Saúde Pública

Vacinação despenca e aponta crise na cobertura vacinal em 2023

Campanhas são insuficientes para ampliar a cobertura vacinal e especialistas alertam para a volta de doenças já erradicadas

Tainá Andrade
Isabel Dourado*
postado em 05/12/2022 03:00
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A má gestão do Programa Nacional de Imunização (PNI), de responsabilidade do Ministério da Saúde, acarretou a entrega de um governo sem um planejamento para a execução do programa para o próximo ano. O presidente Jair Bolsonaro (PL) deixará a administração do país com um dos índices mais baixos de vacinação desde 2015. A campanha de imunização promovida pela pasta teve que ser estendida até o fim de setembro e não atingiu mais que 70% da população. Além disso, a falta de recursos na área poderá comprometer o fornecimento de vacinas em 2023.

Com informações desorganizadas sobre a situação da vacinação no país, sobretudo em relação à imunização infantil contra covid-19, e com o risco cada vez maior de surgir casos de doenças já erradicadas, os coordenadores do grupo temático de saúde do gabinete de transição e especialistas na área de saúde pública classificam a situação como "grave", sobretudo em relação ao PNI.

O programa é um dos mais exitosos na área da saúde pública e se tornou referência mundial. Por meio dele, o Brasil foi pioneiro na incorporação de diversas vacinas no calendário do Sistema Único de Saúde (SUS) e na proteção contra doenças de alta mortalidade. Com o Comitê Técnico Operacional (Cato), o Ministério da Saúde tomava decisões estratégicas respaldadas por especialistas, o que não foi feito nos últimos quatro anos. Somente na semana passada, o ministro Marcelo Queiroga agendou a primeira reunião com a equipe técnica para estabelecer as metas para 2023.

"O Brasil perdeu a capacidade de fazer o que fazia em 50 anos de história (com o PNI). O atual governo conseguiu destruir o esforço de quatro décadas e meia, que se transformou em exemplo internacional", criticou o ex-ministro e coordenador do grupo técnico Arthur Chioro, no início dos trabalhos da equipe no CCBB.

A principal consequência da queda da cobertura vacinal é o risco da reintrodução de doenças que podem sair repentinamente de controle, como o sarampo e a poliomielite — oficialmente eliminada do território nacional em 1994, após sucessivas campanhas de imunização. Porém, no ano passado, foram confirmados 700 registros da doença no mundo.

Sarampo

A cobertura das vacinas que protegem contra o sarampo segue a mesma tendência. De acordo com o DataSUS, em 2021 os números foram 73,49% para a primeira dose da tríplice viral; 51,65% para a segunda; e apenas 5,74% para dose única da tetraviral.

"Foram caindo as taxas de vacinação de tal forma que estamos em uma grave situação. Não se trata agora de dizer que estamos com potencial risco, ele é concreto. Queremos fazer recomendações, entendemos que é fundamental que essas decisões sejam tomadas. Para riscos concretos de reemergência, como a pólio, não há planejamento", frisou Chioro.

No caso da covid-19, foi encontrado um cenário de "caos". Não há a formalização para a compra de todas as doses necessárias para a campanha de vacinação de 2023, inclusive para combater uma possível nova onda da doença, indicada pelo aumento de casos no segundo semestre deste ano. Hoje, não há informação sobre estoques, validade e logística de entrega e distribuição dos imunizantes.

Algumas faixas etárias, como a das crianças entre 6 meses e 2 anos de idade, sofreram apagão de dados no DataSUS. Já entre as idades de 3 a 4 anos, a cobertura da primeira dose está abaixo de 18%, e a segunda alcançou 6,6%. As taxas mais altas estão no intervalo de 5 a 11 anos — 70,7% de vacinados na primeira dose e 50,1% na segunda. Em média, uma criança com menos de 5 anos morre a cada dois dias no país. A doença também é responsável por 9% dos casos de internação por covid-19 nessa faixa etária.

Movimento antivacina

Além da má gestão, especialistas apontam a permissividade de uma nova geração de pais, que, por não terem presenciado os efeitos de doenças já erradicadas, estão distantes das consequências provocadas pelas doenças. Esse grupo teve a narrativa antivacina fortalecida pelo discurso político no governo de Jair Bolsonaro (PL).

"A partir do momento em que o governo federal deixa de assumir a coordenação do Programa Nacional de Imunização, principalmente da pandemia da covid, que era prioridade naquele momento, você teve a pulverização do comando das atividades de vacinação. Fora isso, houve quase que uma oficial negação da importância da vacinação como um instrumento de proteção da saúde. Então, todos esses fatores agiram de forma convergente e a gente teve um desastre de cobertura que, se antes estava acima de 90%, agora fica abaixo de 70%", diz Waldman.

Sandra Maria Sabino, secretária executiva municipal de Saúde de São Paulo explica que há um fenômeno de fake news, trazido pela globalização, que deve ser combatido. Nesse grupo que sofre a influência da desinformação estão pais, principalmente das classes de maior poder aquisitivo, que não usam os serviços públicos de saúde e, por isso, são menos atingidos por campanhas educativas do SUS.

"O nosso maior desafio é mostrar ao nosso usuário, que são os pais atuais, que nunca viram uma criança sequelada de pólio, por exemplo, quanto é importante a vacinação. Eles nunca observaram concretamente os efeitos de sequelas de doenças preveníveis por vacinas", contextualizou. "Temos que enfrentar isso de forma constante, combatendo as fake news, contrapondo as orientações corretas e fazendo campanhas constantes de multivacinação", completou.

Para isso, Luciana Costa, professora do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (IPMG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que campanhas produzidas pelo Ministério da Saúde e que usam canais multimídia para se conectar com o público ficaram aquém da necessidade nos últimos anos.

"Não tivemos campanhas ao longo desses últimos cinco anos, não foram feitas campanhas constantes nos meios de comunicação alertando as pessoas da necessidade da vacinação e isso foi falta de coordenação, talvez uma falta de competência e de gerenciamento do ministério. A gente fica até espantada de ver questões ideológicas afetarem decisões tão importantes de saúde pública", alertou.

O GT de saúde da transição tem trazido a questão da antivacina para a mesa de discussão e, segundo foi antecipado ao Correio, uma das medidas estudadas pelos coordenadores é enquadrar pessoas ou grupos que disseminam informações contra vacinas estabelecidas no PNI em crime contra a saúde pública.

"Há uma preocupação muito forte de fazer o enfrentamento a esse tipo de narrativa (das fake news) que temos hoje. Fazer um levantamento de quais são os grupos, as pessoas, alguém que seja referência em disseminar a desinformação sobre essa questão da vacina é um dos objetivos da discussão", explicou o senador e coordenador do GT, Humberto Costa (PT-PE).

*Estagiária sob a supervisão de Vinicius Doria

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