Direito do consumidor

Problemas na compra de jogos em pré-venda? Saiba o que fazer

Mercado das produtoras de jogos voltados para diferentes plataformas está em alta. Uma das formas que se tornaram populares nos últimos anos é o sistema de pré-venda. E quando o game não funciona ou dá problema, o que fazer?

Carlos Silva*
postado em 07/02/2022 06:00
 (crédito: CB)
(crédito: CB)

A tecnologia evolui tão rápido que sequer podemos acompanhá-la. Com isso, novas formas e aplicações das leis de direito do consumidor surgem em diversas situações. Uma aplicabilidade que vem se tornando muito comum é nos jogos digitais. Cada vez mais, cresce o mercado das produtoras de jogos voltados para diferentes plataformas para divulgação e comercialização de seus produtos. Uma das formas que vem se tornando popular nos últimos anos é o sistema de pré-venda de games. Porém apesar de esse sistema ser visto com bons olhos por empresas menores e por parte da comunidade de jogadores, alguns problemas podem ocorrer na compra antecipada daquele tão sonhado jogo, e o que era diversão pode virar frustração.

O autônomo Luiz Bezerra, de 19 anos, morador do Guará 2, teve problema ao comprar um jogo na pré-venda, em 2021, após aguardar o lançamento há muito tempo. Aí, veio a surpresa: o jogo estava cheio de erros de funcionamento. "Fechava do nada, constantemente. Todos os consoles estavam assim. Para o Xbox One e Playstation 4 Base estava 'injogável'. Como o meu é o Base, minha experiência com o game foi horrível e frustrante. Mas depois de um ano, com algumas atualizações, o jogo está jogável, contendo poucos bugs", relata.

Segundo Luiz, o marketing do jogo fez muitas promessas e não as cumpriu, prejudicando muitos outros consumidores que compraram o produto na pré-venda. Procurando garantir seus direitos, o autônomo tentou reembolso, porém o prazo havia excedido. Então, ele entrou em contato com a empresa por meio de uma rede social, porém só recebeu uma resposta genérica. "Eles responderam de uma forma ampla, porque muitas pessoas estavam com os mesmos problemas", narra. Após o trauma, o jovem relata que aprendeu a lição: "Nunca comprar um jogo na pré-venda".

Apesar de situações como essa não serem raras, o professor David Leonardo Teixeira, fundador do projeto Geekfit, que tem como objetivo aliar jogos eletrônicos à educação regular de jovens da rede pública de ensino do DF, explica que a pré-venda de jogos também tem bons aspectos para os produtores. "As empresas que colocam jogos em pré-venda, mesmo antes de estarem prontos, confiam no trabalho delas. As pessoas que compram dão, em parte, um voto de confiança, mas aí tem toda uma relação jurídica de consumidor que vai protegê-los também acerca desse produto. Por outro lado, isso também ajuda a capitalizar a empresa, às vezes, para dar sustentabilidade àquele projeto. Então, não vejo como ruim, é um voto de confiança à indústria gamer, e eu acho que é uma indústria que tem que se enxergar de uma forma recíproca e dialética o tempo inteiro. O jogador depende da empresa, e a empresa depende do jogador", explica.

CDC nos games

Apesar de abranger uma grande variedade de situações, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não trata de algumas questões específicas. Muitos desses casos passaram a se tornar recorrentes com o avanço da tecnologia e a criação de novas formas de relações entre fornecedor e consumidor. Porém, mesmo nesses casos, o CDC pode ajudar, como lembra a advogada especialista em direito do consumidor Erika Leite. "Cabe lembrar que o Código de Defesa do Consumidor é do ano de 1990, em que ainda não se havia popularizado esse mercado de jogos digitais. Entretanto, mesmo que não faça menção específica, se aplica perfeitamente o CDC no que se refere aos jogos digitais, já que se trata de um produto (bem imaterial) — art. 3º, §1º para fins de aplicação da norma consumerista", explica.

O professor David Teixeira ressalta que as garantias oferecidas aos jogadores têm sido as mesmas de outros tipos de consumidores. "Os mesmos direitos de compra e venda de qualquer produto também se aplicam à compra de jogos de mídia física e de mídia digital. Por exemplo, ao comprar um jogo em alguma loja on-line, você tem o tempo de arrependimento dessa compra", exemplifica.

Esse tempo, normalmente, é de sete dias, como previsto no artigo 49 do CDC. Porém, nem toda situação se dá dessa forma, como explica a advogada Erika Leite. "De início, temos que o jogo digital é um bem imaterial, e pelo modo que se dá sua fruição, dentro deste prazo de sete dias, o adquirente pode já ter usufruído do jogo digital diversas vezes, inclusive de modo exaustivo. Neste caso em específico, não entendo que faça sentido o cabimento do direito de arrependimento, que aqui deve ser flexibilizado e analisado de acordo com cada situação, sempre ponderando-se de acordo com o princípio da boa-fé objetiva, princípio basilar das relações de consumo", esclarece.

O direito de arrependimento se mostra muito importante em situações de constantes erros de funcionamento do jogo. Porém o professor David Teixeira alerta que situações envolvendo compras feitas por crianças também merecem atenção. "É superimportante mencionar nesse momento uma fragilidade muito grande que acaba sendo criada. Porque muitos pais não entendem o cenário dos jogos eletrônicos. Temos um largo histórico de crianças e jovens que, sem saber, acabam comprando R$ 5 mil,
R$ 10 mil ou até R$ 15 mil em itens para seus jogos eletrônicos. Por quê? Porque o pai e a mãe deixam o cartão associado ao aparelho, e o filho vai lá e vai apertando um milhão de vezes. Isso é um grande aspecto negativo para a compra de jogos eletrônicos digitais e também um aspecto de segurança, porque os pais, muitas vezes, entregam seus celulares com informações de grande importância no aspecto financeiro e deixam na mão dos seus filhos", alerta.

Mesmo para jogos, as regras sobre responsabilização também se mantêm as mesmas, porém as análise dos casos ainda se faz necessária, como explica Erika Leite. "A regra no Código de Defesa do Consumidor é da responsabilidade solidária de todos os envolvidos na cadeia de consumo, de acordo com o art. 7º, parágrafo único, e 25, §1º. Mas deve-se analisar cada caso concreto". Ela também lembra que há possibilidade de ressarcimento, mas que o consumidor deve se atentar ao termo e condições para tal.

O professor David cita o lançamento do jogo Cyberpunk 2077 pela empresa polonesa CD Projekt Red. "Cyberpunk 2077 foi um jogo muito aguardado. E foi lançado com vários vários problemas na programação. Veio com tantos defeitos que a própria PlayStation Network, que era uma das plataformas que vendia o jogo, nesse caso para os videogames da Sony, os Playstations, conseguiu não só ressarcir o consumidor, como retirou o jogo da sua plataforma digital de venda", relembra.

Já que grande parte das desenvolvedoras de jogos são internacionais, o caminho recomendado é entrar em contato com elas. A dificuldade de comunicação varia, pois grandes empresas podem ter difícil contato para soluções de questões desse tipo. Porém, como dito antes, também é possível acionar qualquer membro da cadeia de fornecimento do produto para solucionar eventuais questões.

Pressão popular

O professor David Teixeira também lembra do potencial das redes sociais para chamar a atenção das empresas para determinado problema. "Hoje, o consumidor consegue ter os direitos garantidos, mas muito por essa pressão popular. Muitas vezes, a empresa tem receio de ser "cancelada", ou de sofrer algum tipo de represália nas redes sociais. Eu acho que hoje sempre há um espaço para melhorias. Sobretudo hoje, enquanto jogadores, temos cada vez mais conseguido modificar o que está errado por meio da pressão popular, enquanto jogadores, enquanto consumidores", afirma.

Também vale lembrar que o Brasil é signatário de tratados internacionais como a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (Uncitral). Compras feitas em estabelecimento do exterior ou pela internet também podem ser reguladas pela Código de Defesa do Consumidor. Além disso, com base no artigo 75 (que trata da representação em juízo), cujo inciso VIII diz que será representada "a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores", a Justiça também pode julgar casos mais graves de situações de direito do consumidor envolvendo entidade de fora do Brasil.

*Estagiário sob a supervisão de Adson Boaventura

 

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GRITA CONSUMIDOR

 (crédito: Pacifico/CB)
crédito: Pacifico/CB

Shopping

Produto não entregue

Geraldo Vieira Filho
Taguatinga

O aposentado Geraldo Vieira Filho, 71, morador de Taguatinga Sul, entrou em contato com a coluna Grita do Consumidor para reclamar de um produto que comprou pela internet e que ele não recebeu. "Comprei um relógio de pulso em outubro de 2021, no Safshopping. Paguei no boleto e não o recebi. Entrei em contato e informaram que havia um atraso por parte do fornecedor. Depois de um tempo, o contato da loja não ficou mais visível pelo WhatsApp e o atendente, identificado como Anderson, não me dá mais nenhum retorno."

Resposta da empresa
“Tivemos alguns problemas na logística de entrega de vários pedidos. Desde então,a gente vem tentando resolver os casos. Em algumas situações, conseguimos solicitar o estorno. No caso de Geraldo Vieira, nãos abemos se a credora dele ainda consegue estornar o valor, mas, se isso for possível,pedimos para ele solicitar o reembolso, pois assim o Mercado Pago, que é o provedor de pagamentos, realiza todo estorno da transação. Caso ele queira que a gente ainda tente resolver a entrega, vamos precisar de aproximadamente 22 dias devido ao processo de logística.”

Resposta do consumidor
“Sim, eu concordo com o que foi proposto. Só não sei como entrar em contato com o Mercado Pago para solicitar o estorno.”

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