Violência

Dono ameaça abandonar cão em estrada caso abrigo não receba o animal

O abrigo, localizado no entorno do DF, não viu alternativa senão acolher o filhote. A ameaça viralizou na internet e o cão acabou sendo adotado

No entorno do Distrito Federal, um caso revoltou donos e amantes de animais nesta terça-feira (1°/2). Para coagir um abrigo a pegar seu cãozinho de apenas três meses, um homem ameaçou abandonar o pet na estrada para ser atropelado.

A conversa foi publicada no Instagram da ONG, Abrigo do Acolhimento. No print, o dono pergunta se o abrigo está aceitando cachorros. Ao ser informado de que o local está lotado, o homem diz que é uma pena, e que, talvez, “depois que abandoná-lo na estrada e ele for atropelado apareça uma vaga”.

A publicação repercutiu nas redes. Revoltadas com a situação, diversas pessoas incentivaram a instituição a denunciar o responsável. “Esse tipo de mensagem é muito comum porque as pessoas acham que temos obrigação de acolher todos os animais, inclusive os que já têm dono. [...] ABANDONO É CRIME, mas infelizmente não temos apoio nenhum da polícia para esse tipo de caso”, diz texto publicado pelo abrigo.

Mesmo sem espaço e com pouco mantimento, a instituição acolheu o filhote “por medo de acontecer o pior”. Com a viralização do caso, Paçoca, como é chamado, foi adotado por uma família nesta quarta-feira (2/2), um dia após a publicação. O cãozinho foi bastante disputado e os voluntários realizaram várias entrevistas para escolher o cuidador mais apto. “Paçoca tem uma nova família que vai amar e cuidar dele como ele merece”, diz a instituição. 

Adoção irresponsável

Ao Correio, o fundador do abrigo, Ihago de Melo Lemos, disse que, após conversar com o ex-dono, enviou o endereço do local para que o cachorro fosse levado. “Conversamos com jeitinho, com medo de ele cumprir a promessa”, conta.

Ainda segundo o voluntário, 29 anos, é normal esse tipo de ameaça e a ONG recebe mensagens parecidas quase todo dia. “Já aconteceu muito. As pessoas acham que temos que assumir a responsabilidade que é delas… É direto! Quando não ameaçam, jogam uma caixa com animais aqui no abrigo e vão embora.”

No mesmo dia da repercussão, durante a madrugada, uma caixa lacrada com vários filhotes foi deixada no abrigo. “As pessoas aproveitam que [o local] é humilde e não tem câmera. Com os abandonos, o trabalho acaba ficando ainda mais prejudicado por não termos condições financeiras e estruturais.”

Além do Paçoca

O Abrigo do Acolhimento funciona desde 2018 na Cidade Ocidental. Ihago começou com sete cachorros e, após a pandemia, o número saltou para mais de 200 animais. De acordo com o dono da ONG, infelizmente, muitos estão em situação bem pior que Paçoca.

“Hoje em dia a gente só pega casos de extrema necessidade, como animais atropelados, debilitados e muito magros”, diz. Tem todo tipo de caso: desde animal que chega com uma pata quebrada a animal que aparece com os olhos furados. A maior parte dos animais, ao serem acolhidos, precisam de cirurgias ou cuidados especiais.

Sem ajuda financeira de entidades e superlotado, o Abrigo do Acolhimento se mantém no limite. “A gente vai levando e mantendo. Mantendo na dificuldade”, diz Ihago. Com cada vez mais cachorros para sustentar, a ração, por exemplo, foi trocada pela mais barata. “Cachorro que levava cerca de três meses para se recuperar, agora leva seis”, menciona o responsável. A recuperação lenta dos cães vem sendo um problema para a ONG, já que cachorro doente dificilmente é adotado.

Os cães adultos, de grande porte e vira-latas são os que mais sofrem. Tem cachorro que não foi adotado por nenhuma família desde a abertura do abrigo, há quatro anos. Ihago conta que o número de adoções reduziu ainda mais durante a pandemia — em contrapartida, o número de abandonos aumentou.

“Sempre pensamos em fechar o abrigo, mas como podemos parar com essa quantidade de animais? O que vamos fazer? Temos que continuar”, explica o voluntário.

Doações e adoção

A principal fonte de renda do abrigo são as doações, feitas por PIX, transferência ou fisicamente (com dinheiro ou mantimentos). O que tem sido doado no momento, no entanto, não está sendo o suficiente. Segundo o dono, os gastos mensais com as contas e com os animais somam cerca de R$ 6 mil. As doações totalizam, no máximo, R$ 4 mil.

As adoções são feitas por meio de contato no Instagram ou no WhatsApp da ONG.

Abandono 60% na pandemia

Apesar de não haver estatísticas oficiais, um estudo feito em 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que mais de 30 milhões de cães e gatos se enquadram ‘em situação de abandono’ no Brasil.

Segundo a gerente de projetos da ONG Ampara Animal e membro do CRMV-SP, Rosangela Gebara, o índice de abandono aumentou cerca de 60% entre julho de 2020 e o terceiro trimestre de 2021.

“Alguns protetores declararam aumento de abandono de 300%, de 150%, outros de 30%. Este dado se torna ainda mais agravante quando vemos que o número de doações também diminuiu por causa da pandemia, em que quase não teve eventos de adoção. A crise econômica e social exacerbou um problema antigo que é a falta de responsabilidade das pessoas com os animais. Então, quando a pessoa está passando por um momento difícil, a primeira coisa que ela faz é abandonar o mais vulnerável”, destacou a especialista.

Caso o dono não possa mais ficar com o pet, o ideal é que converse com protetores ou busque uma nova casa que garanta uma boa qualidade de vida para o animal. Abandono nunca deve ser uma opção.