Perfil

Centenária, moradora de Brasília esbanja saúde, lucidez e bom humor

Com 104 anos de vida, Eunice Lima Costa é apaixonada pela vida e pela família. Com boa memória, ela recorda momentos marcantes de sua trajetória e aproveita todos os dias da vida

Caroline Cintra
postado em 04/12/2021 06:00
Eunice Lima Costa completou 104 anos com muita disposição -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)
Eunice Lima Costa completou 104 anos com muita disposição - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press)

São 104 anos de vida desfrutados com leveza e muito bom humor. É assim que Eunice Lima Costa aproveita o dia a dia. Os pés, que deveriam estar cansados pela longa caminhada, estão mais que dispostos para dançar. Com a voz, ela preenche a casa e a alma com canções e recitando poesias. A visão não é a mesma da juventude, mas ela não perde a oportunidade de ler um bom livro. Na memória, carrega momentos importantes e lembra de tudo com clareza, conta detalhes de fatos vividos, desde a infância simples e humilde até os dias atuais de pandemia e tecnologia. Essa última não a assusta, ela faz questão de conhecer as novidades digitais.

Nascida em 30 de novembro de 1917, em Novo Mundo (BA), Eunice acompanhou, talvez, as maiores mudanças na história da humanidade. Chegou a presenciar a passagem de Lampião pelo município baiano. Ela lembra do medo que tomou conta da cidade, mas a rápida visita foi pacífica. "Era lampião e seu bando. Seguia minha mãe por onde ela ia, com medo. Mas eles respeitaram a todos e não fizeram nada", lembra.

Na infância, por volta de 1929, foi chamada para dar o pontapé inicial de uma partida de futebol entre um time de Salvador e outro de sua cidade. Ali, nascia a paixão pelo esporte, que a acompanha até hoje. Flamenguista de coração e alma, reza sempre pela vitória do time. Ainda pequena, era aluna destaque. Passou a dar aula para crianças e adultos na escola municipal. Lecionava todas as matérias básicas: português, matemática, ciências, história, geografia, instrução moral e cívica, entre outras.

Foram muitos momentos especiais ainda na infância com o pai, a mãe e os seis irmãos. Mas, infelizmente, não tem fotografias da época. Era tudo muito caro. As lembranças ficam num lugar onde estão sempre vívidas e brilhantes: na memória.

Família unida

Aos 18 anos, casou-se com Joaquim Lima Costa. Ainda na Bahia, tiveram 10 filhos — três homens e sete mulheres. Uma adotiva. "Eles são tudo na minha vida. Não consigo viver sem meus filhos. Agradeço a Deus por todos serem saudáveis e estarem bem", declarou Eunice.

No pacato município baiano, ariava panelas e talheres com areia. As roupas eram lavadas à mão e passadas em ferro à brasa. Objetos como velas, candeeiro, lampião, eram os utensílios comuns. Para cozinhar, utilizava o fogão à lenha e não tinha geladeira. No máximo se guardavam algumas coisas na própria banha do animal ou salgavam e penduravam ao sol, em um varal. As viagens eram feitas a cavalo. Eunice sempre dedicou-se ao lar. Era ela quem costurava as roupas dos próprios filhos. "Achavam que eram feitas por alfaiate", diverte-se.

Os brinquedos das crianças eram todos artesanais. Ossos de uma rabada viravam bois, bezerros, cachorros e diversos animais nas mãos dos filhos. As bonecas eram de pano.

Chegada à capital

No início dos anos 70, uma de suas filhas casou e veio com o marido conhecer a nova capital brasileira. O casal trouxe Eunice junto. A viagem, que seria a passeio, despertou nela o sonho de trazer toda a família e criar os filhos na cidade, que oferecia muitas oportunidades. A ideia mudou a vida de todos. Avisou ao marido, por meio de telegrama, para fazer as malas e vir com os demais familiares para Brasília. "Ele achou uma loucura no início. Depois que conheceu a cidade, não disse mais nada, porque também ficou apaixonado", contou Eunice.

O sonho de ver todos os filhos graduados tornou-se realidade em Brasília. Além disso, a família cresceu bastante na capital federal. São 23 netos e 38 bisnetos. Eles dizem que já nasceram "em berço de ouro", porque mesmo com algumas dificuldades, nunca lhes faltou nada.

Em 2005, Joaquim faleceu em decorrência de infarto, aos 91 anos. Esta foi uma surpresa para a família, já que ele esbanjava saúde. Ali chegava ao fim os 67 anos de união. Mas, mesmo com a perda, Eunice manteve a alegria de viver mesmo com a saudade presente. Eunice deixou a casa onde morou por anos com o companheiro, no Guará, e passou a viver em um apartamento na Asa Sul. Atualmente, mora com a filha Janete Angelo, 74, e o neto Emerson Angelo, 46.

Alegria de viver

Aos 104 anos, ela ainda caminha e se deixarem faz tudo sozinha. Em 2021 passou a usar uma cadeira de rodas porque gosta de passear e a locomoção já não é mais a mesma. As poesias e cânticos, de que tanto gosta, são músicas mais antigas, que ela lembra inteiramente, inclusive os hinos nacional brasileiro e o da França. A centenária joga damas, faz palavras cruzadas e se diverte com tudo o que lhe mostram no WhatsApp. Quando vê alguém sorrindo com o celular nas mãos ela se apressa "Me inteira do que você está rindo aí". A família cai na gargalhada.

Quando perguntada sobre como é ter 104 anos, ela logo afirma: "Coisas de Deus. Minha e do homem da terra é que não é. Vejo como algo muito bom. É uma benção grandiosíssima. Sem doença, com equilíbrio, saúde, bem estar, para mim e toda a família. Sou feliz por ainda estar aqui, e na graça de Deus entregando a Ele todas as decisões para a minha vida e para tudo o que o dia a dia requer", declarou.

A palavra de Eunice é gratidão. "Não tenho palavras para agradecer a Deus, à Jesus, ao Espírito Santo, à Nossa Senhora, assim como à minha família e amigos, a tudo o que sou, o que penso, e por ainda existir! Amo a vida", completou.

Para a família, ela é o maior exemplo. "Ela é uma pessoa muito alegre, gosta muito de viver, ama de paixão a vida, se entrega ao amor pela família, como ama o Brasil jogando futebol. É nosso exemplo de geração para geração. O rei se foi e ficou uma rainha. Ela vive com a gente desde 2015 e quando passo o dia em casa, ela vira meu travesseiro. Fico em cima dela o dia inteiro. É minha paixão", afirma o neto Emerson.

Janete lembra que quando o pai morreu teve a sensação de dever cumprido por ter feito tudo por ele. Desde a partida dele, a atenção é totalmente para Eunice. "Nós temos uma amizade tão linda. Ela me disse no início desse ano que eu sou mãe e filha dela. E é isso. Ela é a filha que não tive. Tenho dois homens. Ela é um presente que Deus me deu. Uma bênção para mim. Faço tudo com amor e carinho. Sem reclamar, sem cansar. É minha maior alegria", declarou.

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