SAÚDE

Conheça o poder da musicoterapia na melhoria da memória e da linguagem

Tratamento terapêutico utiliza elementos de uma aula de música associados à neurociência. Método ajuda na memória e na linguagem; contribui na interação social dos pacientes; e pode ser aplicado para auxiliar na redução da dor

Jéssica Moura
postado em 05/12/2020 06:00
 (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

Quando Antônio Teixeira, 80 anos, foi diagnosticado com Alzheimer, em 2006, o médico avaliou que o ideal era zelar pela qualidade de vida do economista aposentado. “O que o senhor mais gosta de fazer?”, perguntou o profissional. “Gosto de cantar e de viajar com meus filhos”, disse Antônio. Foi então que Marla Simonini, 45, uma dos seis filhos dele, procurou a musicoterapia para o tratamento do pai.

“A música era nossa conexão afetiva mais forte com ele”, conta Marla. A musicoterapia é indicada para o tratamento de demências, síndromes, dificuldade de concentração e sociabilidade. “O ganho mais significativo e relevante que percebemos foi a alegria. A música trazia memória semântica, de dar nome às coisas. Ele esquecia algo, mas a música devolvia as palavras”, afirma a moradora da Asa Sul.

Objetivos

Na composição da musicoterapia, diferentemente do que o nome pode sugerir à primeira vista, há mais neurociência do que performance artística. “A sessão é um processo de terapia: tem início, meio e fim, em que se trata objetivos específicos para cada pessoa, desde a parte física até a memória. Cada paciente vai ter uma coisa específica, têm técnicas e tem método”, explicou a presidente da Associação de Musicoterapeutas do Distrito Federal (AMTDF), Isabella Paz.

A musicoterapia está associada a tratamentos multidisciplinares e contribui com o trabalho de reabilitação de pacientes que são atendidos por fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos. A advogada Rafaela Silva*, 35, é mãe de Felipe*, 5. O menino foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no ano passado. Há seis meses, a mãe buscou a musicoterapia para auxiliar no desenvolvimento do filho.

“O que era mais visível era o atraso na fala, que gerava um atraso na socialização. Hoje, ele fala muito mais do que antes, está se tornando um verdadeiro músico”, comemora. “É uma terapia, não é uma brincadeira, a felicidade não está dentro de uma nota só”, ressalta Rafaela.

Benefícios

Partitura, harmonia, melodia, entonação, silêncio, ruído e nota. Todos esses elementos presentes em uma aula de música são aplicados como meios terapêuticos para atingir objetivos do tratamento. “Nós somos feitos de música, nosso coração tem ritmo, nossa fala é melódica. Quando você encontra a musicoterapia para se desenvolver, todos os sons são utilizados”, diz a musicoterapeuta Ana Carolina Steinkopft.

Quem nunca cantarolou uma música para se lembrar de alguma informação? Essa técnica mnemônica é uma das estratégias da musicoterapia. Os estudos apontam que, por envolver emoções, esse tratamento contribui para retardar os efeitos do Alzheimer em idosos, por exemplo. Outro benefício é no desenvolvimento da linguagem.

O método terapêutico ajuda na redução da pressão arterial, diminuindo os batimentos cardíacos e os níveis de cortisol, relacionados ao estresse. E pode, inclusive, ser aplicado em tratamentos para reduzir a dor. Por isso, é indicada para pacientes que sofrem de fibromialgia, por exemplo.

Uma das técnicas é a massagem de som. “A pessoa deita, recebe o som e sente o corpo massageado, mas não há toque no paciente”, explica a musicoterapeuta Ângela Fajardo. Arthur Osório, 8, utiliza tal prática. Aos 2 anos o menino recebeu o diagnostico de síndrome de Opitz-frias — uma alteração genética rara, que pode provocar más-formações e atraso intelectual — e passou a fazer tratamento com musicoterapia. O irmão dele, Caleb, 4, tem a mesma síndrome, mas devido à pandemia do novo coronavírus não iniciou o tratamento. Arthur está fazendo as atividades por videoconferência, uma vez por semana.

No dia da sessão, Selma Rodrigues, 38, mãe dos garotos, conta que o filho fica muito animado. “Aí, tudo faz som: a latinha de refrigerante, dependendo do grão que coloca dentro, faz um barulho diferente, vira um chocalho. Se amassa e puxa o papel, tem um barulho, caixas de fósforos, palitos...”, detalha.

“Criaram uma canção juntos, com as letrinhas deles, o Arthur gosta de bombeiros, então tinha isso”, relata a moradora do Novo Gama (GO). Selma comemora o desenvolvimento do filho: concentração, controle das emoções e sociabilidade melhoraram. “Pegava os instrumentos e saía no meio do hospital dançando com as outras crianças”, lembra a mãe do menino.

Em adultos, a musicoterapia é comumente aplicada para tratar traumas e dificuldades de interação social. “Adultos que lidam com situações de estresse, em repartições públicas, tribunais, empresas. (A musicoterapia) ajuda no desenvolvimento do foco, da criatividade, da sociabilidade, da interação com o outro, e da atenção compartilhada no trabalho em equipe”, enumera Ângela Fajardo, musicoterapeuta que atua no Hospital da Criança de Brasília (HCB) — referência na capital, a unidade atende cerca de 150 crianças por meio desse método terapêutico.

As práticas integrativas, como a musicoterapia, passaram a ser ofertadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de 2017.

Iniciativas

Desde 2015, o Instituto Steinkopft promove o projeto Uma sinfonia diferente. O objetivo da ação é desenvolver a linguagem e a interação social de pessoas com autismo, por meio da musicoterapia.

No Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Samambaia, pessoas em tratamento de dependência de álcool e de drogas participam de oficinas de música, entre outros acompanhamentos. No Hospital do Guará, o canto e a música auxiliam na recuperação dos pacientes internados na unidade.

*Nomes fictícios

 

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  • A musicoterapeuta Ângela Fajardo atende no Hospital da Criança de Brasília (HCB), unidade de referência do método no DF
    A musicoterapeuta Ângela Fajardo atende no Hospital da Criança de Brasília (HCB), unidade de referência do método no DF Foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press
  • Os irmãos Caleb Osório (E) e Arthur Osório (D) com os instrumentos que fizeram em casa. Eles tem a síndrome de Opitz-frias. O mais velho faz sessões de musicoterapia toda semana
    Os irmãos Caleb Osório (E) e Arthur Osório (D) com os instrumentos que fizeram em casa. Eles tem a síndrome de Opitz-frias. O mais velho faz sessões de musicoterapia toda semana Foto: Arquivo pessoal

Regente

O musicoterapeuta é o regente de uma série de exercícios, que se agrupam em uma composição harmônica e personalizada para cada paciente, conforme as necessidades de cada um. As técnicas vão desde a improvisação, composição musical, recriação e audição.

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