Luto

Jô Soares deixa o nome marcado no jornalismo, na literatura e no entretenimento

Atores, músicos, personalidades do mundo político, jornalistas e jogadores de futebol reverenciam o talento de Jô Soares, humorista, ator, apresentador e escritor, que morreu na madrugada de ontem, aos 84 anos, em São Paulo

Ricardo Daehn
Pedro Ibarra
Pedro Almeida*
postado em 06/08/2022 06:00
 (crédito: Priscila Prade/Divulgação)
(crédito: Priscila Prade/Divulgação)

O Brasil amanheceu sem o beijo do gordo. Jô Soares morreu, aos 84 anos, depois de sete dias internado com pneumonia no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Um dos nomes mais importantes do humor e do jornalismo brasileiros, Jô se tornou uma referência da televisão, marcou gerações durante os mais de 60 anos de carreira e construiu uma trajetória brilhante na qual entram, além do riso e do jornalismo, a literatura, o cinema, a pintura e o teatro.

  • O General, hospitalizado, não se conformava com o fim da ditadura e pedia "Me tira o tubo!" Reprodução/TV Globo
  • Gay, super herói parceiro de Carlos Suely, muito antes do surgimento da Parada Gay Cedoc/TV Globo
  • Zé da Galera ligava de um orelhão para dar palpites na seleção dirigida por Telê Santana: "Bota ponta, Telê" Geraldo Modesto/TV Globo

Jô Soares morreu, ontem, às 2h20. A família optou por não divulgar a causa da morte. Em entrevista ao Balanço Geral da Manhã, na Record, a apresentadora Adriane Galisteu afirmou que o humorista "estava em um momento delicado de saúde. Fazia um tratamento complicado, com a idade avançada, ia e vinha do hospital". Segundo a Globo, o ex-apresentador tratava uma pneumonia. Sabe-se que vivia recluso em um apartamento em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. A última aparição pública foi em fevereiro de 2021, quando o humorista foi ao posto de saúde montado no estádio Pacaembu para tomar a vacina contra a covid-19.

Ainda que, na carreira de espetáculos-solo, Jô tenha excursionado, no passado, com Ame um gordo antes que ele acabe, a verdade é que se tornou uma figura inesgotável. "Não é uma morte, e, sim, uma vida para ser celebrada. Por mais de 60 anos, Jô Soares impactou de forma definitiva o Brasil. Para mim, veio a grande referência de ver um gordo na televisão. Li, muitas vezes, aquele livro do astronauta (O astronauta sem regime), e que, marcante, trazia um gordo na capa", comentou o humorista Paulo Vieira, ao Correio. A abertura de portas para a diversidade foi constante. A cartunista Laerte Coutinho usou as redes para lembrar que, em 2011, foi entrevistada pelo mestre, quando ela, pela primeira vez, veio a público "no feminino".

Enquanto Caetano Veloso destacou a evidente habilidade da comunicação de Jô Soares, o compositor, produtor musical e escritor Nelson Motta mandou o "Beijo no gordo!". Nas redes, avaliou: "Jô querido, você não só alegrou e divertiu o Brasil, você iluminou e educou pelo humor milhões de brasileiros. Com sua inteligência e humanismo você jogou luz sobre valores importantes — desmoralizando preconceitos e defendendo a democracia". Pelé, o rei do futebol, se manifestou para lembrar da jocosa experiência de cinema, em Os trombadinhas (feito em 1979 pelo premiado Anselmo Duarte), no qual seu personagem se autoproclamava Jô Soares. O rei grafou: "Jô era um grande amigo, inteligente, perspicaz, bem humorado e que adorava uma boa conversa. Apesar daquela famosa fala do filme; não, eu não sou Jô Soares. Mas, como profundo admirador, eu adoraria ter sido".

O ator Ary Fontoura contracenou com Jô Soares nos programas Faça humor, não faça guerra e Viva o Gordo.  Ele destaca o tamanho da perda para o Brasil: "Como ele fará falta! Mas temos que nos conformar com esta morte profundamente sentida, e que nos surpreendeu. Precisamos celebrar a vida, e transformar tudo numa grande saudade. Inteligentíssimo, Jô sempre estava de bom humor. Ele deve estar nos braços de Deus, e deve estar tudo muito divertido por lá".

Ainda no meio virtual, a apresentadora Ana Maria Braga se disse honrada pela convivência, destacando que o dia de ontem havia amanhecido "mais sem graça". A familiaridade do comediante com todas as faixas de público foi ressaltada por Patrícia Poeta. "Seu talento atravessou gerações. Era um profissional incrível: humorista, escritor, diretor, apresentador", observou a global. A perda do humorista atravessou mares, como enfatizou texto atribuído à Presidência de Portugal: "Seus sketches ficaram famosos, algumas expressões entraram mesmo na linguagem corrente, fez-nos rir e pensar durante anos, um grande obrigado a Jô Soares, que hoje saiu de cena, mas não dos nossos corações, nem das nossas memórias", escreveu o presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Domínio absoluto

Do vasto trabalho de Jô Soares, a inovação, a irreverência e a generosidade se destacam. Foi com essas qualidades que o apresentador criou no início dos anos 2000 o quadro Meninas do Jô, dentro do próprio programa da TV Globo. Em 2012, Cristina Serra, na época repórter de política em Brasília, recebeu a proposta de fazer parte da bancada. "O Jô Soares foi quem acreditou que eu poderia ser comentarista de política", diz a jornalista, que passou os quatro últimos anos do Programa do Jô convivendo intensamente com o apresentador. "Foi incrível, minha vida profissional é separada em antes do Jô e depois do Jô. Eu mesma descobri que sabia fazer análise política, muito estimulada por ele", adiciona.

Cristina, além de fã do artista, desde os tempos de crianças, se tornou amiga da pessoa que era Jô. "Conviver com Jô foi uma experiência de generosidade, respeito e amorosidade", conta a analista política. "Agora, o que eu tenho é uma profunda gratidão, um legado imenso deixado por ele, lembranças maravilhosas e uma saudade, que é eterna", finaliza.

O escritor e editor Luiz Schwarcz, fundador da editora Companhia das Letras, foi o responsável por convencer Jô Soares a escrever a biografia O livro de Jô. Foi preciso um tempo e alguma lábia para que o humorista chegasse à conclusão que sim, sua vida tinha a relevância de atravessar a história da televisão e do teatro brasileiros. Luiz era muito amigo de Jô e a amizade teve papel importante nesse convencimento. "Jô foi um amigo fidelíssimo, presente e até ciumento. Sua perda é inestimável", observou Schwarcz, ao Correio. Sobre a participação no convencimento do amigo a escrever a autobiografia, lançada sob a alcunha de O livro de Jô: uma autobiografia desautorizada, o editor abriu mão do mérito e enalteceu o artista: "Quem abriu espaço para ele foi ele próprio, com seu talento singularíssimo. Não cabe mérito a nenhum editor, mas a ele e seu co-autor, Matinas Suzuki Jr".

Uma referência absoluta na vida de Fábio Porchat, Jô Soares, ainda no início dos anos 2000, estendeu o tapete vermelho para a primeira oportunidade de brilho televisivo do colega, à época, anônimo. Porchat refletiu sobre a grande perda: "O Brasil sem o Jô é um Brasil sem graça. Um Brasil em preto e branco, é um Brasil sem força". A genialidade seguiu atestada: "Jô era meu youTube da época. O que acontecia no programa dele, acontecia no país. Jô sempre foi um exemplo de pessoa engraçada, brilhante, extrovertida e generosa". A gratidão vem embasada pela conscientização coletiva. "Quando penso nele... penso em todas as pessoas que eu conheci, por meio do Jô. Eu, pessoalmente, devo muito a ele: foi o cara que me fez descobrir que fazer os outros rirem é uma missão, uma função primordial, ainda mais num país como esse".

A sagacidade de mesclar erudição e uma verve esclarecedora sempre resultou na imensa popularidade de Jô Soares, que esteve no filme de Giovanni Improtta (2011), comandado por José Wilker; foi redator de programas estrelados por atores de primeira linha, como Paulo Autran e Tônia Carreiro (TV Mistério) e se viu ainda aliciado pelo cinema marginal, com A mulher de todos (dirigido por Rogério Sganzerla, estrelado por Helena Ignez, em 1969). Com parte da vida passada em anexo ao Copacabana Palace, o rapaz cuja família almejava que se tornasse diplomata, seguiu mesmo o impulso de se estabelecer um embaixador do riso.

Ponte para o riso

Entre as versáteis funções de entrevistar expoentes estrangeiros, em programa de Hebe Camargo, e a vontade de encampar entrevistas de rua (para o Silveira Sampaio Show), Jô Soares sempre despontou como figura singular, com missões especiais — caso do agente do serviço secreto vivido em O homem do Sputnik (1958), de Carlos Manga, e ainda O pai do povo (1976), uma sátira apocalíptica e política dele, em que, com a iminente extinção da humanidade, defende o destino do único homem fértil (Augusto Olímpio) a se apresentar como uma esperança.

Destaque em Viva o gordo, a atriz Nina de Pádua, que migrou para o SBT, levada por Jô Soares, enfatiza que é "difícil falar do "José, Eu gênio (referência ao nome de batismo de Jô)", porque ele era um gênio". Emocionada, Nina fica feliz em ver que Jô cumpriu a trajetória dele "brilhantemente". "Jô parte do planeta, deixando um rastro de luz, de alegria, de risadas, de felicidades. Eu tinha um sonho de poder ainda ser dirigida por ele no teatro. Fica meu agradecimento a ele, e um abraço aos familiares. E, um beijo, Jô — muita luz. E até daqui a qualquer hora. Obrigada, querido", comentou.

Com "um beijo do magro", o rapper, cantor e letrista Emicida, via redes sociais, desejou que "a terra lhe seja leve mestre (Jô)". Particular amante do jazz, Jô Soares foi homenageado por artistas consagrados da música como Marisa Monte, que qualificou o caráter de lorde do artista, sempre "gentil". Carlinhos Brown complementou: "Jô (...) deixa a Terra para ascender às luzes mais bem-humoradas".

* Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco

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