OBITUÁRIO

Mais que um garçom, Arleudo foi amigo, exemplo de afeto e humanismo

Morreu, aos 54 anos, Francisco Arleudo, garçom do Bar Beirute. Internado desde a última sexta-feira, não resistiu às complicações decorrentes da covid-19

Francisco Arleudo Madeira Siqueira, 54 anos, era garçom do Bar Beirute, da 109 Sul, há pelo menos 25 anos. Mais que garçom, era um amigo, suave, tímido e pronto para ouvir qualquer prosa. A cidade perdeu um conhecido personagem e ganhou uma lenda, de afeto e humanismo. Era cordial com todos no Beirute, não importava a classe ou o currículo. Arleudo estava internado no Hospital São Mateus, no Cruzeiro Velho, com covid-19. A família informou que o óbito ocorreu na noite de quarta-feira (23/6), véspera de São João, devido a um quadro de insuficiência respiratória, em decorrência da covid-19. Ele chegou a tomar a primeira dose da vacina no último dia 7, porém, acabou contraindo a doença e não resistiu.

Na última sexta-feira os sintomas da doença se agravaram. Na ocasião, a família decidiu levá-lo ao Hospital Céu Azul, em Valparaíso (GO). No momento da internação, parentes solicitaram um exame de sangue para detecção da covid-19, mas o teste deu negativo. A suspeita inicial era dengue. Nos dias seguintes, a falta de ar complicou seu estado de saúde, que necessitava de vaga em UTI. O hospital de Valparaíso não tinha o suporte necessário. Assim, Arleudo entrou em uma lista de espera para ser levado a outra unidade de atendimento.

Na segunda-feira, teve dois princípios de parada cardíaca, ainda no Hospital Céu Azul. Por isso, a família requereu uma liminar junto ao Ministério Público, com objetivo de acelerar a transferência. Na terça-feira, surgiu uma vaga no Hospital São Mateus, e ele foi realocado. A nora do garçom Raiane Ferreira dos Santos, 27, contou que, após a transferência, o quadro de Francisco piorou. Ele teve mais dois princípios de parada cardíaca e foi intubado. Além disso, três comorbidades agravaram o quadro clínico: hipertensão, diabetes e obesidade.

O filho do garçom Luís Paulo declarou que o pai deixou um legado para família e amigos em Brasília. “As lembranças do meu pai são todas positivas. Eu não imaginava a dimensão popular que o nome dele tinha. Meu pai deixou gravado na minha história, na história da minha família, o nome dele. Ele mostrou de verdade que tinha o coração bom e que era uma boa pessoa”, disse.

Luís falou que cresceu no Beirute, pois desde os 6 anos de idade acompanhava o pai na jornada. Pequeno, gostava de brincar no parquinho com areia que fica ao lado do tradicional bar. Mas, às vezes, se dispunha a ajudá-lo, e ia percorrer as mesas. “Eu ia trabalhar com ele. Quando tinha atendimento, eu falava com os clientes. Mas, no final do dia, eu adormecia e ele me trazia de volta para casa. Tenho só lembranças positivas dele. Diversas vezes eu queria ir junto”, relatou.

O sepultamento aconteceu nesta quinta-feira (24/6), às 16h, no cemitério Jardim Metropolitano, em Valparaíso de Goiás. Em virtude da pandemia de covid-19, o enterro seguiu as medidas de segurança e não permitiu aglomeração.

Último adeus

Cearense, Arleudo conquistou clientes por meio do carisma e humildade. Paulo Chapa, 52, é músico e conheceu o garçom na época da faculdade. “Eu me lembro que no tempo de estudante, não tinha dinheiro para comer, só para tomar duas ou três cervejas. O Arleudo, com esse coração gigante, sacava a situação e, sempre que podia, ofertava um quibe, pão sírio, grão-de-bico ou alguma coisa que ficava ali estocada. Com isso, ele foi conquistando os estudantes que frequentavam o Beirute”.

Paulo encontrou Arleudo há duas semanas, no bar. Eles chegaram a ter uma conversa sobre a saúde e a aposentadoria de garçom. Além disso, Paulo falou que Arleudo era muito amigo de seu irmão, que já faleceu. “Quinze dias atrás, quando fui no bar, ele contou a história do primeiro carro que meu irmão comprou e veio mostrar pra ele todo feliz. Só tenho boas lembranças, uma figura de coração imenso e emblemática para a cidade”, lamentou a perda.

Alessandra Roscoe, 51, é jornalista, escritora e frequentadora do Beirute. O caminho de Arleudo, também se cruzou com ela. “Eu coordeno o Uniduniler todas as letras, que realiza, desde 2013, o Festival Itinerante de Leitura, em que o Beirute é parceiro. Durante os dias do festival, a equipe e os convidados faziam as refeições no Beirute e todos os escritores, ilustradores e artistas tiveram a alegria de conhecer Arleudo. Ele fazia questão de nos atender, sempre com um sorriso de prontidão. Todos viravam fãs do Arleudo no momento que o conheciam”, falou.

Além disso, ela falou que, com ele, não tinha tempo ruim. “Eu tenho três filhos de idades bem distintas e sempre que ia ao Beirute com eles, o carinho do Arleudo e de toda a turma de lá com a gente parecia aumentar, por conta das crianças. Sempre atencioso, prestativo, pronto a nos entregar uma palavra carinhosa e amiga. Era querido pelas crianças, pelos adultos. Tratava a todos com delicadeza ímpar. Deixa muitas saudades”, disse a escritora.

Francisco Emílio Marinho, filho do mestre Chiquinho, dono do Beirute, expressou sua tristeza pelas redes sociais. “Boa parte de sua vida foi construída na calçada da 109. Foram momentos maravilhosos juntos”, destacou sobre o grande integrante da família beirutiana.