Está nas mãos do Congresso Nacional corrigir uma enorme distorção, que emperra e desestimula a inovação no país. Os atrasos nas análises de patentes continuam a representar um problemão para os cientistas e desestímulo real à ascensão, por exemplo, do mercado brasileiro de biotecnologia – avaliado em US$ 18 bilhões (2024). Que é a combinação de conhecimentos de genética, microbiologia, engenharia e outras áreas para inovação em setores como alimentação, medicamentos (vacinas, antibióticos) e soluções ambientais.
De acordo com o Movimento Brasil Pela Inovação - uma recém-criada coalisão de entidades do setor - a solução é simples, dependendo apenas de ajustes na Lei de Propriedade Industrial (LPI). Ou seja, é preciso modernizar a Lei 9.279/96, de forma a permitir a adoção de um mecanismo de compensação por atrasos no exame de patentes de invenção, que vigora em países mais inovadores, denominado PTA (Patent Term Adjustment). Para adoção desse ordenamento jurídico já existem duas propostas em tramitação no Congresso - Emenda número 4 ao Projeto de Lei 2210/22 (no Senado) e o Projeto de Lei 5810/25 (na Câmara).
O Brasil, que detém a maior biodiversidade do planeta, ocupa apenas a 52ª posição no Global Innovation Index, entre 132 países avaliados. Uma das razões é que o tempo médio para concessão de patentes é muito superior ao de outras economias, o que reduz o período de exclusividade, compromete a segurança jurídica e desestimula investimentos em inovação.
“Leis claras e previsíveis são fundamentais para atrair investimentos e transformar o Brasil em um polo de excelência tecnológica. Com segurança jurídica, pesquisas e desenvolvimento ganham novo impulso, permitindo que a bioeconomia cumpra seu papel no crescimento sustentável do país”, afirma Thiago Falda. Presidente executivo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Falda é porta-voz da coalizão, da qual é parte a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI); a Interfarma; o Instituto Brasileiro de Comércio Internacional, Investimento e Sustentabilidade (IBCIS); o Instituto Livre Mercado (ILM) e a CropLife Brasil.
Implantação do PTA
“Unimos forças para promover a segurança jurídica e impulsionar a inovação no Brasil. Nascemos da preocupação com o ambiente de negócios, com a credibilidade de nossas instituições diante da morosidade na análise de patentes”, diz Falda. Destaca que a aprovação do PTA é essencial para destravar o potencial inovador brasileiro. Para avançar, as principais entidade do setor de biotecnologia estão focadas em apoiar a aprovação desse dispositivo legal, que compensa os inventores por atrasos durante o processo de análise de patentes, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O PTA vai permitir alterações, estendendo o prazo de vigência da patente e garantindo segurança jurídica para quem investe em pesquisa. Está assegurado na Emenda número 4 ao PL 2210/22, projeto que visa modernizar o processo de patentes e melhorar o caminho da inovação no Brasil. Tem ainda uma proposta específica para a implementação do PTA, o PL 5810/25, prevendo flexibilização de até cinco anos para patentes em atraso no INPI.
Especialistas apontam que o processo geral de concessão de patentes no Brasil andou bastante. Mas no caso do setor de biotecnologia, os entraves para cerca de 600 empresas maduras e startups aumentaram, no contexto da pandemia da Covid-19, por exemplo. Em maio de 2021, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-5.529/DF) questionando o parágrafo púnico do artigo 40 da LPI, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reduziu a forma de contagem do prazo de vigência de patentes no país.
O efeito foi imediato para o setor farmacêutico. Vejam o exemplo do caso do Vonau Flash, um antiemético utilizado na prevenção e tratamento de náuseas e vômitos, cuja molécula fruto de pesquisa em ambiente acadêmico em parceria com a empresa Biolab, chegou a equivaler 90% dos royalties recebidos pela Universidade de São Paulo (USP). Levou 13,5 anos para obter a carta patente, que valia até 2028, mas substituída por outra até 2024.
Falhas do Estado
Autor do Vonau Flash, o professor associado da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e diretor-presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Farmacêuticas, Humberto Ferraz, explica que a medida do STF levou ao encerramento prematuro do recebimento de royalties pela universidade, além de impactar recursos para pesquisas em outros projetos.
“Causou um ambiente de insegurança e criou uma distorção muito grande que existe hoje, por conta dessa demora. Um desestímulo à inovação no Brasil, e somos cada vez mais dependentes de inovação. A gente precisa acertar isso revisando a nossa lei de patentes, com a Emenda número 4 que cria o PTA, que não é novidade, pois é um dispositivo que existe em outros países”, diz o professor.
“O Brasil precisa dar uma guinada nessa direção, porque nós exportamos muita matéria prima e pouca tecnologia, inovamos muito pouco”, prossegue Ferraz. “Precisamos fazer um movimento forte na direção da inovação, e para isso temos que ter as coisas muito bem regulamentadas”.
Para o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) o projeto quer devolver previsibilidade a quem investe em pesquisa e inovação no Brasil, garantindo um período mínimo de proteção patentária compatível com o padrão usado no resto do mundo. Países inovadores como Estados Unidos, Coréia do Sul, Singapura e os que compõem a União Europeia já têm mecanismos que compensam o inovador nos casos de atrasos do governo. O PL faz o Brasil caminhar na mesma direção e cria um ambiente mais favorável.
O deputado afirma que corrigir esse problema criado pelo vácuo deixado pelo STF é imprescindível para as atividades de inovação da Zona Franca de Manaus e para o desenvolvimento da Amazônia. Segundo ele, quando o Estado demora além do razoável para analisar uma patente, o inventor perde parte do tempo que teria direito para aproveitar sua criação — o que desestimula investimentos e reduz a segurança jurídica no país.
Futuro inovador
Ao apoiar a proposta do parlamentar, o porta-voz do Movimento Brasil Pela Inovação reforça a urgência na aprovação de medidas estruturantes, como a criação do PTA via Emenda 4 ao PL 2210/2022 ou PL 5810/2025. Reafirma serem passos cruciais para um Brasil mais moderno, inovador e comprometido com o avanço tecnológico.
“São duas vias para um futuro inovador do país, e contamos com o amplo apoio parlamentar para fortalecer a inovação no país. A inovação é um ambiente complexo que depende de financiamento, estabilidade regulatória, ecossistema de inovação e proteção ao desenvolvedor", explica Thiago Falda. “O país pode deixar de ser apenas consumidor de tecnologia e se tornar protagonista global em bioeconomia, IA, saúde, transição energética e defesa”.
