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ProAcolher: Conheça o projeto da UnB que ensina português a refugiados

Projeto de pesquisa da Universidade de Brasília, que ensinou mais de 2 mil migrantes e refugiados, é realizado de forma on-line durante a pandemia. Novidade permitiu alcançar estrangeiros também em outros estados

Mariana Machado
postado em 26/09/2020 07:00
 (crédito:  Carlos Vieira/CB/D.A Press)
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Quando a advogada Adriana Diaz Lopez, 39 anos, deixou a Venezuela rumo ao Brasil, ela tentava uma vida nova com a filha Vitoria, 8. Dada a situação política e econômica da nação vizinha, ela viu-se sem escolha, exceto buscar refúgio no Brasil, e acabou cruzando a fronteira, em janeiro de 2020. A convite de uma amiga brasileira, veio para Brasília, onde, hoje, trabalha em um escritório jurídico. A guinada na vida apresentou um desafio grande: o idioma. (Conheça a história de venezuelanos que vieram reconstruir a vida no Brasil).

Adriana não falava nada de português, mas tinha vontade de aprender o mais rápido possível, para poder se adaptar bem. Foi quando conheceu o ProAcolher, um projeto de pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), que, com ajuda de voluntários, ensina, gratuitamente, a língua a migrantes e refugiados, desde 2013. As aulas presenciais atenderam mais de 2 mil pessoas, de 23 países diferentes. Com a pandemia do coronavírus, no entanto, o primeiro semestre deste ano não pôde ocorrer.

Em março, Adriana procurou a coordenadora, professora Lúcia Barbosa, e acabou conseguindo aulas particulares on-line com uma das voluntárias. “Ela me ajudou muito. Graças a ela, eu pude trabalhar. Comecei a ler os sites de alguns tribunais e a estudar”, comemora Adriana. Desde agosto, o projeto começou a dar aulas no formato virtual, permitindo a Adriana e tantos outros, o aprimoramento na língua portuguesa. “Eles nos ensinam as formas gramaticais corretas, mas vão além. Em uma aula, nos mostraram como tirar a carteira de trabalho, por exemplo. Em outra, tudo sobre o Sistema Único de Saúde (SUS).”

Para Adriana, isso tem permitido uma sensação maior de pertencimento ao novo lar. “Muitas vezes, a gente não está tão preocupado em ter um certificado, mas de aprender a falar melhor e se sentir incluído no país. Há 10 anos, vim ao Brasil como turista, mas, como refugiada, é diferente. Aqui, sinto grande empatia das pessoas, e nunca vivi xenofobia. Está dando tudo certo”, avalia a advogada.

A coordenadora Lúcia Barbosa explica que é trabalhado o português como língua de acolhimento, isto é, mais do que o idioma, os professores ensinam tudo que possa facilitar ao aluno, se sentir em casa. “Decidimos abrir o curso on-line porque a demanda é muito grande. As pessoas precisam disso, e elas nos procuram nas redes sociais pedindo informações. Demonstram vontade de estudar, então não quisemos decepcioná-los”, declara. Para este semestre, o ProAcolher teve 314 inscritos, sendo 136 de migrantes em Brasília, e o restante, de outros estados.

Com o novo formato, surgem, também, novos desafios. “A maioria só acessa internet via celular e isso, com certeza, é um problema”, avalia Lúcia. “Nós produzimos material didático, mas não conseguimos imprimir, porque é muita coisa. A gente disponibiliza no formato on-line, mas eles gostam muito de ter o livro, facilita o estudo. Se alguém pudesse contribuir com essa impressão, seria muito bem-vindo”, pede.

Oportunidade

A síria Asma Awad, 37, tem preferência por aulas presenciais, mas enxerga, no formato remoto, uma oportunidade. “O projeto apareceu para mim pela internet e é a primeira vez que faço aulas. É uma alternativa muito boa, porque, com o trabalho, nem sempre o deslocamento é fácil”, pondera. Fugindo da guerra, ela veio ao Brasil há seis anos, com os três filhos e o marido. “Fui aprendendo na rua, no dia a dia, conversando com as pessoas, mas as palavras são muito difíceis, então, agora, tenho ajuda para aprender direitinho.” Asma trabalha em um restaurante na Asa Sul e observa a melhora na conversação com os clientes. “Eu tinha medo de falar errado, mas os brasileiros ajudam muito.”

Para quem mora longe do DF, as aulas a distância estão sendo uma mão na roda. Também síria, Razan Al Nabulsi, 34, vive em São Bernardo do Campo (SP), e soube das aulas por intermédio de amigos. “Não tenho como ir a Brasília, então esta oportunidade tem sido muito boa. Além disso, tenho três filhos, não dá para sair de casa. É melhor para mim.” Enquanto as crianças estudam usando o computador, Razan usa o celular para aprender e fazer as atividades passadas pelos professores. “Gosto muito da língua. Acho muito chique. Quero trabalhar, falar mais e fazer faculdade de farmácia. Na Síria, as oportunidades de estudo são limitadas, mas, aqui, há muitas chances para estudar.”

Expansão

Com alta demanda, o ProAcolher vem conquistando mais espaços. Além do campus Darcy Ribeiro, na Asa Norte, e em Ceilândia, neste ano, o método chegou ao Centro Interescolar de Línguas do Guará (CILG). Professora da Secretaria de Educação, Fabíola Ribeiro soube do projeto, e decidiu aplicá-lo, com apoio de Lúcia Barbosa, na unidade de ensino. A adesão foi grande: “Estou com quase 80 alunos. Tenho três turmas, com aulas duas vezes por semana”, ressalta Fabíola.

Os estudantes vêm do Paquistão, Bangladesh, Marrocos, Gana e Venezuela. “Eles chegam com níveis variadíssimos de português, mas não é na forma mais culta e necessária para conseguir um emprego melhor. Tenho trabalhado isso com eles”, diz.

As aulas também são virtuais, exclusivas aos moradores do DF porque, uma vez que passe a pandemia, este modelo deverá ser suspenso, mas a professora espera que possa ser aplicado um modelo híbrido. “É difícil, para eles, ficar se deslocando. Tem aluno meu trabalhando enquanto assiste às aulas, mas ele está querendo prestar atenção e aprender. Claro que é importante se dirigir à escola para conhecer as pessoas, mas algo semana sim, semana não, seria maravilhoso.”

Saiba mais

Site: https://proacolherunb.wixsite.com/proacolher

Instagram: @proacolher

Facebook: ProAcolher: Português Língua de Acolhimento

E-mail: proacolher.unb@gmail.com

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  • Asma Awad, estudante síria:
    Asma Awad, estudante síria: "O projeto apareceu para mim pela internet e é a primeira vez que faço aulas. É uma alternativa muito boa, porque, com o trabalho, nem sempre o deslocamento é fácil" Foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press
  • Razan Al Nabulsi, estudante síria:
    Razan Al Nabulsi, estudante síria: "Gosto muito da língua. Acho muito chique. Quero trabalhar, falar mais e fazer faculdade de farmácia. Na Síria, as oportunidades de estudo são limitadas, mas, aqui, há muitas chances para estudar" Foto: Arquivo Pessoal
  • Adriana Diaz Lopez, estudante venezuelana:
    Adriana Diaz Lopez, estudante venezuelana: "Eles nos ensinam as formas gramaticais corretas, mas vão além. Em uma aula, nos mostraram como tirar a carteira de trabalho, por exemplo. Em outra, tudo sobre o Sistema Único de Saúde (SUS)" Foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press

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