Investigação

Grileiros de terras em São Sebastião tinham até cartório falso

Em uma megaoperação desencadeada ontem, sete pessoas foram presas por agentes da 30ª Delegacia de Polícia. Entre os detidos está o ex-administrador de São Sebastião Alan Valim, que nega qualquer envolvimento

Darcianne Diogo
postado em 20/07/2022 05:57 / atualizado em 20/07/2022 06:00
 (crédito: PCDF)
(crédito: PCDF)

Após um ano de investigação, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) chegou aos líderes de comandar um esquema milionário de grilagem de terras em São Sebastião. Em uma megaoperação desencadeada ontem, policiais da 30ª Delegacia de Polícia prenderam sete pessoas e cumpriram 33 mandados de busca e apreensão. O Correio apurou que entre os alvos da operação estão o ex-administrador regional da cidade Alan Valim e dois homens apontados como os chefes das organizações criminosas: Antônio Aldair Araújo Montalvão e José Borges do Nascimento. À reportagem, Alan se defendeu das acusações e negou qualquer envolvimento com parcelamento irregular do solo.

As investigações apontaram para a existência de três organizações criminosas interligadas e voltadas a esse tipo de crime. Antônio é proprietário de uma imobiliária da região, e José, dono de uma empresa de venda de veículos. Os dois são os suspeitos de ordenar os núcleos da atividade ilícita contratando laranjas, usando empresas de fachada para lavar dinheiro, cooptando servidores da administração da cidade e até criando um cartório digital para driblar a fiscalização e reconhecer firma para a cessão de direitos.

De forma ordenada, os líderes comandavam três grupos distintos. A apuração policial constatou que Antônio e José, os mais velhos da organização, ficavam responsáveis por organizar a grilagem de terras. Fruto disso foi o patrimônio milionário que conseguiram. Em cinco anos, eles faturaram cerca de R$ 20 milhões. Paralelamente a isso, os grileiros montaram um complexo esquema de lavagem de dinheiro e utilizaram "laranjas" e empresas de fachada, como academia, loja de artigos de ginástica e de material de construção.

O Correio apurou que a nora de um dos investigados, identificada como Michaely Araújo Pinheiro, auxiliava o sogro na ocultação do dinheiro ilícito. Ela administra a empresa Assessoria Primor Eireli, fundada em abril de 2021 e com capital social de R$ 110 mil.

Um outro grupo comandado por um terceiro líder era encarregado de agir com extrema violência. Eles invadiam e tomavam lotes, entravam em guerra com outros grileiros e usavam da violência para impor silêncio e medo aos moradores. Há investigações da polícia que apontam, ainda, registro de homicídios cometidos na região ligados ao parcelamento irregular do solo urbano.

Cartório digital

De forma a dar "mais conforto e gerar confiança" ao comprador do lote, os grileiros vendiam os imóveis por meio de contratos de cessão de direito, normalmente com firma reconhecida. "Os cartórios do DF começaram a não fazer reconhecimento de firma para cessão de direito e, então, eles recorreram aos cartórios do Entorno, principalmente o de Luziânia (GO)", explicou o delegado-adjunto da 30ª DP, Ulysses Luz.

Audaciosos, os criminosos criaram uma espécie de cartório digital em São Sebastião, onde eles mesmos passaram a reconhecer firma e, assim, ganhar mais dinheiro. A polícia apura, ainda, o suposto envolvimento de servidores da Administração Regional da cidade. Há a suspeita de que alguns grileiros mantinham vínculos com agentes públicos, que são investigados por corrupção passiva. As apurações seguem no sentido de saber se os servidores foram de fato beneficiados. Já os advogados também alvos da operação são suspeitos de ser grileiros e de manter elo com empresários.

"Tão grave quanto a atuação dos grileiros, são os indicativos de que os líderes recebiam apoio de agentes públicos, os quais, ao invés de cuidarem do interesse público, perverteram os valores de deveriam ser protegidos", destacou o delegado.

Os envolvidos são investigados por integrar organização criminosa, lavagem de dinheiro, parcelamento irregular do solo urbano e crimes ambientais. As investigações seguem com o objetivo de identificar outros suspeitos.

O que diz a defesa

Em entrevista ao Correio, o pré-candidato a deputado distrital Alan Valim negou as acusações. Valim é mergulhador do Corpo Militar de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF) e deixou o posto de administrador de São Sebastião este ano para concorrer às eleições. À reportagem, ele contou que foi surpreendido com a operação da PCDF e nega qualquer envolvimento em grilagem de terras. "Estava saindo para trabalhar, quando notei toda a movimentação. Naquele momento, me prontifiquei a prestar qualquer depoimento e me dispus para o que precisava. Estou com a consciência tranquila. Passei todos esses anos da minha profissão mantendo minha integridade e nunca pisei numa delegacia para responder qualquer acusação que fosse", frisou.

Valim suspeita que as acusações ligadas a ele possam ter sido fruto do trabalho prestado na administração. "Eu, como administrador, mantive relação com muita gente em São Sebastião. Agora, compactuar ou concordar com qualquer tipo de ilegalidade, isso nunca. Acredito que, por causa dessa proximidade de encontrar, receber na administração, possa ter perpetrado de alguma forma. Mas literalmente eu abomino a grilagem de terras. Imagina um grileiro que vende um terreno para uma pessoa humilde, o morador constrói e o governo derruba. A palavra que uso é abominar esse tipo de coisa", se defendeu.

Até o fechamento desta edição, a reportagem não conseguiu contato com as defesas de Antônio, José e Michaely.

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