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Faltam políticas voltadas ao envelhecimento com qualidade, alertam especialistas

Debate na Câmara dos Deputados alerta sociedade e governos para a falta de políticas públicas voltadas ao envelhecimento com qualidade. País tem cerca de 32 milhões de pessoas com mais de 60 anos, segundo o IBGE

O Brasil tem, atualmente, aproximadamente 32 milhões de pessoas acima dos 60 anos — segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021 — e mais da metade da população alcançou os 30 anos. Por causa disso, é urgente a formatação de políticas públicas que deem atenção ao envelhecimento da população com qualidade de vida — uma das forma de combater o etarismo (ou idadismo), que é o preconceito contra pessoas que ultrapassaram certa faixa de idade. Esse foi o tema do debate realizado ontem, na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (Cidoso), na Câmara dos Deputados.

Segundo o secretário nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Alexandre da Silva, "a questão, hoje, não é dar anos de vida, mas qualidade e propósito para estes anos a mais que a pessoa ganha. Para envelhecer bem, todo mundo precisa entender que envelhecer faz bem". Para ele, uma mudança de percepção da sociedade para o que representa o envelhecimento — que não é sinônimo de incapacidade — é o começo da formação de uma nova cultura sobre a velhice.

Segundo os especialistas, para se alcançar a valorização do idoso, é necessário rever as políticas públicas direcionadas a essa faixa da população. Um dos pontos levantados pelo deputado federal Alexandre Lindenmeyer (PT-RS) é a destinação de parte do Orçamento da União.

"O envelhecimento vai acelerando, mas as políticas públicas não avançam na mesma proporção. Quanto é destinado, em termos de política pública, para as pessoas idosas? Qual é o percentual destinado à construção de moradia popular para a pessoa idosa?", questionou.

Distorções

Um dos vetores para a disseminação do etarismo é a percepção da sociedade sobre as pessoas mais velhas. De acordo com Maria Cristina Hoffman, consultora da Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) no tema do envelhecimento saudável, há uma percepção enviesada sobre o idoso, o que impacta na garantia de direitos desta população.

"Se fizessem uma enquete indagando como a pessoa idosa é percebida, a maioria descreveria como alguém doente ou dependente. Essa não é, nem de longe, a realidade do Brasil. A maioria da população idosa é autônoma e independente. Quando temos um estereótipo, falamos como pensamos em relação às pessoas. Na forma como agimos vem a discriminação", observou.

Um relatório da OMS aponta que, em todo o mundo, uma a cada duas pessoas pratica ações de preconceito contra alguém por causa da idade, principalmente contra idosos. O tema no Brasil cresceu de dimensão depois do episódio, em março, no qual três universitárias do curso de biomedicina de uma instituição de ensino superior em Bauru (SP) divulgaram um vídeo zombando de uma colega de sala que tinha 45 anos.

A violência física, moral e psicológica se reflete nos dados do Disque 100 de 2022. Os registros mostram que há mais de 35 mil denúncias de violações de direitos humanos contra idosos, sendo que mais de 87% ocorrem dentro da própria casa da vítima.

Por isso, o secretário Alexandre da Silva anunciou que uma primeira ação será realizada por ocasião do Junho Roxo — com vistas a reduzir os números coletados pelo Disque 100. "Traremos à superfície uma das discussões sobre o idadismo. Estamos construindo um material capaz de ajudar as pessoas que querem aprender a não reforçar esse lado negativo", observou.

 

Cinco perguntas para Maria Cristina Hoffman

Por que a sociedade, apesar de envelhecida, tem dificuldade em lidar com os idosos?

Tem a ver com essa questão da forma como a gente se estrutura socialmente, do tanto que você estabelece o espaço, o lugar que cabe a essas pessoas. Nossa sociedade tem um histórico de que o Brasil, por muitos anos, foi um país de jovens. A gente não se preparou para compreender e, digamos assim, investir no processo de envelhecimento. Além disso, há a valorização pelo que você produz. Quando você envelhece, é aposentado, deixado de lado, não tem espaço. A gente precisa rever conceitos e valores.

Em que momento é possível perceber o surgimento do etarismo?

Esse comportamento de discriminação, de estigma, desconsidera a pessoa que está ali na sua frente. Quando você desconsidera, desvaloriza — está contribuindo ou praticando um ato de violência. Quando você desqualifica o outro, é muito mais fácil que tenha atitudes sem perceber.

Como combater uma construção cultural, e até educacional, da sociedade para o etarismo?

É investir em educação desde cedo. Acho que a gente precisa falar sobre envelhecimento, sobre pessoas idosas desde sempre. Dessa forma a gente possibilita essa convivência entre as diferentes gerações. Trazer os temas para a discussão, para que as pessoas compreendam que envelhecer é uma etapa da vida — e que cada etapa precisa ser entendida, trabalhada e ter visibilidade. Os idosos precisam ocupar espaço nos locais de decisão, de formulação de política, para ter a sua voz ouvida.

Isso muda se colocarmos na equação a desigualdade social?

Se tivermos espaços e políticas que garantam os direitos de todos, independentemente da característica dessa pessoa, da classe social, a gente tem menos dificuldade para avançar enquanto sociedade. Estamos falando, na verdade, de necessidade de políticas públicas efetivas que garantam o acesso.

Como essas políticas públicas devem começar a ser pensadas?

A partir da identificação de um problema, conhecendo a realidade, escutando as pessoas que estão envolvidas ou que são foco de determinada política. Quando se conhece a realidade, vão se definindo as prioridades — onde é preciso atacar inicialmente. Também é fundamental colocar luz no tema envelhecimento da população, porque só assim se vai trazer para a pauta política.