A creatina é um dos suplementos mais pesquisados do mundo, com uma reputação consolidada na melhora da performance em exercícios de força. No entanto, o interesse científico tem se expandido para além das academias, investigando o papel da creatina no metabolismo de órgãos com alta demanda energética, como o cérebro e, de forma mais exploratória, o próprio coração. É crucial e inegociável afirmar desde o início: qualquer pessoa com uma condição cardiovascular preexistente nunca deve consumir qualquer suplemento, incluindo a creatina, sem a avaliação e a aprovação explícita de um médico cardiologista.
Este artigo irá explorar, de forma segura e baseada em evidências, o que a ciência sabe sobre o papel da creatina no metabolismo energético do coração e o que pesquisas preliminares sugerem, separando o que é fato científico do que ainda é um campo de investigação.
O músculo cardíaco utiliza creatina da mesma forma que os outros músculos?

Sim, e de forma ainda mais crítica. O coração é um músculo que trabalha incessantemente, 24 horas por dia, com uma demanda de energia extraordinariamente alta e constante. Para suprir essa demanda, ele depende de um sistema altamente eficiente para gerar e transportar energia dentro de suas células.
O coração utiliza de forma intensa o sistema creatina quinase, o mesmo sistema que a creatina suplementar apoia nos músculos esqueléticos. A fosfocreatina atua como uma “bateria” de reserva, garantindo um suprimento imediato e contínuo de ATP (a principal molécula de energia) para a contração cardíaca. Um sistema creatina quinase saudável é um marcador de um coração com bom metabolismo energético.
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O que acontece com os níveis de creatina em um coração com insuficiência cardíaca?
É aqui que a pesquisa se torna clinicamente relevante. Estudos que analisaram o tecido cardíaco de pacientes com insuficiência cardíaca — uma condição em que o coração não consegue bombear sangue de forma eficiente — encontraram consistentemente uma depleção significativa nos níveis de creatina e fosfocreatina.
Essa “crise energética” é considerada uma das características da progressão da insuficiência cardíaca. A incapacidade do coração doente de manter seus estoques de energia contribui para a perda de sua força contrátil. Essa observação levou os pesquisadores a levantarem uma hipótese: a suplementação com creatina poderia ajudar a restaurar esses níveis de energia e, consequentemente, melhorar a função cardíaca?
O que as pesquisas preliminares sugerem sobre a suplementação em pacientes cardíacos?
É fundamental abordar este ponto com extrema cautela. Algumas pesquisas, em sua maioria estudos clínicos pequenos e mais antigos, investigaram o uso da creatina como uma terapia adjuvante (complementar) para pacientes com insuficiência cardíaca crônica estável.
Os resultados, revisados por instituições como a Cochrane Library, mostraram que a suplementação de creatina não melhorou significativamente a função de bombeamento do coração em si (a fração de ejeção). No entanto, alguns desses estudos observaram um benefício modesto na força e na resistência dos músculos esqueléticos (das pernas, por exemplo) desses pacientes, o que poderia levar a uma melhora na sua capacidade de realizar atividades diárias e na qualidade de vida. A pesquisa nesta área não avançou para torná-la uma prática clínica padrão.
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A creatina pode reduzir outros fatores de risco cardiovascular?

Alguns estudos em diversas populações, não especificamente em pacientes cardíacos, sugerem que a creatina pode ter efeitos benéficos em outros marcadores de saúde cardiovascular, embora esses efeitos sejam geralmente modestos.
Melhora do perfil lipídico
Certas pesquisas indicaram que a suplementação de creatina, combinada com o treinamento de força, pode ajudar a reduzir os níveis de triglicerídeos e colesterol total.
Redução da homocisteína
A homocisteína é um aminoácido que, em níveis elevados, é um fator de risco para doenças vasculares. O processo de produção de creatina no corpo pode ajudar a diminuir os níveis de homocisteína.
Controle glicêmico
Evidências emergentes sugerem que a creatina pode melhorar a captação de glicose pelos músculos, o que é benéfico para a sensibilidade à insulina e para a saúde metabólica geral, um fator importante na prevenção de doenças cardíacas.
Por que a suplementação de creatina em pacientes cardíacos exige supervisão médica rigorosa?
A automedicação com creatina por uma pessoa com qualquer tipo de doença cardíaca é extremamente perigosa. As razões para a necessidade de supervisão médica rigorosa são muitas:
- Retenção de Líquidos: A creatina causa um aumento da retenção de água dentro das células musculares. Em pacientes com insuficiência cardíaca, cujo corpo já luta para gerenciar o excesso de fluidos, essa retenção pode ser perigosa e descompensar a condição.
- Saúde Renal: Embora segura para rins saudáveis, muitos pacientes cardíacos também têm a função renal comprometida, o que torna a suplementação um risco.
- Falta de Evidências Robustas: Como mencionado, a pesquisa é preliminar e não há evidências suficientes para justificar seu uso como tratamento padrão.
- Interações Medicamentosas: Os efeitos da creatina podem interagir de forma imprevisível com a vasta gama de medicamentos usados no tratamento de doenças cardíacas.
A conclusão, endossada por toda a comunidade médica, é clara: a decisão de usar qualquer suplemento em um contexto de doença cardiovascular pertence exclusivamente ao médico cardiologista. Apenas ele pode pesar os riscos potenciais contra os benefícios, que ainda são em grande parte teóricos, para garantir a segurança do paciente.








