Direitos humanos

Refugiados em Brasília têm acesso precário a direitos básicos, diz Ipea

Falta de estrutura de acolhimento e dificuldades com a língua portuguesa e discriminação são alguns dos obstáculos enfrentados por pessoas em situação de refúgio que vivem no DF

Tainá Seixas
postado em 30/09/2020 09:00
 (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)
(crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)

Pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) nesta quarta-feira (30/9) retrata a realidade de pessoas em situação de refúgio no Distrito Federal. E os resultados mostram um cenário difícil para quem busca a capital como novo lar, após saírem forçados de seus países devido a guerras, perseguições, instabilidade da ordem pública, violência generalizada e violações de direitos fundamentais. De acordo com o coordenador do estudo, João Brígido Bezerra Lima, o número de solicitações de refúgio, em Brasília, aumentou consideravelmente nos últimos três anos.

"Devemos ter umas 600 ou 700 pessoas consideradas refugiados e solicitantes. Quem vem do exterior entende que aqui seria mais fácil resolver esses problemas. Mas, nesse aspecto, Brasília é um tanto cruel, porque os coloca a muitos quilômetros do centro administrativo e a locomoção é complicada", avalia o especialista. 

Apesar de a legislação brasileira ser considerada moderna em relação ao refúgio, há pouca prática de acolhimento destas pessoas em Brasília. O coordenador explica que há falta de abrigo, orientação, fornecimento de alimentação e condições básicas de dignidade por parte do Poder Executivo a essa população.

Este acolhimento acaba sendo feito por instituições não-governamentais, uma vez que apenas a garantia de documentação - que pode demorar de dois a quatro anos para ser concluída - fornecida pelo poder público não é suficiente para integrá-los à sociedade. "Em Brasília, as redes estão pulverizadas, e as estruturas disponibilizadas pelo Estado para resolução de problemas são as menos acessíveis e usadas pelos entrevistados", define o estudo.

Perfil

A pesquisa foi feita com 110 pessoas - 46 delas refugiadas e 64 solicitantes de refúgio. A maior parte dos entrevistados são venezuelanos, sírios, paquistaneses e ganenses. O grupo é composto majoritariamente por homens (79%), solteiros (57%), que moram sozinhos (64%) e têm idade média de 33 anos. 46% possuem nível superior ou pós-graduação, mas apontam dificuldades em validar histórico escolar ou diplomas (74%), além de relatarem, também, ser difícil o acesso à escola ou à universidade (51%).

As principais dificuldades relatadas são em relação à integração no Distrito Federal. A falta de domínio da língua portuguesa é um obstáculo, que afeta tanto na consciência sobre direitos e garantia deles, quanto em relação a trabalho e educação. Noventa por cento dos entrevistados declararam saber se comunicar em português, tendo aprendido o idioma nas ruas ou no ambiente de trabalho (70%).

Contudo, 27% relatam dificuldades em escrever e 25% em falar o idioma. Para 35%, não conhecer o idioma suficientemente atrapalha o ingresso no mercado de trabalho; 14% consideram que impede o acesso à saúde e, para 11%, o desafio é no acesso à educação.

Empregabilidade

Segundo Bezerra Lima, grande parte tem dificuldade em conseguir emprego na área de formação profissional e acabam trabalhando em áreas sem a necessidade de especialização. "Há muita gente com ensino superior, qualificação técnica, mas que, devido ao problema de idiomas, problemas trabalhistas, eles aceitam ocupações bem aquém da formação deles. As condições são muito difíceis", explica.

Grande parte dos entrevistados trabalhava à época da pesquisa (65%): 42% com emprego formal e 23% na informalidade, com renda média de R$ 1.815. Contudo, 27% estavam à procura de emprego. O percentual é superior à taxa de desemprego no DF, que está em 19,1%, como divulgado ontem pela Companhia de Planejamento (Codeplan). Eles destacam, entre os principais obstáculos encontrados na procura por trabalho a dificuldade em achar emprego compatível com sua formação profissional (74%); conseguir o primeiro emprego no Brasil (63%) e abrir seu próprio negócio (61%).

O estudo mostra, também, que 74% dos refugiados residentes em Brasília moram de aluguel, enquanto 22%, em moradias cedidas. A rede de apoio deles costuma ser de outras pessoas da mesma nacionalidade (35%), mas 13% declarou não ter nenhuma rede de apoio.

Discriminação

A discriminação - xenofobia, racismo ou religiosa - é um elemento que grande parte alerta ter vivenciado (44%). Maior ocorrência foi em espaços públicos (57%) e no trabalho (33%). Outro fator de violência observado nesta população é de gênero.

"Na realidade de Brasília, especificamente, persistem barreiras no trato das questões de gênero. É inquestionável que a mulher está sujeita a uma série de constrangimentos e restrições nas comunidades locais, circunstâncias evidentes em nossa sociedade, acrescidas pela variável cultural que lhe confere tratamento diferenciado em face de sua condição de estrangeira", conclui a pesquisa.

Mesmo assim, 74% dos refugiados querem ter nacionalidade brasileira e viver no país, 48% acreditam que terão um futuro melhor e, para 39%, há a sensação de liberdade no Brasil.

"É importantíssimo que o Brasil se prepare para trabalhar com refugiados, porque essa é uma realidade que tende a crescer e deve ser vista de outra forma que a da ameaça e segregação. Porque, embora a gente se declare um povo amigável, eles são muito discriminados e preteridos. São pessoas que querem vir para trabalhar, contribuir com impostos, consumir e contribuir com a economia brasileira. Não são um peso morto", conclui Bezerra Lima.

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