ECONOMIA

Sem dinheiro para comprar gás, jovem morre ao usar álcool para cozinhar

A mulher, que era diarista, ficou sem trabalhar durante a pandemia e, assim, sem recursos financeiros para comprar o gás de cozinha, que agora custa, em média, R$ 112,54

Correio Braziliense
postado em 11/04/2022 19:40 / atualizado em 11/04/2022 19:41
Com 85% do corpo queimado, Angélica teve que aguardar 15 dias para ser transferida para um hospital especializado. A mãe da mulher conta que ela gritava de dor no hospital, com gritos que davam para ser ouvidos da recepção do local -  (crédito: Facebook/Reprodução)
Com 85% do corpo queimado, Angélica teve que aguardar 15 dias para ser transferida para um hospital especializado. A mãe da mulher conta que ela gritava de dor no hospital, com gritos que davam para ser ouvidos da recepção do local - (crédito: Facebook/Reprodução)

Uma jovem de São Vicente, litoral paulista, morreu após ter 85% do corpo queimado quando tentava usar álcool (etanol) para cozinhar. De acordo com a família, Angélica Rodrigues, de 26 anos, faleceu após ser transferida para um hospital especializado em cuidar de pacientes queimados, em São Paulo, depois de ter esperado quase 15 dias pela mudança de unidade de saúde.

Ela foi sepultada no domingo (10/4) no cemitério da Praia Grande, quatro dias após vir à óbito, na última quarta-feira (6/4). As informações são do portal Uol. A diarista Angélica Rodrigues era a única moradora de um barraco na comunidade do Parque Bitaru, localizada na periferia de São Vicente.

Ela ficou sem trabalhar durante a pandemia e, assim, sem recursos financeiros para comprar itens essenciais, como o gás de cozinha. O produto sofreu um aumento exponencial nos últimos meses e, em março, custou em média R$ 112,54 no país.

A mãe da vítima, a cozinheira Silvia Regina dos Santos, de 43 anos, contou que a filha passou a aderir o etanol para fazer a chama que serviria para cozinhar os poucos alimentos que Angélica conseguia comprar. Em um posto de gasolina, ela comprou um galão com o produto.

“Ela pegava uma lata de sardinha e colocava o álcool, usando como espiriteira. Punha fogo e a panela em cima. No dia do acidente, ela pensou que a chama do potinho tinha apagado e virou o galão de álcool, mas o fogo subiu para o galão. Ela se assustou, sacudiu o galão, e o fogo acabou se espalhando no corpo todo”, contou Silvia ao Uol.

Silvia afirma que a situação econômica do país propiciou o acidente. “Se a Angélica tivesse condições de comprar um botijão de gás, isso não teria acontecido. Tenho 43 anos e nunca na vida enfrentamos uma situação financeira tão difícil. Ela contou que estava comendo só arroz e macarrão instantâneo todo dia. Era o que o dinheiro dava para comprar”, desabafou a mãe da vítima.

"Verdadeira batalha": mãe de Angélica descreve falhas no atendimento médico

Silvia Regina afirma que foi uma “verdadeira batalha” o tempo em que a filha ficou nas unidades de saúde. Primeiro, ao ser socorrida após o acidente, Angélica foi levada ao hospital sem os parentes serem avisados.

Silvia afirma que soube que a filha estava internada no Hospital Municipal de São Vicente uma semana após a entrada dela no local, por meio de uma postagem que ela fez no Facebook, com um celular emprestado. Ela conta que a família não foi avisada pelos funcionários do hospital.

“Ela [Angélica] teve que vender o celular para comprar comida e fiquei um tempo sem falar com ela. Soube do que tinha acontecido quando me avisaram de um post que ela conseguiu fazer no Facebook, com um celular que conseguiu emprestado no quarto onde ela estava internada”, lembrou. No post, de 27 de março, Angélica apenas postou uma foto da perna enfaixada. Nos comentários da publicação, ela escreveu: “olha como eu estou, não creio, internada”.

Ao tentar visitar a filha, Silvia foi impedida pelos funcionários do hospital de São Vicente. A mulher não sabe se a proibição da visita seria por conta da pandemia ou se os médicos não queriam que ela visse a situação de Angélica. A cozinheira conta que a filha constantemente gritava de dor, gritos audíveis da recepção do hospital.

"Ela gritava muito, dava para ouvir os gritos dela da recepção do hospital, no andar térreo”, lembra. Silvia disse que insistiu e que, após algumas tentativas, conseguiu enganar a recepção e invadiu o quarto da filha.

“Meu coração quase parou. O sofrimento dela eu não desejo para ninguém. Como podem ter deixado ela tanto tempo sem atendimento adequado? Isso é desumano", desabafou. Depois de ver o estado da filha e acreditar que ela não recebia o atendimento necessário, Silvia passou a buscar ajuda para transferir Angélica para um hospital de referência.

Uma semana depois, ela conseguiu que a filha fosse direcionada para o Hospital Geral Vila Penteado, no Jardim Iracema, em São Paulo, com ajuda de um político local. No entanto, há poucos dias no local, ela faleceu, na última quarta-feira (6/4).

Em nota ao Uol, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo informou que a transferência “de um paciente não depende exclusivamente de disponibilidade de vagas, mas também de quadro clínico estável que permita o deslocamento a outro serviço de saúde para sua própria segurança”.

A pasta afirmou que o caso era monitorado pela Central de Regulação de Oferta e Serviços da Saúde (Cross), que busca vagas em serviços de referência. "O caso era gravíssimo e, mesmo sendo encaminhada para o Hospital Vila Penteado, uma das maiores referências para queimados do Estado, a paciente não resistiu aos ferimentos e faleceu", afirmou a Secretaria, em nota.

Já a Secretaria da Saúde de São Vicente (Sesau) disse que os familiares sempre são avisados por uma assistente social quando um paciente é internado em estado consciente. A pasta também informou que o Estado é responsável pela “regulação das vagas” para transferência e que “o município não tem qualquer gerência sobre a disponibilidade e distribuição dessas vagas”.

Por fim, a Sesau afirmou que Angélica ficou internada na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no hospital do município e recebeu atendimento médico e cirurgião plástico. No entanto, afirma que a paciente foi transferida em estado grave, porém com “sinais vitais estáveis”.

 

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