Está em vigor, desde quinta-feira, a lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumenta a pena para injúria racial. Agora, o crime passa a ser inafiançável e imprescritível. A sanção foi assinada na cerimônia de posse das ministras da Igualdade Racial, Anielle Franco, e dos Povos Originários, Sônia Guajajara.
Aprovado pelo Congresso no fim de dezembro do ano passado, o texto incorpora a injúria racial — que estava contida no Código Penal — à Lei do Racismo, e tipifica o crime de injúria racial coletiva. Um dos objetivos é acabar com a sensação de impunidade das agressões de cunho racista que, muitas vezes, são enquadradas como injúria racial, com punição bem mais branda do que o crime de racismo.
Ambos os crimes passam a prever pena de dois a cinco anos de cadeia, tempo que pode dobrar se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. O novo texto também prevê que crimes praticados em estádios esportivos, casas de espetáculos ou templos religiosos serão punidos da mesma forma, proibindo o autor de frequentar esses locais por um prazo de três anos.
Na avaliação do presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF, Beethoven Andrade, a mudança é um avanço significativo. Segundo ele, o mecanismo pode ajudar a coibir os casos de injúria racial no país, que ainda sofre com o racismo estrutural.
"A gente precisa olhar para o passado do Brasil e para o comportamento colonizador que ainda coloca o negro numa situação subalterna. Quando alguém sofre injúria ou discriminação, preconceito, esse comportamento reflete o período de escravização no Brasil, onde pessoas negras eram incapazes de ocupar lugares de poder", avalia Andrade.
Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre o tema refletem esse cenário. Em 2021, o Brasil registrou mais de 13.830 casos de injúria racial e 6.003 casos de racismo. A instituição aponta que, no mesmo ano, o número de homicídios de pessoas negras cresceu 7,5% — a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 78 eram negras. Ao mesmo tempo, em 2021, 67,5% da população prisional era negra.
O medo acompanha negros e negras brasileiros: 85,3% declaram sentir medo de serem assassinados, enquanto 69,3% temem ser vítimas da Polícia Militar; mulheres negras representam 62% dos feminicídios, e 70,7% das vítimas de mortes violentas são pessoas negras.
Saiba Mais
- Brasil Família busca informações sobre mãe e filha desaparecidas em Minas
- Brasil Fiocruz alerta para possível aumento de nova linhagem do coronavírus
- Brasil Suspeito de matar mulher em Goiás estuprou e torturou outras 8 vítimas
- Brasil Confira os resultados da Quina 6050 e da Lotofácil 2417 desta sexta-feira (13/1)
Registros inadequados
O Fórum destaca o crescente debate em torno do racismo como uma fonte de esperança para a formalização e o atendimento de denúncias no âmbito dos sistemas de segurança pública e justiça.
Registros de ocorrências feitos de forma inadequada são um obstáculo na produção e sistematização de dados e estatísticas que apontem a dimensão do problema. Consequentemente, o número de casos de injúria racial e racismo permanecem desconexos, como se não tivessem relação.
Por um lado, há a confusão na hora de categorizar o caso, registrando injúria como racismo. Por outro, há discriminação da polícia e de agentes públicos.
"Agora, as forças de segurança não vão ter mais como dar esse jeitinho, no caso de racismo. Vimos muitos delegados minimizando ações, inclusive violências físicas contra pessoas negras motivadas pelo racismo sendo transformadas em injúria racial: 'Não vamos prender ninguém por racismo, não, branco não merece cadeia porque xingou alguém de macaco, ou atacou ou escravizou uma empregada doméstica'", expõe Aline Costa, militante do Movimento Negro Unificado e da Coalizão Negra por Direitos.
Beethoven Andrade concorda com a avaliação e mostra que a inconsistência dos dados de injúria racial e racismo está ligada a uma falta de interesse de governadores e dos sistemas de segurança pública em apurar os dados.
"Cada estado tem a competência de determinar os registros necessários para aprimorar o sistema. Alguns governadores não têm interesse em levantar esses dados para dizer que o Brasil não é um país racista. Poucos estados têm, por exemplo, o número de vítimas de violência doméstica com o recorte racial, porque são majoritariamente mulheres negras que sofrem essa violência. Então os registros dos dados dependem muito mais da vontade política do que do direito penal", observou.
Para Aline, foi muito simbólico que a alteração na lei tenha sido sancionada pelo presidente Luiz Inpácio Lula da Silva durante a cerimônia de posse das ministras Anielle Franco e Sônia Guajajara, tanto pelo ponto de vista de reconhecimento de negros e indígenas, quanto pela sinalização de mudança de postura quanto às questões raciais pelo Estado brasileiro.
"A gente espera que haja orçamento para o enfrentamento ao racismo e para o fortalecimento das políticas públicas de promoção da igualdade racial. Então, isso sinaliza que vai ser um momento político diferente do que a gente teve, principalmente nos últimos governos do PT, em que a pauta foi se esvaziando, em que não havia orçamento e o próprio ministério foi se reduzindo até chegar a uma secretaria", disse. "Mesmo com uma lei mais dura para quem praticar injúria racial, ainda há muito a percorrer para que negros e negras vivam livres da violência que é o racismo", finalizou.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.