BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA

Senso de identidade nacional demorou a ser formado, dizem historiadores

Antes da Independência, não havia senso de identidade nacional. O processo de emancipação política foi marcado por forças coletivas e interesses divergentes, explicam especialistas

Aline Gouveia
Raphaela Peixoto*
postado em 07/09/2022 12:42 / atualizado em 07/09/2022 13:07
 (crédito: François-René Moreaux)
(crédito: François-René Moreaux)

Antes da Independência do Brasil, não havia senso de identidade nacional, pois todos se entendiam como portugueses. A historiadora Neuma Brilhante, professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), explica que, ao analisar documentos de 1822, é possível ver que os portugueses eram os súditos do rei de Portugal. Com a separação política entre os dois países, no primeiro momento houve a ideia de que ser brasileiro era não ser português.

Neuma cita três tipos de identidade no país à época: portuguesa, americana e locais. "Havia a noção de que ser português na América era diferente de ser português na Europa. Outra camada são as identidades locais, referentes ao fato de ser português, americano, de Pernambuco ou de São Paulo, por exemplo", explica a historiadora.

A identidade brasileira foi sendo formada com a separação política entre Brasil e Portugal, formulação de leis e cultura nacional. "Na medida em que as disputas vão acontecendo ao longo dos anos de 1822 e 1823, quando há guerra entre Brasil e Portugal, vai se consolidando essa percepção de ser brasileiro", pontua Neuma. No entanto, a noção de pertencimento se estendeu até o fim do século 19.

A historiadora Cecília Helena de Salles, professora do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), também cita o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro como núcleo da elaboração de uma história nacional. Ele foi fundado em 2 de outubro de 1838 e é a mais antiga entidade de fomento à pesquisa e preservação histórico-geográfica e cultural do país.

Criação de heróis nacionais

Cecília afirma que criar heróis é uma tendência das nações construídas a partir das revoluções liberais dos séculos 18 e 19. Essas figuras expressam demandas políticas de determinados momentos sociais e se tornam símbolos, a exemplo de John Adams, George Washington, Thomas Jefferson, George Clymer e Benjamin Franklin nos Estados Unidos; Símon Bolívar na Venezuela e Dom Pedro I no Brasil.

No entanto, o historiador João Paulo Pimenta, também da USP, frisa que os símbolos não descrevem a realidade de um momento histórico. “Os símbolos apenas indicam valores e ideias a respeito de um passado comum da sociedade”, explica. O especialista destaca, ainda, que a Independência do Brasil foi fruto de forças coletivas e interesses divergentes, diferentemente da ideia centralizada em Dom Pedro I.

Da esquerda para a direita: Neuma Brilhante (UnB), João Paulo Pimenta (USP), Rubens Ricupero e Cecília Helena de Salles (USP)
Da esquerda para a direita: Neuma Brilhante (UnB), João Paulo Pimenta (USP), Rubens Ricupero e Cecília Helena de Salles (USP) (foto: Arquivo Pessoal )

Para Neuma Brilhante, historiadora da UnB, os governos autoritários costumam utilizar a figura de heróis porque é criada a noção de que a história é feita por figuras excepcionais e pessoas comuns ficam excluídas desse processo, tirando delas a capacidade de serem sujeitos históricos.

A historiadora Cecília Helena ressalta que a historiografia atual tem revisitado biografias de outros nomes importantes para o processo de emancipação política do Brasil. "As obras historiográficas mais recentes têm procurado justamente reconstituir a trajetória e as contribuições de inúmeros protagonistas até então
esquecidos, a exemplo de João Soares Lisboa e Maria Quitéria, revisitando, também, as biografias de personagens como Sóror Angélica, Frei Caneca, Cipriano Barata e tantos outros", explica.

Pátria e patriotismo

Pátria e patriotismo são concepções do Iluminismo, período histórico do final do século 18. Cecília Helena observa que pátria não significa, necessariamente, o lugar de nascimento do indivíduo, mas, sim, "o lugar em que se torna cidadão e enraiza, de forma permanente, bens, família, valores culturais e históricos".

Segundo o historiador João Paulo Pimenta, a ideia de patriotismo propagada atualmente é sectarizada e confunde a valorização do lugar de origem com interesses próprios. “O que se entende por patriotismo é a exclusão de quem pensa diferente”, pontua.

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