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Jovens e adultos voltam a estudar em busca de mais oportunidades

Retardatários buscam melhoria de vida com volta às aulas. Atualmente, 29 mil alunos estão matriculados na modalidade EJA

Ricardo Daehn
Ana Maria Pol
postado em 06/03/2022 06:00
Lucca Yan de Sousa Marques e as colegas de turma Solange Guedes e Raquel Pereira de volta aos bancos escolares em Taguatinga -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Lucca Yan de Sousa Marques e as colegas de turma Solange Guedes e Raquel Pereira de volta aos bancos escolares em Taguatinga - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Desenvolver habilidades escolares para o futuro ingresso no mercado de trabalho é socialmente esperado. Entretanto, milhares de brasilienses na fase adulta ainda lutam para concluir os ensinos fundamental e médio. Atualmente, 29 mil pessoas estão matriculadas na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Distrito Federal.

Os motivos para o abandono são muitos, mas, normalmente, o retorno é ocasionado pelo desejo de melhoria de vida. Para o atendente Luca Yan de Sousa Marques, 26 anos, a subsistência o afaastou dos bancos escolares. "Precisei ir para o Ceará, e lá trabalhava das 5h até 19h. Eu não tinha opção de estudar porque ou era um, ou era outro". Pai de um menino de 8 anos, ele sonhava em retomar os estudos e, após 11 anos parado, conseguiu ingressar em uma turma de EJA.

Luca chegou a concluir o ensino fundamental no Centro Educacional 2 de Taguatinga e não esconde a animação de retomar de onde parou. Ele acredita que avançar nos estudos pode render melhores oportunidades profissionais, mas sabe que o futuro é incerto. "É um sonho concluir essa etapa e começar uma nova. Todo mundo sonha em ter as fotos de recordação da formatura, ter conhecimento. Várias coisas passaram na minha cabeça, pensei em fazer curso técnico de enfermagem, em mexer com pedagogia. Vamos ver quais serão os próximos passos", projeta. No momento, a única convicção de Luca é ser um exemplo para o filho. "Quero mostrar que a vida não tem prazo pra acabar e não podemos desistir. Apesar das dificuldades, temos que persistir", assevera.

Desafio diário

Histórias como a de Luca são conhecidas pela professora de biologia e química ElianaRodrigues Viana Magalhães. Desde 1993, ela se dedica ao ensino de quem não concluiu o ensino regular na idade indicada. "A educação de jovens e adultos é uma transformação social para aquele adulto. Muitas vezes, ele chega querendo o diploma, mas quando se depara com professores empenhados, que querem entender as dificuldades que têm, eles mudam essa concepção", diz.

Com oportunidades e realidades sociais difíceis, Eliana compreende que os estudantes do EJA sempre darão preferência ao trabalho. "Eles precisam comer, manter as necessidades básicas. Então, deixam a sala de aula de lado e nem sempre podem perseverar na formação educacional", pondera. Com essa realidade, ela destaca o papel dos professores no incentivo à permanência dos alunos na escola. "A tendência do governo, quando vê a sala vazia, é fechar a unidade. Por isso que as gestões das escolas fazem propagandas, contratam carros de som para falar sobre as inscrições abertas e que há vagas. E tudo isso é um dever do governo, eles precisam oportunizar isso para as pessoas", acrescenta.

Mais do que o título da educação formal, Eliana vê em cada novo aluno a retomada de projetos que foram interrompidos. "Antes de tudo, nós, professores, temos que pensar nisso e saber que muitos que estão ali tiveram sonhos adiados, não vividos e estão retornando para realizar isso, seja um diploma, a ascensão dentro da empresa, ou uma posição no mercado de trabalho", constata.

Impacto social

O psicólogo e mestre em educação Mauro Gleisson de Castro Evangelista analisa a correlação entre níveis de escolaridade e oportunidades. "Sem estudos, a renda tende a cair, numa média de 15%, a cada ano de escolaridade dispensada", aponta. Ele atenta que, em termos de qualificação profissional, quanto maior a vivência escolar, maior é o incremento nas habilidades sociais. "O mercado de trabalho absorve mão de obra que extrapola conhecimentos de português e matemática, por exemplo. No campo de trabalho, há maior adequação para pessoas com qualificação socioemocional. Com mais propriedade educacional, há reflexos no trato com colegas de trabalho e clientes", observa o pesquisador.

Além de oportunidades, o acesso à educação pode garantir outros benefícios. "É perceptível que o tempo de escola afeta diretamente o índice de melhora de saúde nos indivíduos", demarca.

Cercado por pesquisas (inclusive o próprio mestrado), Mauro Evangelista examinou o lugar que escola, família e comunidade ocupam na trajetória de adolescentes que cometem ato infracional. A conclusão é de que a escola e o caminho infracional são pólos que tendem a se repelir. Pessoas com mais escolaridade têm menor possibilidade de exposição a situações de vulnerabilidade. "Um maior tempo de escolarização traz a menor possibilidade de que a pessoa seja vítima de violência extrema, como no caso de homicídio. A realidade de que índices civilizatórios acompanham, proporcionalmente, o tempo de dedicação aos estudos. A escola melhora cidadãos", resume o especialista.

Investimento

De acordo com a Secretaria de Educação do DF, durante os anos de 2020 e 2021, houve um trabalho de divulgação em rádios comerciais, assim como em rádios e TVs comunitárias de diversas regiões administrativas para alcançar o público atendido pela EJA. Além disso, os estudantes da EJA também estão inseridos nos programas de alimentação e de transporte escolar da Secretaria de Educação e contam com kits de materiais adquiridos pelo Plano de Ações Articuladas (FNDE). Mais informações sobre o funcionamento sobre a oferta dessa modalidade de ensino podem ser acessadas em: educacao.df.gov.br/sobram-vagas-na-eja/ .

Palavra de especialista

Quais os principais desafios para EJA?

Uma das grandes dificuldades é o abandono dos alunos. Isso pode ser visto pelas próprias dificuldades que eles trazem para a escola. Muitos mudam de turno de trabalho, conseguem vagas de emprego, têm problemas familiares, doenças, e por qualquer dificuldade, deixam novamente de estudar.

E para os estudantes?

São alunos que tiveram que parar, mas sempre mantiveram a esperança de voltar de estudar, e hoje, mais amadurecidos pela dura realidade em que vivem, buscam novos horizontes para suas vidas, inclusive alguns seguem estudando no ensino superior e não veem a idade como um impeditivo para alcançar seus novos projetos e sonhos que sempre alimentaram.

Como o senhor avalia os investimentos nesse segmento?

Falta incentivo para que aqueles alunos que pararam de estudar voltem aos bancos das escolas e há muitas vagas disponíveis. Faltam campanhas institucionais nesse sentido, esclarecer a população da importância de concluir o ensino básico com qualidade. Por outro lado, há ameaças de fechar o turno se a escola não atingir o número de alunos para completar as turmas.

Wiliam Gratão, 62 anos, professor de filosofia e sociologia e mestre em Educação de Jovens e Adultos

 

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