Ministério público do trabalho

Justiça condena Uber a pagar R$ 1 bi e a contratar motoristas

Segundo a sentença, a Uber ‘omite-se em estabelecer um mínimo de segurança financeira e de saúde’ aos motoristas. Empresa diz que irá recorrer

Em nota, a empresa que atualmente registra entre 500 mil e 774 mil profissionais prestadores de serviços pela plataforma, informou que vai recorrer a decisão. -  (crédito:  Reprodução)
Em nota, a empresa que atualmente registra entre 500 mil e 774 mil profissionais prestadores de serviços pela plataforma, informou que vai recorrer a decisão. - (crédito: Reprodução)
postado em 14/09/2023 23:24

A Uber foi condenada pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo a pagar R$ 1 bilhão por danos morais coletivo e a efetivar no âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) os motoristas com os quais tem contrato.

A sentença, do juiz Maurício Pereira Simões, foi tomada nesta quinta-feira (14/9) e atendeu a uma ação civil proposta pelo Ministério Público de Trabalho de São Paulo, baseada por denúncias feitas pela Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos (AMAA). 

Segundo o juiz, a multa de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos será dividida entre o Fundo de Amparo ao Trabalhador, que ficará com 90% do valor, e as associações de motoristas, que deverão receber os 10% restantes. Para isso, precisam ter registro em cartório. 

A sentença determina, também, a contratação em regime de CLT em até seis meses após o trânsito em julgado da ação. Após esse período, a empresa fica sob pena de multa diária de R$ 10 mil por motorista.

Em nota, a Uber, que atualmente registra entre 500 mil e 774 mil profissionais prestadores de serviços pela plataforma no Brasil, informou que vai recorrer a decisão.

"A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados”, disse a empresa.

Justificativa da sentença

Para o juiz responsável pela sentença, ficou evidente que a companhia deve ser responsabilizada, por ação e por omissão. Ele considera que a Uber “agiu dolosamente no modo de se relacionar com seus motoristas”, com sonegação de direitos mínimos.

“Não se trata nem sequer de negligência, imprudência ou imperícia, mas de atos planejados para serem realizados de modo a não cumprir a legislação do trabalho, a previdenciária, de saúde, de assistência, ou seja, agiu claramente com dolo, ou se omitiu em suas obrigações dolosamente, quando tinha o dever constitucional e legal de observar tais normas”, pontua o juiz.

Ainda segundo justificativa da ação, o MPT recebeu denúncias em 2016 de que os motoristas parceiros da plataforma trabalhavam em condições que levam a potenciais acidentes de trânsito, por não ter limite de jornada de trabalho.

O que diz a Uber

A Uber foi acionada pelos procuradores para apresentar documentação referente às denúncias protocoladas pela associação, mas de acordo com a sentença, a empresa não teria apresentado os documentos solicitados.

Em nota, a empresa afirma que a decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos desde 2017.

"Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho."

Leia a íntegra da nota da Uber

“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados.

Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo.
A decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.

A Uber tem convicção de que a sentença não considerou adequadamente o robusto conjunto de provas produzido no processo e tenha se baseado, especialmente, em posições doutrinárias já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.

Na sentença, o próprio magistrado menciona não haver atualmente legislação no país regulamentando o novo modelo de trabalho intermediado por plataformas. É justamente para tratar dessa lacuna legislativa que o governo federal editou o Decreto Nº 11.513, instituindo um Grupo de Trabalho 'com a finalidade de elaborar proposta de regulamentação das atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas', incluindo definições sobre a natureza jurídica da atividade e critérios mínimos de ganhos financeiros".

Jurisprudência

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6,1 mil decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma.

O TST já determinou em diversos julgamentos unânimes que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em um dos mais recentes, a 4ª Turma do TST considerou que motoristas podem “escolher, livremente, quando oferecer seus serviço, sem nenhuma exigência de trabalho mínimo”, o que deixa claro que há “práticas no modelo de negócios das plataformas online que distinguem bastante os serviços realizados por meio delas das formas de trabalho regulamentadas pela CLT”.

Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício”.

Recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) negou a existência de vínculo e revogou duas decisões de Minas Gerais declarando que uma delas “desrespeitou o entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT” e que a outra “destoa da jurisprudência do Supremo no sentido da permissão constitucional de formas alternativas à relação de emprego”.”

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