SOLIDARIEDADE

Conheça a Casa Rosa, que atua para acolher a população LGBTQIA+

Abandonado pela mãe ao nascer e adotado por um casal, Marcos Tavares descobriu, em meio à família, o poder de um lar receptivo. Para levar essa sensação adiante, o morador de Sobradinho criou um espaço de assistência para a população LGBTQIA+

Michel Pires*
postado em 26/11/2020 06:00 / atualizado em 26/11/2020 23:37
 (crédito: Casa Rosa/Divulgação)
(crédito: Casa Rosa/Divulgação)

Atividades e ações voltadas ao bem-estar coletivo e à saúde do próximo fazem parte da vida do brasiliense Marcos Tavares, 53 anos, há muito tempo. Tanto que, depois de perceber a falta de um senso de coletividade no ex-namorado, terminou a relação e ficou, a cada dia, mais focado em melhorar a vida de quem estava ao redor. “Sou uma comunidade. Se você não é, sinto muito”, disse ao então companheiro, em 2017. A percepção levou Marcos a assumir uma nova missão: idealizar e transformar em realidade o centro cultural e assistencial Casa Rosa, em Sobradinho. O espaço, em construção desde aquele ano, destina-se ao acolhimento e à assistência de pessoas LGBTQIA+.

“Eu tinha amigos gays que frequentavam minha casa. Alguns tinham problemas e sempre iam para lá, ficavam no meu quarto, às vezes, dormiam uma noite, porque brigavam com os pais e com a família”, relata o técnico de enfermagem aposentado. Homossexual assumido desde os 16 anos, Marcos recebeu apoio e aceitação dos pais adotivos. Mas, por ver de perto as dificuldades enfrentadas pelos amigos, percebeu a importância de agir para tentar minimizar os problemas de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis que não tiveram a sorte de ter um ambiente familiar receptivo.

Marcos nasceu em 22 de fevereiro de 1967, no Hospital de Sobradinho, deixado pela mãe biológica. Não demorou para que o militar Nelson Tavares e a lavadeira Leonídia da Silva, que moravam em frente à unidade de saúde, soubessem da história por meio de uma enfermeira. O casal adotou e registrou Marcos, ainda recém-nascido, acolhendo as aflições e aspirações do filho, bem como as dos futuros amigos dele.

O espírito altruísta ganhava força em Marcos, à medida que crescia, em meio à família. Nos anos 1990, atuou como voluntário no Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa). “Fazíamos visitas. Eu ia ao Hospital de Base e, ali, despertei para isso. Falei: ‘Quero fazer mais. Não quero só visitar. Quero cuidar dos gays”, recorda-se. Enquanto atuava, percebia nos profissionais de saúde a falta de um cuidado digno com pessoas soropositivas internadas.

“Coração de mãe”

Muitos desses pacientes, segundo Marcos, precisavam de cuidado e assistência psicológicos. Tinham de ser ouvidos, pois alguns eram abandonados pela própria família, devido ao estigma da doença. Assim, decidiu fazer um curso de técnico de enfermagem. As aulas duraram um ano e meio. Em 1996, passou no concurso da Secretaria de Saúde do DF e começou a trabalhar no 11º andar do mesmo hospital que, antes, visitava como voluntário. “Por ser gay e ter sido muito bem acolhido e criado cheio de afeto, eu me sentia no dever de fazer isso pelos outros. Teve início o boom (de sentimentos) que resultou na criação da Casa Rosa”, conta.

A ideia de criar um centro cultural e assistencial para pessoas LGBTQIA+ partiu de uma conversa com o pai, Nelson Tavares. “Um dia, ele falou assim: ‘Por que você não cria, aqui no quintal, um espaço para você reunir os amigos, para vocês estarem bem?’” Dias depois, os dois deram início à construção do edifício que se tornaria o centro cultural e assistencial Casa Rosa. “Sou muito do coletivo. Se não tiver muita gente movida em tudo o que faço, eu não fico bem”, completa Marcos.

Hoje, o espaço conta com 70 voluntários e tem capacidade para acolher de 20 a 24 pessoas. “Com aquele jeitinho de coração de mãe, onde sempre cabe mais um”, define o técnico de enfermagem aposentado. Ele conta que, após a história do local se tornar conhecida, muita gente entrou em contato para parabenizá-lo pela iniciativa, para ajudar e, também, buscar acolhimento. “Como a gente estava em fase de construção, foi um Deus nos acuda. Tínhamos o espaço, o projeto, mas não como receber as pessoas nem fazer atendimento psicológico”, detalha Marcos.

Perspectivas

Marcos Júnior, 26, é uma das três pessoas assistidas atualmente. Ele está no centro cultural e assistencial desde agosto. Desempregado, Marcos passou por momentos difíceis, mas encontrou no projeto apoio para enfrentá-los. “Tive a honra de conhecer o Marcos (Tavares) por meio de uma amiga, que me falou da Casa Rosa. Devido à pandemia, as coisas não ficaram fáceis. Mas o espaço me deu outra visão, outra perspectiva para terminar meus estudos. Voltei a acreditar que tudo vai ficar bem. O relacionamento entre Marcos, os outros assistidos e eu é maravilhoso. Um apoia o outro. Sou muito grato a ele e por estar aqui”, relata. Mesmo após uma pausa na construção da estrutura, devido à morte do pai de Marcos, a Casa Rosa teve o primeiro pavimento finalizado, graças a inúmeras doações. Agora, a equipe de voluntários trabalha para a construção do que falta. No entanto, dificuldades administrativas impedem que o projeto funcione como planejado. Por estar localizado em uma quadra residencial, o centro não recebeu autorização da Administração Regional de Sobradinho para funcionar como espaço de acolhimento.

A Administração Regional de Sobradinho informou que “não tem poder para fazer doação de nenhum tipo de terreno, como informado aos gestores da Casa Rosa”. Diante do impedimento, Marcos precisou alterar o estatuto do local, para defini-lo como centro cultural e assistencial. “Estamos na luta. O importante é que promovemos nossas ações dentro de nossas possibilidades. Esse é um projeto grande. Quem sabe o Estado se sensibilize e veja que existe a necessidade de um espaço de acolhimento, até mesmo público. A gente pode fazer junto”, sugere o voluntário.

Como ajudar?

Interessados em contribuir com a Casa Rosa ou buscar acolhimento podem entrar em contato pelo telefone 61 9 9220-3745. Também é possível contribuir com doações pelo site vaka.me/553757.

*Estagiário sob supervisão de Jéssica Eufrásio

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