SAÚDE PÚBLICA

Entidades sobre venda de cigarro eletrônico: "Ameaça à saúde pública"

Grupo de entidades médicas também exige medidas "mais rigorosas para fiscalização e punição de violadores" da determinação que proíbe a venda dos chamados "vapes"

Talita de Souza
postado em 09/05/2022 21:12 / atualizado em 11/05/2022 16:34
 (crédito: EVA HAMBACH)
(crédito: EVA HAMBACH)

Febre no Brasil, os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), também conhecidos como “vapes” ou “pen-drives”, provocaram a união de seis entidades médicas a fim de solicitar a manutenção da proibição da comercialização dos aparelhos no país. Em um documento publicado nesta segunda-feira (9/5), as entidades pedem que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que está em processo de revisão da autorização de venda do produto, não mude as determinações estabelecidas em 2009.

O documento foi assinado pelas associações Médica Brasileira (AMB); Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead); Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); e as sociedades brasileiras de Pneumologia e Tisiologia (SBPT); de Cardiologia (SBC) e de Pediatria (SBP).

No posicionamento, as entidades afirmam que são “veementemente contra a liberação da comercialização, importação e propagandas de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar”.

Para o grupo, os DEFs “são uma ameaça à saúde pública”, porque representam uma combinação de riscos: “esses dispositivos atraem pessoas que nunca fumaram, persuadidas pelos aromas agradáveis, sabores variados, inovação tecnológica e estigmas de liberdade”.

Além disso, o grupo exige medidas “mais rigorosas para fiscalização e punição de violadores desta resolução”. “As entidades ressaltam a preocupação com o aumento do uso desenfreado desses dispositivos, em especial entre os jovens”, frisam em um trecho do documento.

O posicionamento cita dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2019, que revelam que os “maiores índices de experimentação de cigarro eletrônico foram observados entre os escolares de 13 a 17 anos da rede privada de ensino em todas as grandes regiões do Brasil”. A região Centro-Oeste foi a campeã de uso dos dispositivos entre estudantes, com 23,6% de incidência na rede pública e 24,3%, na particular.

“Desta forma, a ampla utilização dos DEFs pode reverter, em pouco tempo, o sucesso das políticas de controle do tabaco obtido em décadas de esforços do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT)”, afirma o grupo.

“A comunidade científica e de saúde pública brasileira só espera uma coisa da Anvisa: que NÃO libere a comercialização dos DEFs no Brasil e que exerça seu papel de proteger a saúde da população brasileira”, apelam ao órgão regulatório brasileiro.

Evali: entidades citam doença nova causada pelo uso de DEFs

Apesar de ser febre entre adolescentes e jovens, o grupo afirma que os prejuízos à saúde causados pelos dispositivos são para todos, e apontam a presença de nicotina “e várias dezenas de substâncias químicas, incluindo cancerígenos comprovados para pulmão, bexiga, esôfago e estômago”.

Além disso, os vapes estão relacionados ao surgimento de doenças respiratórias. Uma delas foi categorizada pela primeira vez em 2019, nos EUA, diz o grupo. Chamada de Evali (lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico, na sigla em inglês), a lesão pulmonar foi atribuída a alguns “solventes e aditivos utilizados nesses dispositivos”, que podem causar uma reação inflamatória no pulmão. A doença pode resultar em fibrose pulmonar, pneumonia e chegar até mesmo a uma insuficiência respiratória.

“Até janeiro de 2020, o CDC, nos Estados Unidos, registrou 2.711 casos de Evali hospitalizados e até fevereiro do mesmo ano, 68 mortes foram confirmadas. A faixa etária média era de 24 anos, 66% dos acometidos pertenciam ao sexo masculino e o tempo médio de utilização foi de 12 meses”, compartilham no documento.

O grupo cita, ainda, dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) por meio de um pedido do jornal The Intercept, que mostram que a Anvisa registrou, em agosto de 2020, sete casos de Evali.

“Além da manutenção da proibição definitiva desses dispositivos no Brasil, é necessário iniciar uma rotineira e efetiva fiscalização da venda desses produtos, assim como buscar meios de impedir que os grandes conglomerados de comércio varejista continuem a desafiar as autoridades de saúde”, concluem.

Anvisa encerra em junho prazo para receber contribuições sobre DEFs

Em abril, a Anvisa abriu a Tomada Pública de Subsídios para coletar dados e informações de entidades médicas e de interesse no tema, além de civis, para auxiliar na tomada de decisão de permanecer a proibição da comercialização dos DEFs ou optar pela autorização da venda do produto.

A legislação que vigora até então é de agosto de 2009, que proibiu a comercialização, importação e propaganda dos objetos como uma forma de “precaução”, já que não existiam dados científicos que comprovassem as informações sobre os produtos — boas ou ruins. Desde 2019, a Anvisa trabalha em uma nova análise sobre o assunto.

O prazo para colaborações termina em 10 de junho e elaspodem ser enviadas por aqui. É possível conhecer o andamento do processo de discussão e análise sobre o tema pelo site da Anvisa.

O que diz o outro lado

O Correio entrou em contato com a BAT Brasil, do Grupo Bat, que comercializa vaporizadores e produtos de tabaco aquecido. A empresa afirma que "tanto no Brasil quanto no exterior, há associações, médicos e cientistas defendendo a regulamentação, e não a proibição, desses produtos como uma estratégia efetiva de saúde pública". 

"Os cigarros eletrônicos não são produtos isentos de risco; no entanto, autoridades de saúde pública respeitadas internacionalmente - como o Health Canada, homólogo da ANVISA para aquele país, o Royal College of Physicians, homóloga da Associação Médica Brasileira no Reino Unido, o Center For Diseases Control (CDC) dos EUA e a subsidiária da OMS para Europa - já afirmaram que os cigarros eletrônicos oferecem menos risco que os cigarros tradicionais", escreveram em nota. 

A instituição também afirma que, no Reino Unido, os cigarros eletrônicos são utilizados como "parte da política pública de abandono do cigarro convencional". "Exemplos parecidos podem ser observados nos Estados Unidos, Nova Zelândia, Canadá, Japão e boa parte da União Europeia, lugares que regularam vaporizadores e/ou produtos de tabaco aquecido por entenderem que eles são uma importante ferramenta de redução de danos associados ao consumo do cigarro convencional", acrescentam. 

A BAT Brasil diz que a abertura de processo da Anvisa para receber contribuições para analisar a comercialização mostra o reconhecimento do órgão sobre a "necessidade de discussão do tema com a sociedade". Para isso, a entidade afirma que contribuiu com "estudos e evidências científicas de diversas origens e que ajudaram a basear as decisões das agências reguladoras de saúde e vigilância sanitária dos países que regularam os cigarros eletrônicos". 

"Espera-se que, ao final, esses produtos sejam permitidos no Brasil e que seja proposta uma regulamentação adequada à nossa realidade, onde o número de consumidores adultos de cigarros eletrônicos cresce de forma acelerada, sem qualquer controle sanitário, somando mais de 2 milhões de adultos - segundo pesquisa recente do Ipec. Está mais que demonstrado que a proibição não tem inibido o consumo, deixando os consumidores expostos aos produtos comercializados ilegalmente", conclui a entidade. 

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação