Isonomia competitiva é essencial para o setor de Downstream

Segmento voltado ao refino, distribuição e comercialização de combustíveis enfrenta concorrência desequilibrada

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postado em 17/10/2025 13:14 / atualizado em 30/10/2025 18:08
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Matéria escrita por Gabriella Collodetti, jornalista do CB Brands, estúdio de conteúdo do Correio Braziliense

Enquanto o consumidor sente no bolso as oscilações nos preços dos combustíveis, uma guerra menos visível afeta diretamente os valores praticados nas bombas e preocupa o setor de Downstream. Além de práticas irregulares e desleais de concorrência que diretamente distorcem o mercado, comprometem a arrecadação do Estado e, no longo prazo, encarecem o combustível para todos, autorizações específicas, como decisões judiciais, que alteram a aplicação de normas tributárias ou regulatórias para alguns agentes também afetam a isonomia competitiva do setor.

Sabe-se que a isonomia competitiva é um pilar essencial para a construção de um ambiente de negócios saudável e sustentável. Neste segmento, que abrange o refino, a distribuição e a comercialização de combustíveis, essa equidade se torna ainda mais crucial devido à complexidade da cadeia e ao impacto direto nos preços ao consumidor, na arrecadação pública e na segurança energética do país.

"Isonomia competitiva, em breve resumo, seria que todos os jogadores joguem no mesmo campo com as mesmas regras. É possibilitar que os melhores e piores competidores sejam definidos por seus méritos empresariais e não por fatores artificiais, como haver apenas alguns que possam usufruir de um benefício ou estar obrigados a certos custos." Ana Mandelli, diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

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No entanto, essa isonomia tem sido ameaçada por uma série de situações que distorcem o equilíbrio de mercado. Um exemplo bem evidente é a concessão de benefícios fiscais exclusivos – seja por meio de legislações específicas ou de decisões judiciais liminares – que favorecem apenas alguns agentes econômicos.

Quando apenas uma empresa ou grupo é beneficiado, o resultado é a criação de uma concorrência desequilibrada, que pode levar à concentração artificial de mercado, redução da diversidade de oferta e, no longo prazo, preços mais altos para os consumidores ou mesmo problemas de abastecimento.

A especialista alerta que o abastecimento de combustíveis é serviço de utilidade pública e exige elevados investimentos em segurança operacional e logística. Por isso, segundo Mandelli, é preciso haver um mercado sadio e competitivo, onde os agentes se sintam seguros para investir em melhores produtos e serviços para conquistar clientes.

Considerado um setor sensível às distorções competitivas, o Downstream possui margens muito apertadas, com alta demanda de investimentos e uma tributação elevada e complexa. "Qualquer diferença tributária ou de outros custos, como a aquisição de biocombustível para mistura no diesel, gera um impacto relevante", informa.

Diante desse cenário, o IBP defende ser fundamental que os órgãos de controle e regulação, como a ANP, o CADE, o Judiciário, os Tribunais de Contas e o Congresso Nacional, estejam atentos às distorções tributárias e regulatórias que comprometem a competitividade no setor. A proteção do interesse público exige uma atuação firme para garantir a equidade concorrencial e combater práticas que favoreçam mercados paralelos ou irregulares.

 

"A ANP, órgão de regulação e fiscalização, e os órgãos fazendários, realizam um relevante trabalho de combate às irregularidades, também nos processos de consultas para aprimoramento das normas. Porém, enfrentam escassez de recursos diversos. Por isso é essencial uma visão mais profunda e integrada dos diversos órgãos e Poderes sobre esse aspecto da isonomia competitiva, dos potenciais impactos para o setor de uma decisão ou norma que gere efeitos limitados a certos agentes." Ana Mandelli, diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

A executiva acredita que, para garantir mais competitividade no setor, é fundamental combater o mercado irregular. "Sobretudo de forma integrada e com serviços de inteligência, como vimos na recente Operação Carbono Oculto”, afirma.

Considerada a maior operação contra o crime organizado da história do Brasil em termos de cooperação institucional e amplitude, a Operação Carbono Oculto tem o objetivo de desmantelar esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis. Segundo a Receita Federal, em 2025, estão sendo cumpridos mandados de busca e apreensão em cerca de 350 alvos – pessoas físicas e jurídicas – localizados em oito estados.

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Agenda legislativa é essencial

Práticas ilícitas como fraudes, sonegação, roubos de mercadoria, assim como medidas regulares como uma autorização específica isentando um agente de recolher um tributo, ameaçam a necessária isonomia do setor.

Mandelli informa que benefícios fiscais exclusivos ou decisões judiciais pontuais podem afetar a concorrência entre agentes econômicos. Como a tributação é elevada e complexa, qualquer diferença pode gerar um grande impacto. "Todo e qualquer cidadão pode recorrer ao judiciário, é um direito fundamental que não se questiona. O ponto é destacar esses impactos para as autoridades analisarem as consequências da decisão ou concessão de um benefício, se de fato é apenas para um agente ou deve ser uma mudança mais ampla, de caráter geral", afirma.

Por essa razão, além da vigilância institucional, é urgente avançar em uma agenda legislativa robusta, que consolide e aperfeiçoe a tributação do setor e os mecanismos legais de combate à concorrência desleal. Entre os instrumentos essenciais está a regulamentação mais efetiva do Devedor Contumaz, criando barreiras permanentes à atuação desses agentes e restaurando o equilíbrio do mercado.

Atenção redobrada

A região Norte do Brasil foi evidenciada como um caso emblemático dessa distorção. A combinação entre liminares judiciais e novos incentivos tributários regionais, direcionados a agentes específicos, tem causado profundas assimetrias entre os competidores do setor. Essas práticas desestimulam investimentos de longo prazo, favorecem o enfraquecimento de empresas que cumprem rigorosamente suas obrigações e, em última instância, colocam em risco a livre concorrência.

"É um exemplo eloquente, pois é uma região com diversos desafios logísticos e operacionais, por isso existe a possibilidade de tratamentos especiais para atrair novos agentes e incentivar investimentos. A ocorrência, porém, de decisões judiciais e benefícios ao longo dos anos, ao contrário da atração de novos agentes, acabou por concentrar artificialmente o mercado." Ana Mandelli, diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

Neste cenário, o desequilíbrio não se limita a problemas para empresas. Ao longo do tempo, a distorção competitiva induz a uma concentração artificial de mercado. Com menos concorrência, o consumidor tende a ser impactado por preços mais altos e menor diversidade de oferta. “Em razão da complexidade do setor, mesmo distorções pontuais ou de curto prazo geram grandes impactos, que, no longo prazo, podem representar problemas de oferta ou mesmo desabastecimento", acrescenta Mandelli.

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