Educação ambiental

Conferência Infantojuvenil de Meio Ambiente encara desafios no país

A poucos dias do prazo final para realização das etapas nas escolas, ministérios responsáveis pela iniciativa buscam soluções para driblar greves de professores e interrupção de aulas por questões climáticas

No Colégio Sagrados Corações, em Alto Paraíso (GO), estudantes destacaram temas como controle da poluição ambiental -  (crédito: Material cedido ao Correio)
No Colégio Sagrados Corações, em Alto Paraíso (GO), estudantes destacaram temas como controle da poluição ambiental - (crédito: Material cedido ao Correio)

Após oito anos de hiato, uma importante metodologia de fortalecimento da educação ambiental no país retorna em um cenário complexo e desafiador. A poucos dias para o prazo final da realização das etapas locais nas escolas, fixado em 30 de junho (próxima segunda-feira), a organização da sexta Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente (CNIJMA) corre contra o tempo e busca soluções para alcançar o maior número possível de centros educacionais, em um universo estimado em quase 62 mil entidades em todo o país, com potencial de mobilizar mais de 775 mil professores e 9 milhões de estudantes (do 6º ao 9º ano) de redes públicas e privadas.

A iniciativa é encabeçada pelo Ministério da Educação (MEC), em parceria com as pastas de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e terá como desfecho mais uma edição do evento nacional, em Brasília, previsto para outubro, quando será elaborado o documento conclusivo com propostas e reivindicações de crianças e adolescentes das diversas regiões do Brasil. 

Considerado um movimento estratégico para formação de novas lideranças socioambientais, bem como uma iniciativa complementar fundamental ao processo pedagógico atento às necessidades atuais, a Conferência Nacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente (CNIJMA) traz, em 2025, o tema Vamos transformar o Brasil com educação e justiça climática. "É um convite para que as comunidades escolares discutam a justiça climática, considerando a urgência de se ampliar a capacidade de respostas da sociedade brasileira a eventos extremos associados à crise do clima, especialmente pensando na vulnerabilidade a que estão submetidos jovens estudantes e as próprias escolas", explica Neusa Barbosa, analista do Departamento de Educação Ambiental e Cidadania do MMA. 

A sexta CNIJMA ainda se alinha aos esforços governamentais de preparação e mobilização social rumo à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), prevista para novembro, em Belém (PA), considerado o mais importante evento mundial sobre o tema. "É uma oportunidade de ecoar a voz de crianças e adolescentes sobre o que é mais relevante para as comunidades. Escutar a perspectiva dos estudantes sobre a questão da justiça climática, pautando, como uma pré-COP, qual a maneira como as escolas querem cuidar do clima e como elas querem ser cuidadas em termos de protocolos de resiliência. Temos a expectativa de participação de ao menos 20% do público alvo", explica Viviane Vazzi, coordenadora-geral de Educação Ambiental para a Diversidade e Sustentabilidade (MEC).

As boas intenções dos organizadores, no entanto, se chocam com a realidade cotidiana que apresenta greves de professores em importante capitais, como Brasília e Belo Horizonte, além de interrupção de aulas em municípios das regiões Sul e Norte, justamente devido a eventos climáticos extremos como enchentes causadas por chuvas intensas. "Vamos manter o cronograma nacional definido, mas estamos atentos às circunstâncias locais e esperamos atuar, caso a caso, para que todas as escolas interessadas tenham condições de participar do processo. Estamos dialogando e buscado alternativas", esclarece Viviane Vazzi. O Correio apurou que, no Distrito Federal, nenhuma escola ainda aderiu à iniciativa.

Desmonte nos últimos anos 

Uma breve análise sobre a história da CNIJMA permite observar que a educação ambiental sofreu grave desmonte nos últimos anos no país. O primeiro evento, em 2003, envolveu 5,6 milhões de pessoas, com participação de 15,5 mil escolas de 3.461 municípios. Esses números caem nas duas edições seguintes (2006 e 2009), mas volta a crescer em 2013 (16,5 mil escolas e 5 milhões de pessoas). Em 2018, a quinta conferência registrou 11,6 mil centros de ensino e 3,7 milhões de participantes. De lá pra cá, a política pública foi abandonada e tenta se restabelecer agora.

"Um grande desafio que estamos enfrentando é a situação da educação ambiental dentro das secretarias estaduais, que não estão fortalecidas. Na gestão anterior, a educação ambiental foi desmontada tanto no MEC como no MMA. Isso repercutiu nacionalmente. Agora, estamos reconstruindo esse segmento. Uma coisa importante que a CNIJMA pode fazer é fortalecer a educação ambiental dentro das secretaria de educação. A conferência não é um mero evento. Trata-se de um processo que fortalece a formação de professores e estudantes", explica a analista Neusa Barbosa, do MMA.

Uma experiência de destaque ocorreu em 2010, quando o Brasil sediou a Conferência Internacional Infantojuvenil pelo Meio Ambiente, com o tema Vamos Cuidar do Planeta, reunindo jovens de mais de 60 países. A metodologia brasileira foi exportada para o mundo, ampliando a iniciativa de educação e cidadania ambiental para mais de 13 milhões de estudantes e professores. Os resultados incluíram a redação da Carta das Responsabilidades e 1.200 textos destinados a ministros de Educação, de Meio Ambiente e à Organização das Nações Unidas (ONU).

"Uma nova política escolar de educação ambiental que está sendo analisada pelo MEC. A conferência cria um solo fértil para o lançamento dessa política e para uma caminhada sobre como as escolas cuidam do clima e de si mesmas. Nossas expectativas com a sexta CNIJMA passam pela nova consolidação da educação ambiental não apenas nas escolas, mas também nas secretarias de educação. Esperamos que o tema da justiça climática seja abordado a partir da dimensão do cuidado, de uma ação por comunidades de vida, onde as pessoas possam exercer a potência transformadora, tendo mais informações para criar planos de resiliência, compondo esse mutirão para o qual a COP30 nos convoca", completa a coordenadora Viviane Vazzi (MEC).

A Lei nº 14.926, de 17 de julho de 2024, incluiu a proteção da biodiversidade e as mudanças climáticas na Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA). A partir de 2025, essas temáticas são obrigatórias no currículo escolar e espera-se que a CNIJMA possa impulsionar a inclusão desses temas nos projetos pedagógicos das escolas. "Os benefícios são imensos. A juventude está diante de desafios sem precedentes para a humanidade e é muito valioso esta em comunidade, tecendo espaços de acolhimento e resiliência, onde a escola possa prevenir e recompor danos, a partir da perspectiva de 'territórios saudáveis', 'territórios de justiça e paz', 'territórios que se cuidam'. É uma oportunidade de acender a potência de ação da juventude, de alinhar o plano individual de cada estudante com a certeza de ter uma escola acolhedora, inclusive aos profissionais de educação. Discutir as mudanças climáticas para além de um saber científico, mas a partir da pauta do cuidado permanente com as comunidades e com a própria educação", finaliza Viviane Vazzi.

Exemplo na Chapada dos Veadeiros

 

Conferência Infantojuvenil pelo Meio Ambiente. São João d'Aliança-GO
Para Aleska Ferro, encontros nas escolas estimularam senso crítico, criatividade e elaboração de diagnósticos (foto: Material cedido ao Correio)

Localizado a cerca de 160km de Brasília, o município de São João d'Aliança, conhecido como portal da Chapada dos Veadeiros, despontou na realização das conferências nas escolas. A advogada Aleska Ferro atuou como voluntária na organização de eventos em dois colégios locais. Para a ativista, a iniciativa tem papel fundamental na construção de comunidades mais sustentáveis. "Foram processos essenciais para compreendermos como nossas crianças e jovens se percebem na sociedade: se têm noções sobre justiça climática e territórios, e como se sentem e se identificam com as questões ambientais do município", comenta Aleska, que participou como delegada da versão adulta da Conferência Nacional de Meio Ambiente, realizada no início de maio, em Brasília.

Segundo conta a voluntária, os encontros nas escolas estimularam o senso crítico, a criatividade e a elaboração de diagnósticos sobre a região. "Ambas as escolas priorizaram praticamente os mesmos problemas: descarte inadequado de resíduos sólidos e matéria orgânica, desmatamento e a urgente necessidade de cultivar valores internos — como amor, solidariedade e respeito — para a construção de um meio ambiente verdadeiramente sustentável", relata Aleska. Na zona rural, foi possível ainda levantar problemas específicos, como o uso excessivo de agrotóxicos, a queima de lixo (inclusive pela própria escola) e o severo desmatamento do córrego Vereda, em risco de extinção. "Entre as soluções propostas, destacam-se a ideia de 'plantar água', incentivar parcerias para a coleta seletiva e promover a educação ambiental de forma integrada com a comunidade", conta a voluntária.

Conferência Infantojuvenil pelo Meio Ambiente. Alto Paraíso-GO
Na Escola Estadual Gerson de Faria, em Alto Paraíso (GO), estudantes apresentaram o projeto 'Ciência Cidadã' (foto: Material cedido ao Correio)

Um pouco mais adiante, no município de Alto Paraíso, também na Chapada dos Veadeiros, o jornalista, guia turístico e educador socioambiental Marcos Cruz colaborou também em duas conferências nas escolas — uma unidade pública e outra privada. "O processo teve algumas dificuldades, pois o calendário em Goiás foi antecipado, o que inviabilizou a participação de mais escolas. Ainda assim, é uma iniciativa muito importante para a formação de protagonismo socioambiental", comenta Marcos.

Natural de São Paulo, ele atuou como consultor na terceira edição da CNIJMA, em 2010, para auxiliar os eventos do Pará, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Segundo o educador socioambiental, a semente plantada naquela época ainda gera bons frutos. "Isso faz 15 anos e, recentemente, na Conferência Nacional de Meio Ambiente, reconheci vários daqueles jovens como protagonistas em ONGs, vereadores e lideranças em movimentos sociais. Em tempos de mudanças climáticas, esse processo é muito importante para deixar um legado futuro de novas gerações atuantes para lidar nesse contexto desafiador", pontua Marcos.

  • Conferência Infantojuvenil pelo Meio Ambiente. Alto Paraíso-GO
    Na Escola Estadual Gerson de Faria, em Alto Paraíso (GO), estudantes apresentaram o projeto 'Ciência Cidadã' Foto: Material cedido ao Correio
  • Conferência Infantojuvenil pelo Meio Ambiente. São João d'Aliança-GO
    Para Aleska Ferro, encontros nas escolas estimularam senso crítico, criatividade e elaboração de diagnósticos Foto: Material cedido ao Correio
postado em 25/06/2025 08:00
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