
Bragança (PA) — Caranguejos, peixes e a madeira do mangue formam as principais fontes de sustento das comunidades que vivem próximas ou dentro dos manguezais paraenses. Porém, a coleta indiscriminada e o impacto geral da atividade humana no ambiente nos últimos anos trouxeram prejuízos para a sobrevivência. Nos últimos quatro anos, o projeto Mangues da Amazônia atua nos municípios vizinhos de Bragança, Tracuateua, Augusto Corrêa e Viseu orientando as vilas e comunidades que vivem na região a usar os recursos de forma sustentável. O Mangues também presta serviços psicossociais aos moradores, discute temas como a violência doméstica e auxilia na educação não formal de crianças e adolescentes.
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Na comunidade de Tamatateua, onde o Mangues da Amazônia instalou seus dois viveiros para o reflorestamento dos manguezais, o sustento das famílias depende diretamente do bioma. Edite Ribeiro da Silva, uma das lideranças comunitárias, aponta que 158 pessoas, dos 12 aos 60 anos, vivem de catar caranguejo nos mangues. Na região, cada animal é vendido por entre R$ 15 e R$ 30, dependendo do tamanho e da quantidade de carne.
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“Eu nasci, me criei aqui, sou filha de mãe solo. Minha mãe era pescadora, tiradora de caranguejo, agricultora, trabalhadora. Nosso terreno é na beira do mangue. Quando a gente saía da roça, não tinha o que comer, ela ia para o mangue tirar caranguejo para a gente sobreviver. Então o mangue é nosso berçário, é a nossa riqueza. Daqui do mangue dá você para você comer, para a sua educação. É daqui que a gente compra o nosso caderno, nossa roupa, nosso sapato”, contou.
Edite destaca que conservar o mangue é proteger a sobrevivência das próximas gerações da comunidade, que também vão depender do bioma. Citando como exemplo Recife, capital pernambucana, ela argumentou que há locais onde a degradação dos mangues diminuiu a quantidade de caranguejos e peixes disponíveis, prejudicando diretamente os moradores que dependem da pesca. “Se não cuidarmos, vai acontecer a mesma coisa. São muitos tiradores de caranguejo, de domingo a domingo. Se não cuidarmos, vai acabar. E se acabar? Vamos fazer o quê? Vamos viver do quê? As crianças que estão vindo, vão fazer o quê? Emprego nós não temos, indústria nós não temos. Não temos outra alternativa que não seja o mangue”, alertou.
Moisés Araújo, morador de Tamatateua, começou como voluntário no Mangues da Amazônia e hoje é funcionário do projeto, responsável pelo contato entre a iniciativa e a comunidade. Experiente em catar caranguejos no mangue, ele afirma que, atualmente, por causa da degradação, é preciso ir mais longe da vila e andar mais no manguezal para encontrar os animais do que há 10, 15 anos. Porém, como as mudanças ocorrem, gradualmente, muitos moradores não chegaram a perceber os prejuízos. Daí a importância das conversas entre os pesquisadores e membros do projeto com as comunidades locais.
“São impactos que acontecem, e, muitas vezes, nós mesmos causamos quando não temos consciência, quando não tiramos a madeira do mangue de forma sustentável. Hoje, nós fazemos em pequena escala, mas antes era em grande escala. Tinha derrubada de madeira para carvão, para olarias. Hoje, com os projetos, com a consciência, o povo já não tira tanto assim. Usa mais a madeira para os currais de pesca”, explica Araújo.
O professor titular da UFPA e um dos fundadores do Mangues da Amazônia, Marcus Fernandes, enfatiza a importância de se realizar o esforço de conservação pensando nas comunidades que dependem do mangue para viver. Ele conta que, apesar da base científica e das pesquisas acadêmicas que embasam as técnicas aplicadas na recuperação dos manguezais, o projeto faz questão de ouvir os moradores e encontrar soluções que atendam às suas necessidades.
“Eles têm um conhecimento absurdo sobre essa questão. Eu tenho, do meu ponto de vista, eles têm do deles, e a gente junta. Às vezes, não dá para juntar muito não, mas, às vezes, dá. E quando dá, você gera um conhecimento conjunto. Isso é legal, e ninguém está sobrepondo o outro”, diz o professor.
Alfabetização
A Vila dos Pescadores fica a cerca de 40km de Bragança, em Ajuruteua, na costa paraense. As praias da região chamam a atenção dos turistas pelas grandes faixas de areia e pelo pouco movimento. Em 2023, uma nova orla foi concluída no local, com ciclovias, quiosques, restaurantes, bancos e outros equipamentos públicos. Apesar da modernização, a maior parte das famílias que vivem na região mantém o estilo de vida intrinsecamente ligado ao manguezal e ao mar. As casas são construídas com madeira de mangue, e elevadas para evitar as macromarés amazônicas. Não há escola no local, e as crianças precisam viajar para vilas vizinhas para estudar. Segundo a pedagoga Pâmela Gonsalves, que atua como professora no programa de alfabetização Alfa Mangue, do Mangues da Amazônia, isso leva a uma alta taxa de ausência nas aulas, e prejudica o desenvolvimento dos alunos.
“Na atividade diagnóstica, a gente identificou que tem muitas crianças que não conseguem escrever seu próprio nome, que não conseguem identificar vogais, por exemplo, coisas simples. E essa distorção para a idade é séria, ela é bem grande aqui na comunidade”, explicou. O Alfa Mangue é um dos quatro clubes de educação realizados pelo projeto, cada um voltado a uma faixa etária, junto com: Clube do Recreio (4 a 6 anos); Clube de Ciências (10 a 12 anos); e Protetores do Mangue (13 a 15 anos). Ao todo, 1.223 crianças e adolescentes participam das atividades educativas. Todos os participantes moram nas comunidades atendidas pelo projeto, e são indicados pelas próprias escolas. No caso do Alfa Mangue, as aulas ocorrem semanalmente para cada turma. Em Ajuruteua, os moradores construíram uma espécie de galpão comunitário especialmente para ser usado para o ensino. As 22 crianças da Vila dos Pescadores que participaram das aulas aprenderam o alfabeto com animais e plantas do mangue: C de caranguejo, M de mangue e O de ostra, por exemplo.
Para Pâmela, é nítido o desenvolvimento das crianças com as aulas de reforço. “Às vezes, a gente acha que uma vez na semana é muito pouco, e que não tem resultado. Mas tem resultados imensos. Existem crianças que não conseguem identificar o próprio nome, e na atividade final já conseguem, já identificam palavras, já conseguem escrever algumas coisas. Isso a gente consegue mensurar com a atividade diagnóstica inicial e com a final”, explicou a professora. Além disso, as aulas ajudam a identificar estudantes que têm neurodivergências, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que são encaminhados para o atendimento psicossocial do Mangues da Amazônia.
A comerciante Rutilene Souza, que vende peixes na comunidade e em Bragança, conta que não conseguiu aulas particulares para sua filha, que estava com dificuldades de ler, e que ficou aliviada quando a garota foi selecionada para o Alfa Mangue. “Hoje em dia, ela sabe ler. Eles são excelentes professores, tratam com carinho, cuidam muito bem dos nossos filhos”, comenta Dona Rute. Emocionada, ela destacou a importância do projeto para as comunidades com dificuldades no acesso ao ensino. “A educação abre portas. Quando não sabemos ler, as portas não se abrem. Essas crianças precisam muito. Elas estão crescendo”, enfatizou.
Apoio
O Mangues da Amazônia é um dos 160 projetos socioambientais financiados pela Petrobras, em todos os biomas. Apenas na Amazônia Legal, são 34, somando cerca de R$ 296 milhões em investimentos. A gerente de Riscos Sociais e Direitos Humanos da Petrobras, Sue Wolter, aponta que o Mangues chama a atenção pelo retorno dado à comunidade. Ela explica que a estatal avalia os projetos selecionados e que, em média, cada R$ 1 investido representa um retorno de entre R$ 4 e R$ 5 para a comunidade local. No caso do Mangues, o retorno é de R$ 7. Os editais também exigem que os esforços de conservação estejam acompanhados por iniciativas sociais. Em visita à aula do Alfa Mangue, Sue comentou que a interação dos estudantes com a aula é um sinal claro de que a iniciativa é crucial para o desenvolvimento das comunidades.
“Quando você vê essa criança engajando num projeto como esse, você vê essa criança sorrindo, você vê aí um resultado concreto de proteção. Você articula a rede que está no território, de proteção à infância e à adolescência, os centros, as políticas públicas, e você tem ali uma rede de denúncia, de apoio e de reinserção desse jovem”, afirmou a gerente. “A gente vê hectares conservados, a saída de animais da lista de risco, a aprovação das crianças. A formação dessas crianças, a entrada em cursos profissionalizantes ou à universidade, e o aumento da renda”, pontuou.
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