BRASÍLIA DE OUTROS CARNAVAIS

Blocos impulsionam carnaval de Brasília ao posto de um dos maiores do país

Agremiações existem desde 1975, mas ganharam força na segunda década do século 21. Organizadores veem potencial para crescimento e elencam desafios a serem superados

Fernando Jordão
postado em 16/02/2021 06:00 / atualizado em 16/02/2021 13:41
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Brasília tem se consolidado como um dos principais pólos carnavalescos do país. A afirmação, que pareceria absurda poucos anos atrás, é sustentada pelos dados: a capital federal reuniu no ano passado, segundo projeções, 1,2 milhão de foliões e já chegou ao recorde de 1,5 milhão em 2017. Apenas para se ter uma ideia, o público em Recife (PE) foi de 2 milhões em 2020, de acordo com o Ministério do Turismo.

Os grandes responsáveis por alterar o status do Distrito Federal em relação às festas momescas são os blocos de rua. Todos os anos, mais de uma centena deles invadem as avenidas, eixos e tesourinhas da capital, arrastando uma multidão eufórica.

Nem sempre foi assim. A primeira grande vertente da folia brasiliense foi o desfile de escolas de samba. As agremiações saíram às ruas pela primeira vez em 1962 — quatro meses após o nascimento da Aruc, maior campeã do carnaval do DF. Entre idas e vindas e algumas mudanças de locais da passarela, a tradição se manteve até 2014, quando o desfile foi suspenso, não sendo retomado até hoje.

Do fim dos anos 1990 até o início da década de 2000, foi a vez de os bailes de carnaval fazerem a cabeça dos brasilienses. A folia tomava conta de clubes como o Primavera, em Taguatinga, e Iate e Minas, no Plano Piloto.

Mas, na segunda década do século 20, a festa ganhou as ruas e se espalhou por todos os cantos com os blocos carnavalescos. "Acho que passa muito por esse movimento cada vez mais crescente do direito à cidade. O brasiliense vinha começando a ocupar espaços públicos com outros eventos e foi muito natural esse movimento chegar ao carnaval. Tomarmos as ruas com blocos muito diversos, que vão desde as tradicionais marchinhas e frevo, até a música eletrônica e o rock, por exemplo. Sem dúvidas, o carnaval do DF é um dos mais democráticos. Tem para todo mundo", pontua Dayse Hansa, produtora de 4 blocos — Rebu, das Caminhoneiras, Vamos FuGil e o infantil CarnaPati — e integrante do coletivo Blocos Fora do Armário, que reúne 32 deles.

Origem política

Apesar da crescente nos últimos anos, os blocos de rua não são uma ideia exatamente nova no Distrito Federal. Um dos mais antigos, o Pacotão, foi fundado em 1978 por um grupo de jornalistas — diversos deles do Correio. O intuito dos participantes era fazer uma crítica política bem-humorada. O nome da agremiação, inclusive, é inspirado em um pacote de medidas anunciado pelo então presidente Ernesto Geisel.

"Era época de ditadura. A primeira marchinha não ficou tão conhecida, mas a segunda, já no governo de (João) Figueiredo, composta por Moacyr de Oliveira e Salomon Cytrynowicz (então repórter e fotojornalista da revista Veja) é lembrada até hoje: 'Geisel, você nos atolou/ Figueiredo também vai nos atolar/ Aiatolá, aiatolá venha nos salvar/ Que esse governo já ficou gagá'", lembra Irlam Rocha Lima, repórter do Correio e um dos fundadores do bloco.

De uma brincadeira entre jornalistas, o Pacotão logo se transformou em um movimento que arrebatou diversos brasilienses. "Houve adesão das pessoas e virou uma coisa gigante, que chegou a ser divulgada nacionalmente. Era um bloco com proposta de ser uma coisa mais de protesto, mais politizada. Isso em plena ditadura. Foi uma sensação", acrescenta Irlam.

O tom de sátira política, aliás, ainda se mantém. No ano passado, o Pacotão saiu embalado pela marchinha Contra o fascismo na contramão, de Maria Sabina, Assis Aderaldo e José Sóter, que, entre outros versos, diz: "O Pacotão vai escrachar no carnaval/ Essa milícia e também o laranjal/ Ô, seu Queiroz/ Que vida boa/ Só engordando a rachadinha da patroa".

  • Pacotão em 1979
    Pacotão em 1979 Joaquim Firmino/CB/D.A Press
  • Pacotão em 1986
    Pacotão em 1986 Olavo Rufino/CB/D.A Press
  • Pacotão em 1991
    Pacotão em 1991 Ivaldo Cavalcanti/CB/D.A Press
  • Pacotão em 1991
    Pacotão em 1991 Jefferson Pinheiro/CB/D.A Press
  • Pacotão em 1991
    Pacotão em 1991 Jefferson Pinheiro/CB/D.A Press
  • Pacotão em 1979
    Pacotão em 1979 Arquivo CB/CB/D.A Press
  • Pacotão em 1990
    Pacotão em 1990 Raimundo Pacco/CB/D.A Press
  • Pacotão em 1988
    Pacotão em 1988 Eugênio Novaes/CB/D.A Press

Persistência e desafios

Presidente da Liga dos Blocos de Brasília — que reúne algumas das entidades mais célebres da capital, como Galinho, Raparigueiros e Baratona, esta fundada em 1975 — Paulo Henrique de Oliveira atribui o recente sucesso das manifestações de rua à persistência das agremiações tradicionais. "Já chegamos a sair com 100, 200 pessoas. Conseguimos trazer a tradicionalidade de outras capitais para Brasília, com muito trabalho e muito suor. Era um sonho e a gente sabia que uma hora ia expandir", afirma.

E o sonho pode chegar ainda mais longe. Tanto para Paulo quanto para Dayse, a folia no DF tem potencial para crescer. O desafio, porém, é lidar com os problemas atrelados a esse crescimento. A segurança é o principal deles. Para o presidente da Liga, a solução passa por uma mudança nas leis: "A polícia tem feito seu trabalho e nós gastamos quase 50% (do orçamento do bloco) em segurança, em vez de estarmos atrás de atrações melhores, por exemplo. Agora, estamos fazendo uma carta pedindo para o governador editar um decreto para que a pessoa flagrada com arma em um bloco fique detida pelo menos até o fim do carnaval".

Outra barreira a ser superada é a infraestrutura. "Os serviços precisam ser redimensionados. Não é possível fazer o carnaval com a métrica de 5 anos atrás. É muito estratégico os realizadores sentarem com o Estado para planejar essa grande festa. É uma operação praticamente de Copa do Mundo, de Olimpíada", avalia Dayse. Paulo, por sua vez, conta que a Liga tem planejado descentralizar os eventos, levando-os a outras Regiões Administrativas, para fazer com que a folia "seja grande em todo o quadradinho, não apenas no Plano Piloto".

  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Ed Alves/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Ed Alves/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Minervino Junior/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Ed Alves/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Ed Alves/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Ed Alves/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Ed Alves/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Minervino Junior/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Minervino Junior/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Minervino Junior/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Minervino Junior/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Minervino Junior/CB/D.A Press
  • Blocos de carnaval em Brasília
    Blocos de carnaval em Brasília Minervino Junior/CB/D.A Press

Pós-pandemia

Depois de um ano atípico, sem carnaval por conta da pandemia de covid-19, a expectativa de todos os produtores é de uma grande festa em 2022 — ou quando a realização for considerada segura, seja isso antes ou depois de fevereiro do próximo ano. "Nosso slogan para o próximo ano é 2 em 1. Vamos comemorar 2021 e 2022 no mesmo carnaval", enfatiza Paulo.

"As pessoas estão com saudade do carnaval e a pandemia ampliou isso. E isso é muito bom. A gente está na expectativa de que 2022 seja o carnaval do século. No início do século 20, também tivemos um problema sanitário (a pandemia de gripe espanhola) e o carnaval que veio depois foi o maior de todos os tempos. Mas para ser o carnaval do século tem que vir com muita responsabilidade na organização. Precisamos nos preparar. A gente vê como um grande gancho para uma demanda antiga, que é pensar a folia, no mínimo, 6 meses antes da realização", arremata Dayse.

Aos foliões brasilienses, resta esperar. Aos de fora, que tal dar uma chance para esse novo carnaval de Brasília?

Confira os demais capítulos da série Brasília de outros carnavais:

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