Cidadania

Envelhecimento populacional do DF impõe desafios para inclusão

Em 2022, Brasília passou a ser uma cidade em processo de envelhecimento. Esse cenário exige atenção do poder público em relação a equipamentos, infraestrutura e serviços, além do acolhimento da sociedade

Juliana Oliveira
Pablo Giovanni*
postado em 12/06/2022 06:00 / atualizado em 27/06/2022 19:32
Waldir Perizario, 85 anos, considera que o Sudoeste, onde vive, tem condições boas para idosos -  (crédito: Fotos: Pablo Gioavanni/CB/D.A Press)
Waldir Perizario, 85 anos, considera que o Sudoeste, onde vive, tem condições boas para idosos - (crédito: Fotos: Pablo Gioavanni/CB/D.A Press)

Os tabus e os receios relacionados à velhice são muitos. Entre fórmulas e suplementos que prometem retardar a ação do tempo, existe o temor de enfrentar as debilidades trazidas pelo processo de envelhecimento, afastando a perspectiva do que esse período realmente é: uma etapa da vida, com características próprias. A partir deste domingo (12/6), o Correio publica uma série de reportagens especiais jogando luz sobre o tema e olhando por diferentes ângulos a velhice na capital do país. Iniciando a série, que tem como recorte Brasília, o assunto não poderia ser outro: a velhice e a cidade.

Em 2030, a cada 100 jovens — até 14 anos —, a capital do país terá 95 moradores com mais de 60 anos. Os dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) corroboram um cenário conhecido pelos especialistas em demografia e apresentam uma aceleração desse processo. Isso porque, se em 2010, a população idosa correspondia a 4,9% do total de moradores; 12 anos depois, o número dobrou e chegou a 8,20%, classificando Brasília, oficialmente, como a unidade da federação que caminha para a prevalência do envelhecimento populacional.

Diferentes teses explicam o fenômeno e são analisadas. O fato é que o perfil maduro dos moradores de Brasília implicará em demandas específicas para garantir a qualidade de vida e o acesso aos espaços públicos dessa população, como explica o diretor científico da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e professor da faculdade de medicina da Universidade de Brasília (UnB) Otávio Nóbrega. "Envelhecer não é sinal de doença. Muitas pessoas conseguem preservar uma boa condição de saúde. A questão é que, até 2050, teremos mais idosos do que jovens de até 20 anos. Estamos investindo nas crianças, o que é muito necessário, mas o que estamos fazendo pela população que mais cresce?", indaga.

Para o médico, que acompanha o movimento demográfico local, o aumento é vertiginoso, e o país não tem políticas públicas pensando nesse cenário. "É preciso que se crie uma mudança de cultura, do cuidado coletivo e não só o individual. Quando Brasília ficar envelhecida, como ficam os espaços públicos, a economia, as relações familiares?", provoca o especialista.

Preocupação acompanhada pela arquiteta e urbanista Thaís Corrêa Cabral, 34 anos. "Antes de falarmos do futuro, é preciso encarar o agora", argumenta a pesquisadora, que acabou de publicar a tese de mestrado intitulada No parque com a 3ª idade: o papel do espaço público como suporte ao envelhecimento ativo. A partir desse trabalho, ela acompanhou a dinâmica de três parques que atendem a distintos recortes sociais e econômicos do DF — Parque Olhos D'água, na Asa Norte; Parque Jequitibá, em Sobradinho; e Parque Distrital, de São Sebastião — para compreender a interação das pessoas com mais idade dessas regiões. Os dois primeiros recebem um público com maior poder aquisitivo, enquanto o terceiro é destinado à população de classe média e média-baixa.

A inserção dos parques na malha urbana foi o ponto de partida para que a arquiteta e urbanista elencasse os aspectos excludentes para os idosos, como o longo cercamento, a ausência de bancos para descanso e a incapacidade de integração dessa parcela da população com outras faixas etárias. "Em São Sebastião, por exemplo, os equipamentos para os idosos são separados dos demais, sendo que, para eles, é fundamental o convívio com outras pessoas. Em Sobradinho, tudo é mais próximo, mais amigável", observa.

Thaís afirma que o estudo é uma forma de discutir a inserção da população mais velha no uso da cidade. "A cidade tem que favorecer o encontro, a permanência e o contato social do idoso. É interessante que tenhamos mais discussões e façamos as adaptações para abranger o maior número de pessoas, de forma inclusiva", ressalta.

Independência

É justamente a estrutura adequada nos arredores de casa que permite ao aposentado Waldir Perizario ter autonomia plena aos 85 anos. Morador do Sudoeste, ele vive com a esposa de 80 anos e o cachorrinho Tedd em um prédio residencial. Para o militar da reserva, as condições da região são ideais para que ele usufrua dos ambientes públicos. "Faço questão de exaltar as calçadas de hoje, que são sinalizadas para o público idoso e são ótimas para caminhar, mas sinto falta de uma ou outra rampa de acesso. Sempre fui bem exigente com as questões de acessibilidade, e a cidade me oferece todo o conforto para sair à noite para 'tomar uma' no barzinho. É uma segurança que eu não tinha antes e passei a ter aqui", complementa.

Em Samambaia, Arminda Moreira, 87 anos, reclama das calçadas quebradas e difíceis de andar
Em Samambaia, Arminda Moreira, 87 anos, reclama das calçadas quebradas e difíceis de andar (foto: Pablo Gioavanni)

Em Samambaia, a aposentada Arminda Moreira, 87, precisa fazer mais esforço para se manter ativa. Ao longo dos anos, atividades que eram corriqueiras ficaram mais penosas. "Durante a semana, é mais complicado. Quando preciso sair à noite, vou acompanhada de uma pessoa. De onde moro até o Hospital Regional de Samambaia, por exemplo, é tudo um caos. As calçadas são todas esburacadas, sem sinalização, cheias de desníveis, e sempre vejo cadeirantes que sequer optam por usá-las. Eles preferem ir pela pista. É um perigo", relata.

Mudança de cultura

Chefe do serviço de geriatria do Hospital de Brasília e professor da UnB, o médico Marco Polo Freitas acompanha, há 15 anos, as dificuldades dos pacientes. "O envelhecer exige muito do coletivo. A qualidade de vida do idoso está relacionada ao sentido de participação que ele tem, de propósito de vida. Então, está mais ligado ao coletivo. Os melhores locais para viver são aqueles em que a pessoa com mais de 60 anos consegue se locomover dentro e fora de casa", explica.

Marco Polo Freitas destaca que o calçamento e a acessibilidade afetam diretamente a qualidade de vida dos idosos. "Cerca de 30% dos que caem da própria altura desenvolvem uma síndrome que pode ser explicada como o medo da próxima queda. Esse receio de voltar a cair faz com que muitos pacientes fiquem em uma cadeira de rodas, mesmo sem problemas físicos", alerta. O médico enfatiza que o ideal seria trabalhar com prevenção, qualificação de infraestrutura, oferta de atividades físicas e bons hábitos como política pública.

Professora de estatística e demógrafa da UnB, Ana Maria Nogales defende que, para alcançar medidas efetivas na melhoria da cidade para essa parcela populacional, são necessários dados objetivos e pesquisas que deem protagonismo aos idosos. Integrante do Observa DF, organização sem fins lucrativos que avalia os serviços públicos na capital federal, ela conta que a instituição está justamente em campo com um levantamento qualitativo com pessoas acima de 60 anos. "O primeiro passo é saber como essas pessoas se sentem. Uma das dimensões que trazemos é a questão da moradia e o ambiente próximo às casas. Será que eles têm segurança para sair de casa, caminhar até algum comércio, para buscar um atendimento de saúde, ter acesso aos transportes públicos? Eles se sentem participantes ou excluídos da vida social?", explica.

A pesquisadora defende que Brasília precisa se tornar mais amiga dos idosos. O termo "amigo" é uma qualificação dada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como parâmetro de acolhimento para essa faixa vulnerável de cidadãos. "A cidade preparada para os mais velhos é apta para todas as idades, porque está contemplando os mais frágeis, aqueles que vão perdendo mobilidade, acuidade visual, destreza, capacidade auditiva e ficam suscetíveis a mais riscos. Então, é mais inclusiva", finaliza.

*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho

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