O início da pandemia do novo coronavírus no Distrito Federal reduziu o fluxo de veículos pelas vias, o que impactou na queda do registro de óbitos no trânsito em 56%. Contudo, a redução no número de mortes de ciclistas foi de apenas 10%. Entre janeiro e outubro deste ano, 17 desses usuários perderam a vida no tráfego, contra 19 em igual período de 2019, segundo dados do Instituto de Medicina Legal (IML).
Em 10 de outubro, o ciclista Renato Campelo Aragão, de 58 anos, morreu após ser atropelado na 704 Norte. O motorista, um servidor público, fugiu do local sem prestar socorro. Ele se apresentou à 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte) 10 dias depois, e foi liberado. No acidente, o acusado também feriu uma amiga da vítima, a pedagoga Nádia Bittencourt, 55, que desmaiou com o impacto da colisão. Era uma das primeiras vezes que a mulher saía para pedalar desde a quarentena.
“Saí naquele dia com muita preocupação. Por ser noite e pela falta de iluminação na ciclovia, decidimos seguir pela pista. Enquanto andávamos, pedi ao Ricardo para que ele pedalasse atrás de mim, para que ele não ficasse tão exposto na via. Ele passou a me seguir e, em alguns minutos, quando olhei no retrovisor, pude perceber um carro vindo em nossa direção. Não consegui falar nada, pensei que estava delirando. Apaguei e acordei achando que tinha levado um tombo sozinha, mas Ricardo já estava sem respirar”, relembra. Nádia sofreu escoriações pelo corpo e foi socorrida pelo Corpo de Bombeiros, acionado por um condutor que é testemunha do acidente.
De acordo com a engenheira Michelle Andrade, professora no Programa de Pós-graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB), do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, as vias indicadas para que os ciclistas possam trafegar com segurança são as de velocidade máxima estipulada em 50 quilômetros.
“As vias acima de 60km não são adequadas para o uso de bicicletas, pois caracteriza alto perigo aos usuários deste transporte. O ciclista não consegue desenvolver essa velocidade e, em caso de acidente, pode se ferir gravemente. Mesmo se o ciclista optar pelo acostamento, ainda não há segurança”, afirma.
O engenheiro civil Pastor Willy Gonzales Taco, coordenador substituto do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) da UnB, observa que as rodovias apresentam perigo eminente aos ciclistas. “Ali, transita todo tipo de condutor que pode trafegar, inclusive, acima da velocidade permitida. Neste ano, vimos muitos casos de mortes no trânsito por motoristas bêbados. Esse também é um risco real, o qual torna o ciclista ainda mais vulnerável”, frisa.
A auxiliar administrativa Cledenilce da Silva, 37, fraturou o braço direito e passou por cirurgia para implantar oito pinos após ser atingida por um veículo na BR-060, na saída de Brasília para Trindade (GO). “Estava pedalando pelo acostamento, quando um motorista alcoolizado, em alta velocidade, bateu em dois carros. Um dos condutores tentou desviar e saiu para onde eu estava, me atingindo em cheio. Só pude agradecer por não ter morrido”, conta a residente de Samambaia.
Velocidade
O engenheiro Pastor Willy indica que a velocidade é um dos principais elementos que resulta em acidentes e mortes no trânsito. O especialista salienta a necessidade de se mudar a cultura dos motoristas brasilienses. “Trata-se de uma medida que não é popular, mas efetiva. As vias locais deveriam ser 30km e, nas rodovias, máximo de 60km. A velocidade mais baixa resultaria em melhor controle do veículo em manobras bruscas, e no impacto do acidente”, analisa.
Raphael Barros Dorneles, coordenador-geral da ONG Rodas da Paz, também defende a redução de velocidade como medida para diminuir os índices de acidentes. “As vias de Brasília são amplas e largas, resultado de uma cultura para facilitar a velocidade. A estrutura e manutenção da malha cicloviária não colaboram para a redução dos acidentes envolvendo bicicletas”, destaca.
A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) informa, em nota, que, em parceria com o Departamento de Trânsito do DF (Detran) e o Departamento de Estradas e Rodagem (DER), estuda medidas para garantir mais segurança no trânsito para os ciclistas. “Entre as ações estão a criação de uma comissão para acompanhar as políticas públicas do setor, fazer a interligação das ciclovias, elaborar estudos técnicos para melhorar a sinalização e o trânsito nas obras viárias, e a realização de campanhas educativas. A Semob ressalta, ainda, que tem trabalhado com propostas de estacionamento rotativo, criação de faixas exclusivas e ampliação das ciclovias”, cita o texto.
O diretor de Educação de Trânsito do Detran-DF, Marcelo Granja, adiantou as ações de um projeto para ser lançado no primeiro semestre de 2021. “Vamos criar um curso para várias faixas etárias e ensinar o ciclista a escolher o melhor trajeto em vias urbanas no DF. Terão módulos teóricos e práticos para orientá-los”, explica.
* Estagiária sob a supervisão de Adson Boaventura
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