Matéria escrita por Gabriella Collodetti, jornalista do CB Brands, estúdio de conteúdo do Correio Braziliense
A paralisia na votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022, conhecido como o Projeto do Devedor Contumaz, acende um grave sinal para as instituições brasileiras. Ao não ser votada na Câmara dos Deputados, a proposta, que busca distinguir o devedor eventual daquele que utiliza empresas de fachada e fraudes estruturadas para lesar os Estados e a Federação, coloca em xeque a própria capacidade de arrecadação do país. O alerta é feito por oito frentes parlamentares que assinam um manifesto em apoio a sua aprovação.
De acordo com o documento, “o projeto representa uma oportunidade histórica de modernizar a relação entre fisco e contribuinte, promovendo segurança jurídica, previsibilidade regulatória e redução da litigiosidade tributária”. O Instituto Combustível Legal (ICL) reforça que a atual legislação enfraquece o trabalho dos órgãos fazendários estaduais, como também compromete a atuação da Receita Federal e da Polícia Federal no combate ao crime tributário e à lavagem de dinheiro, abrindo espaço para que organizações criminosas ampliem seu controle sobre setores econômicos estratégicos.
"Ao não aprovar o projeto, o Congresso mantém um vácuo legal que favorece organizações criminosas e enfraquece os bons pagadores, perpetuando um cenário de injustiça fiscal e distorção concorrencial." presidente do ICL, Emerson Kapaz.
Recentemente, o Requerimento 3.789/2025, que solicita urgência para a apreciação do PLP 125/2022, trouxe um novo movimento que vai ao encontro da necessidade de acelerar a análise e a implementação do Código de Defesa do Contribuinte manifestada por movimentos sociais e por frentes parlamentares. A aprovação do projeto é encarada como um movimento estratégico dado o impacto potencial na regularização fiscal e no combate às fraudes no país.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a aprovação do projeto representaria uma recuperação de arrecadação de R$ 14 bilhões anuais por ano, que são perdidos, apenas com o setor de combustíveis. O manifesto assinado pelas oito frentes parlamentares traz mais dados: “estima-se que o Brasil tenha hoje cerca de 1.200 CNPJs classificados como devedores contumazes, acumulando mais de R$ 200 bilhões em dívidas tributárias. Com a aprovação do projeto, até R$ 30 bilhões por ano poderão ser recuperados, recursos suficientes para financiar milhares de escolas, hospitais e projetos estruturantes em todo o país”.
Na prática, isso acontece porque, apesar da Receita Federal, das Secretarias de Fazenda estaduais e da Polícia Federal conseguirem identificar irregularidades, não há instrumentos legais específicos para caracterizar e tipificar a reincidência sistemática da fraude. O resultado, segundo o ICL, é uma atuação mais limitada: autuações são facilmente revertidas sob efeito de liminares, e as empresas voltam a operar sob outro nome. O PLP 125/2022 traria uniformidade e força jurídica para coibir esse ciclo criminoso.
O PLP 125/2022 tem como objetivo preencher uma lacuna na legislação tributária brasileira ao definir, de forma clara, quem é o devedor contumaz — aquele que, de maneira deliberada e sistemática, utiliza a inadimplência como modelo de negócio para obter vantagem competitiva ilícita. O projeto não mira o empresário que enfrenta dificuldades momentâneas, mas sim grupos econômicos estruturados que se valem de esquemas fraudulentos, empresas de fachada e manobras contábeis para driblar o fisco e
desequilibrar o mercado.
"O devedor contumaz não é um simples inadimplente, mas um agente que estrutura o não pagamento de tributos como modelo de negócio. Ele cria empresas de fachada, oculta patrimônio, muda de CNPJ com frequência e utiliza brechas legais para operar à margem
da lei. Diferentemente do contribuinte comum, que pode ter dificuldades pontuais de caixa,o contumaz age com intenção deliberada de fraudar o Estado, concorrentes e consumidores, comprometendo a arrecadação e o equilíbrio competitivo do mercado." presidente do ICL, Emerson Kapaz.
O executivo explica, ainda, que o devedor contumaz distorce o mercado, vendendo produtos com preços artificialmente baixos obtidos pela sonegação e inadimplência, o que cria um ambiente de concorrência desleal. “Já vimos casos de empresas idôneas fechando as portas por não conseguirem acompanhar preços abaixo do custo praticados por grupos fraudulentos. Essas companhias têm de pagar tributos, cumprir normas e investir em qualidade, enquanto o contumaz atua sem nenhuma dessas obrigações. O resultado é devastador para a economia formal”, lamenta.
Segurança nacional
De autoria do Senado Federal, o texto busca oferecer instrumentos legais para que os estados e a União possam identificar, punir e desarticular essas práticas, fortalecendo a arrecadação e protegendo o ambiente concorrencial. Apesar de sua relevância, o PLP ainda não foi levado à votação na Câmara dos Deputados, o que tem gerado crescente preocupação entre autoridades fazendárias e entidades de controle.
Na percepção do presidente do ICL, há resistências políticas e pressões de grupos econômicos que se beneficiam da ausência de regulação. O executivo reforça que o projeto tramita no Congresso há mais de oito anos. Para Kapaz, muitos parlamentares ainda tratam o tema sob ótica fiscal ou arrecadatória, quando, na verdade, é uma questão de ordem pública e combate ao crime organizado.
Caso o PLP 125/2022 não seja aprovado, o especialista avalia um enfraquecimento da capacidade do Estado em combater crimes fiscais estruturados. "Hoje, o Brasil perde bilhões de reais por ano em arrecadação e vê crescer a atuação de organizações econômicas disfarçadas de empresas. O projeto é uma ferramenta essencial de combate ao crime fiscal organizado, pois permitiria ações integradas entre fiscos, ministérios e forças policiais. Sem ele, o Estado continua agindo de forma reativa, sempre um passo atrás dos sonegadores", ressalta.
De acordo com Kapaz, o cenário é ainda mais alarmante quando se observa dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que apontam o lucro do crime organizado com fraudes no mercado de combustíveis, estimado em R$ 62 bilhões anuais, superando em quatro vezes o lucro do tráfico de cocaína, que gira em torno de R$ 15 bilhões. Para o presidente do ICL, o projeto trata-se de uma questão de justiça tributária, mas também de segurança nacional.
"Estamos falando de um problema que financia o crime organizado e corrói o Estado brasileiro por dentro. A sonegação contumaz movimenta volumes bilionários, muitas vezes lavados em setores estratégicos. Aprovar o PLP 125/2022 é proteger o erário, garantir
concorrência leal e reforçar o pacto federativo. É, ao mesmo tempo, uma medida de justiça fiscal e de segurança nacional." presidente do ICL, Emerson Kapaz.
