Urbanismo

Após 50 anos, acordo resolve regularização fundiária de 22 mil lotes

Distrito Federal e União assinaram termo que oficializa transferência, feita em 1972, de quatro fazendas para Terracap. Áreas englobam partes de Vicente Pires, Brazlândia e Lago Oeste. Moradores deverão pagar novamente pelos lotes

Ana Isabel Mansur
Rafaela Martins
postado em 26/03/2022 06:00
Geovana Reis celebra a medida:
Geovana Reis celebra a medida: "Com o benefício da regularização, eu penso que o valor da residência ficará maior" - (crédito: Minervino Júnior/CB)

Chegou ao fim um imbróglio de 50 anos envolvendo a posse de terras no Distrito Federal. Após diversas tratativas, a União oficializou, nessa sexta-feira (25/2), a cessão de propriedade de quatro fazendas para a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap). Com a transferência, as áreas serão regularizadas e receberão políticas de desenvolvimento urbano e serviços de infraestrutura. O acordo abrange as fazendas Brejo ou Torto, Sálvia, Contagem de São João e Sobradinho. As duas últimas são áreas de preservação ambiental e, portanto, não serão ocupadas. Elas são administradas, conforme determinação legal, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que continuará com a gestão.

Presidente da Terracap, Izídio Santos explica que a companhia era dona das fazendas transferidas, mas faltava o registro de posse. "A doação não é de agora, é de 1972, ano de criação da Terracap. Mas, na época, o cartório não reconheceu, porque faltou, na ata, a descrição das áreas — isso foi feito agora, para cumprir a exigência cartorial", destaca. "A União é uma das sócias da Terracap e precisava transferir algumas áreas para fazer jus à proporção societária. Conseguimos chegar a um acordo, cumprindo o que está na constituição da Companhia Imobiliária de Brasília", continua o presidente, que prevê a regularização de 22 mil lotes nas áreas, sendo que 16 mil ficam em Vicente Pires.

A conciliação envolveu a Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal — ligada à Advocacia-Geral da União (AGU) —, a Secretaria de Governo da Presidência da República, o Ministério da Economia, a Procuradoria-Geral do DF (PGDF), a Secretaria de Economia do DF e a Terracap. O termo foi ratificado em uma cerimônia no Palácio do Planalto, com a presença do governador Ibaneis Rocha, do presidente Jair Bolsonaro; e da secretária de Governo da Presidência da República, Flávia Arruda.

Com a assinatura, os mais de 100 mil moradores das áreas terão de pagar novamente pelos lotes. As condições serão diferenciadas para as famílias que recebem mais de cinco salários mínimos. Aqueles com ganhos inferiores receberão o direito de propriedade das terras.

Em uma das fazendas, estão as quatro glebas da Região Administrativa de Vicente Pires, das quais duas passam a ser da Terracap. A companhia detinha a propriedade das outras duas partes. A cidade é a mais afetada pelo acordo, mas áreas do Lago Oeste e a Vila São José, em Brazlândia — onde moram cerca de 2 mil famílias de baixa renda —, também foram incluídas.

Investimento

Apesar de terem de pagar pelos lotes novamente, os habitantes de Vicente Pires comemoram a medida. A operadora de caixa Geovana Reis ressalta que a regularização é uma vitória. Ela espera que, após a assinatura dos termos legais, a região seja valorizada. Geovana, porém, não deixa de apontar os problemas da cidade. "Moro em Vicente Pires há nove anos. Acredito que as coisas precisam melhorar, aqui, na região. Como os imóveis são irregulares, sofremos com o medo de perder o local onde moramos. Com o benefício da regularização, eu penso que o valor da residência ficará maior, e o bairro, mais conhecido. O resto será consequência. É uma segurança que os moradores de Vicente Pires terão", pondera.

Para Geovana a mobilidade em Vicente Pires é um ponto crítico, principalmente devido falta de pavimentação de algumas ruas da região. "A questão do transporte público sempre incomodou os moradores, e é um problema antigo que não melhora. Tem muito motorista de ônibus que não para nos locais adequados, e as linhas rodam somente de hora em hora, então, acabamos desistindo ou arranjando outro jeito de sair e chegar. Porém, mesmo quando escolhemos pagar por um transporte particular, eles não querem se arriscar em Vicente Pires, pois sabem que existem ruas complicadas de chegar. E quando chove, a coisa fica pior", detalha a operadora de caixa.

Processo

O acordo abre caminho para a regularização dos locais — que deve acontecer até o fim deste ano, de acordo com Izídio Santos. "Agora, começa o processo. Vamos pegar os projetos, avaliar cada um dos lotes, listar todas as benfeitorias de infraestrutura feitas pelos moradores, deduzi-las do custo final e chegar ao preço de venda. Por fim, chega a fase da venda direta aos ocupantes", elenca o presidente. Sem as avaliações, não é possível estimar os valores.

 25/03/2022 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Regularização do Vicente Pires.
25/03/2022 Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Regularização do Vicente Pires. (foto: Minervino Júnior/CB)

O termo impede que a União, o DF e a Terracap recusem a promoção de instrumentos jurídicos para a regularização cartorial dos imóveis. As partes da conciliação se comprometeram a realizar o georreferenciamento dos imóveis e a certificar, com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os bens que estão na zona rural do DF.

Moacir Rosa, 59, é aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e adquiriu o imóvel onde vive há cinco anos. Morador da rua 4B, ele está esperançoso com a ideia de obter garantia judicial sobre a residência. "Eu e o pessoal, aqui, da rua estamos com expectativa alta, porém há um certo receio de especulação imobiliária, tendo em vista que estamos vivendo um momento de inflação, o governo pode acabar valorizando demais o terreno. Tirando isso, a expectativa é boa, porque morar em uma terra legalmente constituída, onde você pode vender, comprar e fazer um financiamento bancário, gera uma segurança para nós", comemora.

Segurança jurídica

"Tem muitos aspectos nessa questão que envolve o direito urbanístico, de terras e a questão fundiária, em que pensamos na propriedade. Se estamos falando de terras públicas, o correto será pagar novamente pelo terreno, mesmo que todos da sociedade tenham direito a terra garantida por lei. A função social da propriedade é que todos possam ter acesso à ela. Quando o Estado favorece uns mais do que outros, isso caracteriza algo que não está uniforme.

Como controle, a Terracap deve realizar um cadastro com nome de todos que ocupam as áreas. Até mesmo para que haja planejamento dentro dos espaços públicos. Compreendendo de que se trata de patrimônio público, que poderia ser utilizado para atender à população que buscasse acesso a terra, os proprietários deverão pagar novamente para morar nele.

No momento, isso envolve toda uma questão jurídica. No caso de Vicente Pires, existe um processo de regularização encaminhado, que provavelmente abarca essas terras que eram da União, mas que não estavam sendo encaminhadas. Acredito que a Terracap vai verificar o aspecto da condição econômica dos moradores, porque sabendo que muitas dessas pessoas não são de baixa renda, elas não estão enquadradas no perfil que recebe até cinco salários mínimos, e isso muda completamente o processo.

Agora a questão é encaminhar essas terras que foram repassadas da união, para o Governo do Distrito Federal. Então, a titulação deve ser feita dentro de trâmites que vêm sendo realizados, naqueles que o órgão já está trabalhando. E tudo isso demora, pois os valores são altos. Não costuma ser algo imediato, sobretudo, quando a gente entende que o processo de regularização fundiária envolve o meio ambiente, o desenvolvimento econômico, a questão social e outras vertentes."

Marly Santos da Silva, geógrafa e doutora em planejamento urbano

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