Decisão Judicial

Rede de supermercados é condenada após mata-leão em criança negra

A decisão em segunda instância mantém indenização por danos morais e cita laudo psicológico do menino, que relatou crises de pânico, dificuldade para dormir e medo de sair às ruas após a violência

Jéssica Gotlib
postado em 11/02/2022 13:11 / atualizado em 11/02/2022 16:41
Menino se separou dos pais para devolver o carrinho de compras no estacionamento quando foi agredido pelo segurança -  (crédito: Wikimapia/Reprodução)
Menino se separou dos pais para devolver o carrinho de compras no estacionamento quando foi agredido pelo segurança - (crédito: Wikimapia/Reprodução)

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve, em segunda instância, a condenação da rede atacadista Assaí a pagar indenização de R$ 30 mil à família de uma criança de dez anos de idade. O menino, negro, foi abordado de forma violenta por um segurança da unidade do bairro de Jacarepaguá, em outubro de 2019.

A desembargadora Andréa Pachá argumentou que, para enfrentar o racismo, é preciso deixá-lo visível e “adotar, institucionalmente, práticas antirracistas para reduzir os danos, respeitando a intensidade da dor que o preconceito produz”. Na decisão, a magistrada ressaltou que não existe justificativa para a violência praticada contra a criança.

Os autos explicam que o menino entrou no supermercado junto com os pais, mas se separou deles por alguns instantes para devolver o carrinho de compras ao estabelecimento quando foi abordado pelo segurança do local. A família encontrou a criança aos prantos com o pescoço vermelho depois de ter levado um mata-leão do segurança.

Quando foram pedir explicações, o gerente informou que foi um “engano” porque o local tem um alto índice infrações cometidas por menores de idade. “Mesmo que no local haja incidência de furtos, praticados por crianças e adolescentes, tal fato não autoriza quem quer que seja, a abordar agressiva e violentamente os menores de idade, violando não só o princípio da presunção de inocência, como a garantia do devido processo legal”, diz o voto da desembargadora.

A magistrada segue dizendo que é “impossível decidir sobre o conflito trazido nos autos, sem registrar, de forma objetiva, a tentativa de normalizar o racismo, como se fosse possível determinar quem são “os suspeitos de sempre”, a partir da cor do corpo”.

Para rejeitar a apelação da empresa, a juíza lembrou que as provas não foram contestadas e que nenhum ‘engano’ similar ocorreu envolvendo criança branca. “A prova produzida, e não desconstituída pela Apelante, revela a indignidade experimentada pelo menino, ora Apelado, não se tendo notícias de abordagem similar envolvendo uma criança branca, em condições similares”, descreve o documento.

Crises de pânico, ansiedade e dificuldade para dormir

O acórdão, publicado na quinta-feira (10/2), traz ainda detalhes do laudo psicológico do menino. "(...) Nas primeiras sessões de terapia e avaliação o paciente demonstrou e relatou durante as sessões sobre a violência sofrida no atacadista Assaí por um segurança profissional funcionário da empresa referida; sobre seu medo de sair nas ruas, de ver policiais ou pessoas vestidas com uniforme de segurança”, detalha o texto.

O caso foi acompanhado pelo Conselho Tutelar e a criança recebeu acompanhamento psicológico, quando se constatou o grave dano à sua saúde mental causado pelo episódio. “Nas avaliações/testes HTP e Rorschach apresentou no levantamento dos mesmos os principais traços: medo, insegurança, autoestima baixa, introversão, depressão e ansiedade. Relatou durante as sessões que nunca mais iria entrar em um mercado ou atacadista Assaí pois sentia muito medo. Relatou pesadelos, receio de dormir sozinho no quarto. Trouxe questões sobre a violência sofrida e sobre as crises de pânico só de lembrar do fato ocorrido”, descreve.

O que diz a empresa

Em nota enviada ao Correio, o Assaí informou que "há muito trabalho a ser feito ainda na construção de um país e uma sociedade mais inclusivos e respeitosos" e que busca formas de evitar que os fatos se repitam nas lojas da rede. Leia o texto na íntegra:

O Assaí tem como valores o compromisso, o respeito e a inclusão, entendendo a diversidade como fator de inovação e desenvolvimento socioeconômico para dentro e fora da Companhia. A empresa compreende que há muito trabalho a ser feito ainda na construção de um país e uma sociedade mais inclusivos e respeitosos e busca formas de evitar que fatos como o de 2019 aconteçam novamente em suas lojas.

Assim, vem se atualizando e evoluindo continuamente por meio de ações de sensibilização, formação e recrutamento inclusivo, além de procedimentos internos, a exemplo da criação do Programa de Diversidade e Combate à Discriminação. Por meio dele, o Assaí consolidou políticas, realizou assinaturas de acordos e firmou parcerias para aprofundar o conhecimento de colaboradores(as) e prestadores(as) de serviço na promoção de direitos humanos e no combate a todo e qualquer tipo de violência, intolerância e discriminação.

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