Terra indígena

Um ano após a morte de Bruno e Dom, Vale do Javari vive sob medo e insegurança

Quase um ano após morte de Bruno e Dom, Univaja e agentes da Funai questionam eficácia de base fluvial instalada para coibir crimes

Tainá Andrade
postado em 14/05/2023 03:55
 (crédito: Divulgação/Polícia Federal)
(crédito: Divulgação/Polícia Federal)

Mesmo com a grande repercussão do caso e com a mobilização para mudar as estratégias de segurança na região, a Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, vive sob medo quase um ano após os assassinatos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, ocorridos em junho do ano passado. Esta semana, três réus, acusados de praticarem o crime, prestaram depoimento à Justiça, em Tabatinga. Mesmo com ações da Polícia Federal (PF) e da Força Nacional, à época do crime, e novas investidas dos órgãos competentes, após a troca do governo federal, para articular uma força-tarefa para retomar a área explorada por invasores, quem atua na ponta ainda não viu as mudanças ocorrerem.

Bushe Matis, coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), relatou ao Correio que a base fluvial da PF, enviada em março deste ano para o município de Atalaia do Norte, com o objetivo de inibir os crimes ambientais e a incursão de organizações criminosas nas atividades, não tem operado de forma eficaz na região. "O que acontece é que a base fica parada aqui em Atalaia e não faz o trabalho de fiscalização e monitoramento na região. Do Javari até a boca do Curuçá é uma distância muito grande, então até chegar de um ponto ao outro há livre acesso entre o Brasil e o Peru. Não tem a presença de indígenas, da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) ou da PF para coibir os crimes", explicou.

O coordenador indicou que, dos mais de 8,5 milhões de hectares do Vale do Javari, os principais pontos estratégicos por onde entram os criminosos são Quixito, Jandiatuba e Curuçá, mas, segundo ele, a base não se desloca do porto onde foi instalada. "Enquanto estava em Atalaia, os agentes (que ficavam na base fluvial) não faziam nada. Não sei qual era o trabalho deles, não teve diálogo conosco, não teve troca de dados ou informação. No início procuraram o vice-coordenador da Univaja, Todah Kanamari, somente para se apresentarem", apontou Matis.

As informações foram confirmadas por integrantes da Funai que atuam na região. A balsa foi classificada como "incógnita" por um dos agentes que preferiu não ser identificado por receio de retaliações. O servidor também disse que a base fluvial não possui uma das principais documentações para navegar, que é a licença da capitania. Além disso, há reclamações dos agentes de que o local é insalubre para o trabalho por ser muito quente ficar dentro da embarcação.

Articulação

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou, em nota, que reforça a segurança do Vale do Javari com o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). A atuação do grupo na região foi prorrogada até o dia 18 deste mês e a atribuição de demandar e direcionar as ações é da Funai. "Desde o trágico episódio (do assassinato do Bruno e do Dom), a FNSP tem buscado alavancar seus esforços na região, notadamente com a intensificação de patrulhamento fluvial, juntamente com funcionários da Funai. Atualmente, as atividades consistem em emprego de efetivo nas bases da Funai em Ituí/Itacoaí, Quixito, Jandiatuba e Curuçá." Servidores do órgão indigenista alegaram, contudo, que não conseguem executar o trabalho.

Povos originários têm feito uma articulação para que o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) aumente a consistência do trabalho das forças de segurança no Javari, principalmente nos locais de atuação dos agentes. A intenção é que a balsa circule até Quixito para monitorar e atuar dentro da Terra Indígena (TI), e que a PF atue junto com os servidores da Funai nas Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes), sobretudo na de Curuçá. "Existem cinco bases para reforçar o trabalho. Cada um dos órgãos de segurança poderia enviar equipes de 10 pessoas para os locais", sugeriu o coordenador da Univaja, Bushe Matis.

O MPI, que informa ser uma pasta com papel de articulação junto aos demais órgãos que comandam as forças de segurança, alegou que "tem feito tratativas para aumentar recursos" e fortalecer as estruturas físicas da Funai. Há também o plano de um grupo de trabalho (GT) específico para a questão da segurança no local. "O Ministério dos Povos Indígenas está articulando, no âmbito do Comitê Interministerial de Coordenação, Planejamento e Acompanhamento das Ações de Desintrusão de Terras Indígenas, um GT específico para lidar com a questão de segurança no Vale do Javari", comentou, em nota.

Em paralelo, mesmo sem reconhecimento dos órgãos competentes, a Univaja mantém o trabalho de monitoramento e fiscalização da TI, onde encontram-se 64 aldeias de 26 povos e cerca de 6,3 mil pessoas. A principal atividade é feita com as equipes de vigilância do território que atuam no chamado avivamento, ou seja, na identificação, abertura de picadas e limpeza dos caminhos, no intuito de deixar claro onde estão os limites da terra indígena. Também há o treinamento dos indígenas para manusear tecnologias, como gps, drone e aplicativos, para realizar a fiscalização e monitoramento do local demarcado pela União.

 


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