Leilão do Tecon Santos 10 gera preocupação com nota técnica do Ministério de Portos

Texto proposto para certame viola os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade, e pode acarretar prejuízo para o Brasil de R$13,4 bilhões anuais sem a ampla concorrência

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postado em 02/10/2025 15:13 / atualizado em 02/10/2025 18:31
Brasil pode perder R$ 13,4 bilhões anuais sem a ampla concorrência -  (crédito: Divulgação)
Brasil pode perder R$ 13,4 bilhões anuais sem a ampla concorrência - (crédito: Divulgação)

*Este conteúdo é um informe publicitário.

Os portos brasileiros são fundamentais para o comércio internacional e para o fortalecimento da economia brasileira. Em 2024, a movimentação portuária do Brasil alcançou 1,32 bilhão de toneladas. Nesse contexto, o Porto de Santos se destaca como principal elo logístico nacional, concentrando quase 40% da movimentação de contêineres. 

No entanto, de acordo com o Porto Livre Brasil – iniciativa de comunicação dedicada à promoção do debate qualificado e transparente sobre o setor portuário e logístico brasileiro – nos últimos anos, devido ao grande tempo de espera de navios para atracar, a perda de eficiência vem comprometendo substancialmente o desempenho do comércio exterior brasileiro. 

Para mudar esse cenário, o leilão do Tecon Santos 10 surge como uma iniciativa estratégica para ampliar a capacidade do Porto de Santos, retomar a eficiência, assegurar o atendimento à crescente demanda do setor e consolidar a posição do Brasil no transporte marítimo mundial. Apesar disso, na última sexta-feira (26), o Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR) apresentou uma nota técnica que levantou preocupações.

O texto da pasta defende um leilão público para concessão do Tecon Santos 10 em 2 fases, sendo que na primeira etapa não poderão participar as empresas atualmente instaladas em Santos. Na prática, isso significa que o governo federal tem o intuito de conceder a administração do futuro terminal a uma nova empresa operadora de contêineres. Posicionamentos já emitidos pelo Ministério da Fazenda, o gabinete do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) não apoiam as argumentações de leilão em fases nem do MPOR e nem da agência reguladora ANTAQ. E, agora, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) também defende um certame aberto a todos os interessados no investimento do novo terminal.

A auditoria técnica do TCU afirma, por exemplo, que as restrições pensadas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e pelo MPOR violam os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade, baseando-se em riscos hipotéticos, sem evidência técnica suficiente para impedir a participação de empresas que já operam no porto entrem na disputa.

“As restrições prejudicam a eficiência e a movimentação, trazendo uma redução direta no fluxo de riqueza no país. Elaboramos e submetemos ao TCU um estudo que estima R$ 13,4 bilhões anuais de perda de arrecadação tributária caso o leilão não permita armadores ou incumbentes. Em ordem de grandeza, equivale a uma reforma do IOF ou do Imposto de Renda”, afirma o advogado Cássio Lourenço, sócio da Lourenço Ribeiro Advogados e especialista no setor portuário. 

O especialista aponta que a nota do Ministério de Portos é extremamente preocupante. "Não traz nenhum dado, nenhuma evidência, nenhuma fundamentação”, reforça. Lourenço também estranhou o fato de a nota assinada pela Secretaria de Portos, órgão do MPOR, citar questões geopolíticas e experiências internacionais como respaldo ao  impedimento de lances dos incumbentes. “A experiência internacional é o exato oposto do que alegam, pois a escala colossal e as operações frequentemente concentradas ou altamente coordenadas são a norma”, complementa.

O edital inicial do leilão quer impedir empresas já atuantes no Porto de Santos de participarem da primeira fase da licitação, autorizando sua entrada apenas em uma etapa posterior. No entanto, auditores da AudPortoFerrovia, especializada em infraestrutura portuária e ferroviária, recomendaram ao ministro Antonio Anastasia, relator do caso no Tribunal de Contas da União, a realização do certame em fase única, com a participação irrestrita de todos os interessados. Caso a orientação seja acolhida, será necessária a revisão do edital.

Em defesa dos usuários dos serviços dos portos, o executivo Eduardo Heron, diretor técnico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), também demonstra preocupações, especialmente por representar 96% do volume de café exportado pelo Brasil. “Tenho conversado com os exportadores de açúcar, de algodão e de outros setores dependentes de logística eficiente e posso garantir que todos estão muito preocupados com essa posição estranha do ministério”, atesta.

O executivo aponta que a insistência no modelo de licitação apresentado, se mantido, levará à judicialização e ao atraso dos cronogramas. "Queremos que esse processo licitatório ocorra ainda este ano. Se houvesse o alegado risco concorrencial numa participação ampla e de todos os interessados, nós, usuários, seríamos os primeiros a apontar", acrescenta. Ele destaca, ainda, que a maior preocupação é ter capacidade dos portos na exportação. 

Para o especialista em engenharia de transportes e sócio da Neowise Consultoria, Luís Montenegro, os argumentos divulgados pela Secretaria de Portos não apresentam fundamentos ou comparativos. “A nota técnica se choca com as posições já expressas pelo CADE, pelo Ministério da Fazenda, pelo chefe de gabinete do MDIC, Pedro Guerra, e até mesmo do corpo técnico do TCU. O lamentável é que coloca em dúvida a capacidade da própria ANTAQ e do CADE em coibir e corrigir eventuais problemas concorrenciais posteriores à licitação”, informa.

CADE se opõe

De acordo com a manifestação do CADE, não existem riscos concorrenciais explícitos que justifiquem, no edital de licitação do Tecon Santos 10 do Porto de Santos, a exclusão das empresas que já tenham terminais no local, conforme o texto do edital de licitação publicado pela ANTAQ.

“A nota técnica do CADE a respeito do novo Tecon Santos 10 afirma expressamente que, nas atuais circunstâncias, inexistem problemas concorrenciais que justifiquem a exclusão de atuais operadores do Porto de Santos”, enfatiza o advogado Luiz Hoffmann, sócio do escritório Almeida Prado e Hoffmann Advogados e ex-conselheiro do CADE.

O desinvestimento também proposto como remédio não é visto como solução pelos especialistas. Carlos Ragazzo, professor de Direito Concorrencial e de Regulação da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que existem formas mais eficazes para se desenhar esse leilão. "Não faz sentido estabelecer restrições por questões específicas. Estamos falando de um investimento de médio prazo, que não gera incremento de capacidade nos primeiros anos. Se houver algum tipo de indicativo de concentração, haverá tempo para se corrigir", contextualiza.

Para Ragazzo, está se debatendo muito a questão de Santos e pouco sobre as vantagens de ter o máximo de participantes possível no leilão, inclusive os atuais operadores. "As empresas que já estão em Santos conhecem o local e as necessidades da operação, o que pode permitir um investimento de melhor qualidade. É bom lembrar que um porto é um hub de exportação e importação de diversos produtos, como café, soja e carne. Temos que levar em conta também quem poderá realizar investimentos com melhor qualidade", ressalta.

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Veja como foram as manifestações as instituições em relação à ampla participação no leilão do Tecon Santos 10:

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