Em uma cerimônia histórica, o escritor, filósofo e ativista ambiental Ailton Krenak tomou posse, ontem, na Academia Brasileira de Letras. Nos 127 anos de existência, é a primeira vez que um indígena ocupa uma das cadeiras — a de número 5. Ele substitui o historiador José Murilo de Carvalho, que morreu em agosto de 2023. O evento foi na sede da ABL, no Centro do Rio de Janeiro.
Indagado, logo ao chegar, a respeito do significado de sua presença na academia, Krenak afirmou que simboliza uma "virada de página" na história da instituição e uma mudança na relação com os povos originários. "Espero que o Brasil inteiro, os outros brasileiros, possam entender que estamos virando uma página da relação da ABL com os povos originários. Venho para cá para trazer línguas nativas do Brasil para um ambiente que faz a expansão da lusofonia. Trago para cá as línguas indígenas. Acho que isso faz uma diferença muito grande na história do Brasil. Torço para que haja uma mudança na ABL, e outras diversidades étnicas que temos no Brasil também possam ganhar espaço", salientou.
No discurso de posse improvisado, Krenak criticou o etnocentrismo e o desprezo dos não indígenas pela cultura e o conhecimento dos povos originários brasileiros. Ressaltou, ainda, a importância do ensinamento oral, passado entre as gerações das comunidades nativas.
O cantor e compositor Gilberto Gil frisou que a posse de Krenak "significa, muito singelamente, o fato de que um homem muito interessante, e de uma origem muito especial, está chegando a uma casa consagrada, da literatura, da letra, da palavra. É um fato singelo e muitas outras coisas de que as palavras não dão conta".
Vestido com o fardão da ABL, mas sem abrir mão da tiara que representa seu povo, Krenak foi recebido pela ensaísta Heloísa Teixeira e agraciado pelo escritor e educador Arnaldo Niskier com a espada que complementa a indumentária acadêmica. A atriz Fernanda Montenegro passou-lhe o colar dos imortais e o diploma foi entregue pelo poeta e ensaísta Antonio Carlos Secchin.
Um dos projetos de Krenak é levar a ABL a criar uma plataforma voltada para as línguas e diversas culturas dos povos originários brasileiros. A ideia do escritor é que a academia abra um espaço semelhante ao da Biblioteca Ailton Krenak — que disponibiliza imagens, textos, filmes e documentos relacionados à cultura indígena.
"Desde que me convidaram, ou me animaram, para ocupar essa cadeira 5, me perguntava: 'Será que nessa cadeira cabem 300?' Como dizia Mario de Andrade: 'Eu sou 300'. Nesse caso, 305 povos que nos últimos 30 anos do nosso país, passaram a ter a disposição de dizer: 'Estou aqui'. Sou guarani, sou xavante, sou caiapó, sou ianomâmi, sou terena", lembrou Krenak.
A posse do escritor e filósofo foi prestigiada por integrantes do primeiro escalão do governo Lula — como os ministros Margareth Menezes (Cultura) e Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania); a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana; e o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, além de representantes de nações originárias de diversas regiões do país.
Krenak é mineiro de Itabirinha e seu povo, junto com os guarani-kaiowá, foi anistiado dia 2 pelas perseguições da ditadura militar.
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