Pandemia

Veja como parentes de internados com covid-19 mantêm o contato familiar

Desautorizados do encontro pessoal, parentes de pacientes internados com o novo coronavírus se apoiam nos profissionais de saúde do DF e em videochamadas para se comunicar com os entes queridos e diminuir a angústia da distância

Em fevereiro deste ano, Janderval Queiroz Lemos, 63 anos, pai de Danielle Alves, 41, foi diagnosticado com a covid-19 e passou sete dias internado na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital de Base (HB) e cinco dias na enfermaria da unidade. Durante o período em que o pai esteve na UTI, Danielle chegava a se comunicar com Janderval três vezes por dia, graças à equipe médica do hospital.

“Recebia informações sobre o estado dele todos os dias. A equipe ligava e fazia videochamadas, muitas vezes do celular pessoal. Eles também me mandavam fotos do meu pai, com atualizações e progressos. Pude acompanhar meu pai graças à humanização da equipe. Foram dias muito apreensivos para mim. Ele entrou na UTI com 75% do pulmão comprometido. É, talvez, mais angustiante para a família do que para o próprio paciente. Não tenho nem palavras para agradecer à equipe do Base, ela precisa ser referência. Salvaram a vida do meu pai e do restante da família, porque tranquilizaram o nosso psicológico”, agradece a professora, moradora do Guará 2.

O caso de Danielle e Janderval, felizmente, não é exceção. A médica Cinara de Paula Guimarães, chefe da UTI do Hospital Regional do Gama (HRG), afirma que a equipe da unidade liga todos os dias para um familiar de cada um dos 20 pacientes internados com covid na UTI, para atualizar o quadro clínico deles. “Em casos mais graves, tentamos fazer conferências familiares por vídeo. São os pacientes que sabemos que, infelizmente, pelo quadro e por falta de resposta aos tratamentos propostos, terão um desfecho ruim. Chamamos, então, a família para definição prognóstica e esclarecimento de dúvidas. Às vezes, os familiares precisam conversar com a gente, até para acreditar e ter a confiança de que, de fato, estamos fazendo todo o possível. Temos experiência com UTI humanizada no HRG e sabemos como isso é importante. Não conseguimos dar o suporte psicológico que a família precisa, mas conseguimos passar que estamos presentes, atuantes e fazendo o melhor que conseguimos”, avalia a médica.

A equipe da UTI do hospital conta com o psicólogo Ataualpa Maciel Sampaio, que elabora um prontuário afetivo dos pacientes, com informações biográficas e traços da personalidade. A ideia é de uma médica do Guará, segundo Ataualpa, mas o psicólogo afirma que o HRG tinha uma iniciativa parecida antes. “É importante porque singulariza o doente. Pergunto para o familiar, por exemplo, como ele definiria o paciente, se tem algum apelido e quais são os hobbies. É importante para sabermos como nos conectar com o enfermo, que, às vezes, está com alteração do nível de consciência e fica sem entender muito bem o que está acontecendo. Saber que tem pessoas que ele conhece cuidando e acompanhando o quadro médico de perto faz muita diferença. Colocamos o paciente para escutar áudios feitos pela família, porque, mesmo em coma, pode ouvir o que está sendo falado ao redor dele. E a família fica muito feliz. É muito importante”, destaca o psicólogo, acrescentando que a covid-19 ajudou a fortalecer o trabalho humanizado que era feito no hospital. “Estamos conversando mais e mais integrados como equipe”, reflete.

Casos leves

Não são apenas familiares de pacientes em estado grave que recebem informações. A gerente de assistência clínica do Hospital da Região Leste (HRL), antigo Hospital Regional do Paranoá, Tatiana Sanches Belchior, conta que a equipe do hospital cuida de 25 pacientes da unidade de cuidados intermediários (UCI) e 22 da enfermaria, além daqueles que ficam nos boxes de acolhimento. O grupo de médicos emite boletins diários, via telefone, para um familiar, inclusive aos fins de semana, de todos esses pacientes. “É sempre um médico que emite o boletim. Ele lê e analisa o prontuário do paciente para entrar em contato com o parente. Sabemos que as famílias ficam agoniadas sem notícias, e o boletim é muito importante. Temos o cuidado de anotar pelo menos dois telefones no momento da internação.” Mesmo pacientes com acesso ao próprio telefone celular durante a internação têm os boletins emitidos e repassados aos familiares diariamente.

Dineia Soares Cardoso, prima de Eunice Cardoso Souza, 62 anos, foi internada no HRL em 7 de abril, e o marido, Ednaldo Alves Dias, estava sendo o responsável por receber as informações médicas da esposa. Dois dias depois, Ednaldo também precisou ser internado, e Eunice passou a receber as informações dos dois parentes. “Eles estão sendo muito bem atendidos. O quadro dela está muito bom, deve receber alta em breve. Ele deve ficar mais um tempo no hospital, porque está com o pulmão comprometido. A equipe liga todos os dias, depois das 14h30. Fico apreensiva porque ficamos de noite e de manhã sem notícias, mas, pelo menos, estou recebendo informações. Ficamos muito agradecidos por receber notícias todos os dias. Sempre dão informações completas. Eles ligam em número privado, e não podemos retornar a chamada. Mas eles estão certos, imagina se todos os familiares retornassem as ligações? Eu entendo. O esquema deles é muito bom”, elogia a recepcionista, moradora da Asa Norte.

 

Ajuda psicológica

O Decanato de Assuntos Comunitários (Dac) da UnB oferece ajuda psicológica gratuita para parentes de pessoas com covid-19. São quatro grupos virtuais. Inscrições e mais informações em linktr.ee/dasu.

 

Palavra de especialista

Essas ações de comunicação entre parentes e os doentes internados são fundamentais. A covid-19, em comparação a outras doenças também ameaçadoras da vida, tem o diferencial de não poder ter por perto familiares e outras pessoas queridas. O profissional de saúde acaba funcionando como uma presença afetiva e representando os familiares. Ao mesmo tempo, ele é, para os parentes, o canal de alívio da angústia de não saber o que está acontecendo com o paciente. Essas ações, então, são fundamentais nesse momento de pandemia de uma doença infecciosa.

É importante que reconheçamos que, para além dos tratamentos clínicos, a intervenção psicossocial é igualmente terapêutica. Existem grupos de orientação aos familiares dos parâmetros de tratamentos feitos pela equipe médica. É importante que os familiares entendam o que está sendo feito com o paciente. E depois, com o familiar em casa, é necessário manter as medidas de biossegurança e saber o que precisa ser observado, como fatores de agravamento.

A equipe de saúde tem de estar junto aos familiares para fazer os primeiros cuidados psicológicos e reduzir danos, porque a internação é um momento de muita angústia e preocupação. A covid-19 é uma doença que pode evoluir de maneiras diferentes de outras enfermidades. E, agora, com as novas cepas, a ideia de que só idosos se internam mudou.

É fundamental que voltemos todos os recursos afetivos e técnicos para enfrentar essa situação que, infelizmente, está fora de controle. A rede de solidariedade da comunidade tem sido muito importante.

Larissa Polejack, psicóloga, professora do curso de psicologia e diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu), da Universidade de Brasília (UnB)