Bichos

Presença de pets sem coleira em locais públicos provoca polêmica no DF

Transtornos com pets soltos e sem guia em áreas públicas dividem tutores quanto à liberdade de animais em locais abertos. Lei distrital não prevê multa em caso de descumprimento de regras de convivência. Veterinário alerta para cuidados com cachorros na rua

Eduardo Fernandes*
postado em 28/04/2022 06:00
Tutora de um shih tzu, Camila defende circulação sem guia -  (crédito: Arquivo pessoal)
Tutora de um shih tzu, Camila defende circulação sem guia - (crédito: Arquivo pessoal)

Grande escudeiro e responsável por proteger a casa, o cachorro é conhecido por ser o melhor amigo do ser humano. No entanto, tornou-se alvo de um debate na capital do país: podem circular livremente em áreas públicas? Nessa discussão, há quem defenda o passeio dos cães sem coleira pelas ruas e parques. Ao mesmo tempo, alguns se sentem ameaçados pela presença dos bichos e, portanto, posicionam-se contrariamente à liberdade dos pets em espaços abertos. Apesar das divergências, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), responsável pelo cuidado de parques e unidades de conservação do Distrito Federal,  ainda não prevê multas em caso de descumprimento das regras de convivência.

O órgão informou que os tutores dos bichos devem obedecer a Lei Distrital nº 2.095/1998, que proíbe a permanência de animais soltos em locais com acesso livre ao público. Assim, a circulação de cães só fica autorizada com a presença do responsável pelo pet e uso de coleira. Além disso, cachorros de grande porte devem ficar com focinheira, para evitar ataques a pedestres.

Tutora da Cacau, uma shih tzu de 7 anos, Camila Luiza Silva, 21, mora em Águas Claras e é apaixonada por animais desde pequena. Quando começou a cuidar de cachorros, na infância e em um apartamento menor, era tutora de um dachshund. O cão, que ficou com a família por anos, morreu em 2010, o que deixou a jovem abalada e em luto por bastante tempo. Sem novos pets em casa após o ocorrido, a jovem conheceu Cacau em 2015 e, desde então, não a abandonou mais.

Camila Luiza passeia com o animal duas vezes ao dia, na frente do prédio onde mora ou no parque mais próximo, e conta que os vizinhos não se sentem ameaçados pela presença da cachorrinha. "Na verdade, a Cacau odeia pessoas. Sempre que tentam fazer carinho nela ou se aproximar, porque ela é pequena e toda arrumadinha, ela não gosta muito", comenta. Por reconhecer as demandas dos bichos, a estudante de publicidade defende que eles circulem livremente em áreas públicas ou residenciais: "Eles ficam o dia todo trancados em casa. Então, precisam sair, passear, respirar ar puro e se divertir. São seres vivos que têm necessidades, assim como nós".

Filho de Lorrany foi atacado por um dos pit-bulls da família
Filho de Lorrany foi atacado por um dos pit-bulls da família (foto: Arquivo pessoal)

Trauma

Por outro lado, a publicitária Lorrany Menezes, 47, começou a pensar diferente sobre o assunto após uma experiência difícil. O filho dela, Filipe Menezes, 18, foi mordido pelo cachorro da família, um pit-bull, em abril de 2021. "Ao chamar o cão para entrar em casa, o animal não aceitou, teve um surto e o atacou no braço", detalha. O pet só parou de morder o adolescente quando o pai do jovem usou um pedaço de madeira para afastá-los.

As consequências do ataque resultaram em sete pontos no braço de Filipe, que ficou muito machucado, segundo a mãe. Apesar do momento traumático, a moradora da Asa Sul mantém dois cachorros da mesma raça em casa. Contudo, a maneira de enxergar a criação do animal passou por mudanças. "Não o seguramos mais pela coleira quando está agitado e também não o deixamos solto ao recebermos visitas", comenta.

A situação surpreendeu a família, pois os dois cachorros costumavam brincar com pessoas próximas e nunca haviam demonstrado inclinação a cometer ataques. Por isso, Lorrany se diz contra a presença de animais em áreas abertas sem tutores e sem coleiras e focinheiras reforçadas para pets de grande porte. 

Além da possibilidade de haver ataques, animais que vivem nas ruas precisam de um olhar mais atento, segundo o veterinário Hiago Bruno Alves. "Eles podem sofrer maus-tratos, acidentes nas ruas, sofrer violência e até mesmo brigar entre si", afirma. Outro fator que prejudica a saúde deles é a falta de cuidados médicos para prevenção de doenças e de vermes, pulgas, carrapatos e parasitas.

Sem acompanhamento de especialistas ou tutores, esses cães ainda podem, em momentos de raiva, morder algum pedestre. Animais com o vírus causador da doença podem transmiti-lo a humanos, e a taxa de letalidade da enfermidade é quase de 100%. "Animais que passaram por algum tipo de repressão ou  por agressões tendem a se portar de maneira mais violenta, pois essa postura vira um mecanismo de defesa. Além de ansiosos e carentes, muitos não se permitem receber carinho, porque sofreram muito em algum momento", completa Hiago Bruno.

Tutores no Parque Ecológico das Sucupiras, no Sudoeste, pedem espaço para que cães possam se divertir
Tutores no Parque Ecológico das Sucupiras, no Sudoeste, pedem espaço para que cães possam se divertir (foto: Eduardo Fernandes/Esp. CB/D.A Press)

Falta de espaço

O dilema se passa, por exemplo, no Sudoeste, no Parque Ecológico das Sucupiras. A associação de representantes da área verde (Apes) informou ao Correio que faz constantes advertências a tutores que prejudicam outros frequentadores levando pets para o local. Os casos chegaram a parar na delegacia, devido à proibição de acesso dos animais nessa área pelo Ibram. Os tutores, por outro lado, pedem que haja delimitação do espaço, com uma parte para bichos ou a criação de um Parcão.

A Secretaria de Projetos Especiais (Sepe) confirmou à reportagem que não há qualquer Parcão na área do Plano Piloto. Entre o Sudoeste e a Octogonal, o único local semelhante a esse espaço é o Bosque Pet, lançado em agosto de 2020 para a convivência de cachorros. O projeto resultou de parceria entre a comunidade, a administração regional e a iniciativa privada. Outro lugar com proposta parecida fica no Parque da Cidade Sarah Kubitschek, atrás do Complexo da Polícia Civil.

Águas Claras, por outro lado, conta com 12 Parcães. E Samambaia Sul tem previsão de ganhar um em breve. A inauguração, que estava prevista para amanhã, foi adiada e não tem nova data para acontecer, segundo a Sepe. O local terá duas caixas de areia, cercamento, grama e bancos de concreto, além de brinquedos como gangorras, casinhas, manilhas e um circuito formado por pneus, para que os animais possam percorrer livremente. Em caso de problemas no convívio, os tutores podem entrar em contato com o Executivo local por meio da Ouvidoria (telefone 162 ou pelo site ouvidoria.df.gov.br). 

*Estagiário sob a supervisão de Jéssica Eufrásio

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