AMAZÔNIA

Desaparecimentos na Amazônia reacendem discussão sobre violência na região

Após o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips — na Terra Indígena do Vale do Javari (AM) —, o debate a respeito da violência na Amazônia volta a ganhar destaque

Isabel Dourado*
Isadora Albernaz*
postado em 07/06/2022 20:50 / atualizado em 07/06/2022 20:50
 (crédito: Reprodução/Redes sociais)
(crédito: Reprodução/Redes sociais)

No último domingo (5/6), a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) informaram — em nota — o desaparecimento do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips, correspondente do jornal britânico The Guardian. Segundo as entidades, na semana do desaparecimento, a equipe recebeu ameaças em campo. Buscas pela dupla continuam na região.

O desaparecimento dos dois reacende a discussão sobre o aumento da violência na região, que já havia sido alertado por uma série de organizações em fevereiro deste ano, quando foi lançado o projeto Cartografia das Violências na Região Amazônica. Feito em parceria pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e pesquisadores do Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistências na Amazônia (TERRA) e da Universidade do Estado do Pará (UEPA) o material busca cruzar e analisar dados sobre ilegalidades, criminalidade e segurança pública na Amazônia com o debate socioambiental.

O relatório busca tratar da presença de facções e do crime organizado, os conflitos ambientais e fundiários e as mortes violentas na Amazônia. Segundo o Fórum de Segurança Pública, o tráfico de drogas, o aumento do desmatamento e os conflitos de terra na região têm sido os principais motivos da alta da violência na Amazônia.

A expansão das organizações criminosas soma-se também a intensificação de conflitos fundiários resultando ainda na violência letal e no assassinato de indigenas da região. Para Isabel Figueiredo, pesquisadora e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há uma baixa segurança pública na região da Amazônia por parte do governo federal.

“Na Amazônia é baixíssima a capacidade Institucional e da segurança pública. Além disso, existem problemas graves de governança. E uma coisa que o relatório aponta é que hoje essa criminalidade, por exemplo o garimpo e a mineração, está totalmente imbricada com o crime organizado. Há uma relação do garimpo e facção, ouro e lavagem de dinheiro, e esse tipo de criminalidade vai se fortalecendo na região pela baixa capacidade institucional lá”, explicou ela.

Ainda segundo Isabel Figueiredo falta o governo pensar e olhar de forma cuidadosa para o crescimento da criminalidade no interior. “Não é uma novidade, de forma alguma, mas eu acho que, junto disso, outro ponto que tem chamado atenção é um relato uníssono de como nos últimos anos do governo Bolsonaro houve uma fragilização ainda maior da segurança pública na Amazônia. A gente já tem uma baixa, mas está pior nos últimos anos. Isso está relacionado desde questões do corte do orçamento, operações que não são feitas e falta de mecanismos de governança”, argumenta Figueiredo.


No ano passado, o projeto Amazônia 2030, uma iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de ações para a Amazônia brasileira, financiado pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), produziu um relatório que tinha como objetivo analisar a evolução da violência na Amazônia Legal nos últimos 20 anos, com foco na relação entre eventos violentos ou homicídios e atividades ilegais relacionadas a crimes ambientais.

Excesso de violência nos pequenos municípios

De acordo com Rodrigo S. Soares, professor titular da Cátedra Fundação Lemann no Insper e responsável pela pesquisa, o que o estudo mostra é que "o aumento da violência nessas áreas sob riscos de crimes ambientais explicam quase todo o aumento de violência na Amazônia”. 

Análises de pequenos municípios da região, aqueles com menos de cem mil habitantes, indicam um excesso de violência. “Quando olhamos os dados, observamos que os pequenos municípios começam a ter uma dinâmica de violência acelerada a partir de 1999, que se mantém e vai aumentando quase sem parar até 2019”, explica Soares.

O relatório mostra que um grupo pequeno de municípios que está sob maior risco de atividades ilegais é, em média, responsável por 70% desse excesso de violência.

O projeto aponta também uma nova preocupação: a crescente inserção de cidades da Amazônia nas rotas de tráfico nacional e internacional. Apesar da proximidade geográfica com outros países tradicionalmente produtores de coca, como Bolívia, Colômbia e Peru, mudanças nas políticas repressivas no Brasil e em outros países e uma presença crescente de facções criminosas nacionais na região acentuaram a questão do tráfico nos últimos anos.

“A partir de 2014, a violência começa a se deslocar para outros lugares também, com maior presença do tráfico internacional. Vemos aumentos expressivos de violência nas rotas que conectam o tráfico internacional”, afirma o pesquisador.

Desde o início dos anos 2000, houve uma explosão na taxa de homicídio da Amazônia Legal, com aumento de 100%. Segundo pesquisa da Amazônia 2030, essas estatísticas podem ser explicadas, numa perspectiva a longo prazo, devido à dinâmica da violência associada a crimes ambientais e ao papel crescente que a região vem assumindo nas rotas do tráfico internacional de drogas.

De acordo com dados do DataSus, em 2019, quatro entre os dez municípios mais violentos do país pertenciam à Região Amazônica.

Quando questionado a respeito da solução para a crescente violência, Rodrigo Soares aponta a necessidade de aumentar a presença do Estado, monitorar e punir. "É preciso retornar com as políticas que foram implementadas a partir de 2004, como o monitoramento por satélite. Também é preciso ser capaz de resolver a questão fundiária na Amazônia, que é o estopim de todas essas questões”, diz. 

Violência contra indígenas


Em 2021, o Atlas da Violência mostrou que houve um crescimento de 21,6% dos homicídios de indígenas no Brasil. Entre 2009 e 2019, o número total foi de 2,074 assassinatos em todo o país. Os dados fazem parte do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) produzido pelo Ministério da Saúde.

Os números indicam que as taxas de homicídios da população indígena aumentaram na última década, ao contrário da taxa brasileira geral.

No primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) foi registrado o maior número de ocorrências de conflitos por terra no Brasil desde 2003, e os números cresceram ainda mais no ano seguinte.

O respaldo da violência contra indígenas é representado por latifundiários, grileiros, garimpeiros e o agronegócio em geral, que é contra movimentos envolvidos na defesa de recursos naturais.

Esses conflitos estão territorialmente localizados. Segundo estudo realizado pela equipe do LEMTO-UFF, com base no relatório da CPT de 2015, entre 2000 e 2015, os conflitos localizados na Amazônia (região), totalizaram 44% do total de registros.


* Estagiárias sob supervisão de Pedro Grigori

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