secretário veio depois que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, dizer que cabia apenas a Angotti os esclarecimentos à Corte. 

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

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