RELATÓRIO

Prisões do DF: relatos denunciam sabão em pó para higiene dental e fezes em marmitas

Entre 2019 e 2021, Comissão de Defesa de Direitos Humanos da Câmara Legislativa recebeu 983 denúncias de violações a essas garantias no sistema prisional do DF. Na quarta-feira (2/2), grupo entregou à ONU documento com detalhes das acusações

Jéssica Eufrásio
postado em 03/02/2022 06:00 / atualizado em 08/02/2022 22:31
 (crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)
(crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)

Com um salto assustador de 2.195% na quantidade de denúncias relacionadas ao sistema prisional do Distrito Federal entre 2019 e 2020, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar (CDDHCEDP) da Câmara Legislativa acompanhou uma explosão de relatos envolvendo supostas violações a essas garantias durante a pandemia da covid-19. Até 2021, nos três anos de atuação do grupo de cinco deputados titulares que compõem o comitê na atual legislatura, o total chegou a 983.

Um relatório de 36 páginas elaborado pela comissão e divulgado nessa quarta-feira (2/2) sintetiza alguns dos depoimentos de denunciantes. Se confirmados, eles representam casos de graves violações a direitos assegurados aos internos. Entre as acusações, há relatos sobre presos escovando os dentes com sabão em pó e de que encontraram fezes junto a alimentos das marmitas recebidas na carceragem (leia Queixas).

Um dos trechos do documento detalha: “(Um preso) recebeu apenas R$ 80 dos R$ 200 deixados pela família; apresenta marca de agressões; seu aparelho ortodôntico foi quebrado; está dormindo no chão apenas com um lençol, junto a outros 27 internos, e sem chinelos; está há mais de dez dias sem a medicação para soropositivos, que é de consumo diário”.

Outras duas denúncias registradas pela comissão afirmam que “após a suspensão das visitas aos internos do sistema penitenciário do Distrito Federal, aumentaram os casos de violência e tortura por parte dos agentes penitenciários contra os detentos”. “(...) cada vez mais, sem motivos que justifiquem tais atos, os presos vêm sendo espancados e torturados. (...) alguns internos apresentam olhos roxos como marca das lesões decorrentes da violência e, em um caso, quebraram o braço de um detento”, diz o relatório.

Queixas

A alta mais representativa do número de relatos desse tipo — que passaram de 22, em 2019, para 505, no ano seguinte — ocorreu em 2020, quando teve início a pandemia da covid-19 no Brasil. À época, o Poder Judiciário local adotou uma série de medidas — entre elas, suspender as visitas ao Complexo Penitenciário da Papuda — como forma de evitar a disseminação do novo coronavírus.

Naquele ano, a maioria das denúncias recebidas pela comissão teve relação com problemas de acesso à saúde (197 registros) e com a falta de comunicação dos detentos com a família (191). Em 2021, o destaque apareceu nas acusações de maus-tratos e tortura (222), além de incomunicabilidade (123), problema que persistiu, segundo informado à CDDHCEDP. Confira alguns dos relatos listados:

  • Intoxicação em decorrência de alimentos contaminados ou estragados. Um relato menciona marmitas entregues com itens crus e até fezes junto à comida: “Presos que não conseguem comprar comida por falta de dinheiro são expostos a esse tipo de humilhação e situação indigna, sendo obrigados a ingerirem comida estragada para não passarem fome”;
  • Internos escovando os dentes com sabão em pó;
  • Detentos obrigados a tomar sol nus e forçados a sentar no chão quente: “Ainda, os agentes praticam brincadeiras vexatórias com os detentos, fazendo-os correrem e pularem, sem vestimentas, sob o pretexto de exercitar o pênis”;
  • Presos com doenças crônicas sem receber a medição diária necessária ou acompanhamento médico;
  • Violência física e psicológica de agentes penitenciários contra internos;
  • Tomada de roupas e pertences dos internos sem justificativa, bem como queima desses itens;
  • Materiais entregues pelos familiares chegando com atraso aos destinatários ou incompletos, inclusive quantias em dinheiro;
  • Parentes e advogados sem receber notícias do preso por longos períodos;
  • Visitas impedidas sem justificativa e ligações para conversa entre presos e familiares sem agendamento prévio, o que teria impossibilitado a comunicação;
  • Falta de distribuição de alimentos e itens de higiene pessoal;
  • Cantinas desabastecidas;
  • Falta de água;
  • Infestação de ratos.

Cobranças

Em 2010, a população carcerária do Distrito Federal era formada por 9 mil pessoas, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária (Seape). Dez anos depois, essa quantidade passou de 15,4 mil (70% a mais).

No relatório, a CDDHCEDP sugeriu quatro “medidas urgentes” ao poder público e anexou outros dois pedidos de melhorias no sistema prisional do DF, apresentados em 2020 e 2021 ao Governo do Distrito Federal (GDF) e à Vara de Execuções Penais (VEP-DF).

Nessa quarta-feira (2/2), o documento foi entregue ao Subcomitê da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Prevenção contra a Tortura (SPT), em reunião do grupo com a Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), no Congresso Nacional.

Confira a íntegra do relatório e leia o que a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e o Sindicato dos Policiais Penais (Sindpol-DF) responderam sobre as acusações.

 

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